Por Marcos Aurélio Ruy
Neste 25 de abril, a Revolução dos Cravos completa 50 anos. Um marco fundamental para Portugal e para o mundo. Nessa data, em 1974, Portugal se livrava de uma ditadura iniciada em 1926. A crise econômica provocada pelos gastos para combater os movimentos guerrilheiros – que já duravam havia mais de uma década, por libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, então colônias mantidas a ferro e fogo – fortaleceu o movimento pela democracia no país e, com cravos nas mãos, milhares de pessoas saíram às ruas contra o moribundo regime. A libertação dos três países se deu imediatamente.
A iminente derrota militar para os movimentos guerrilheiros levou as Forças Armadas de Portugal a abandonarem o antigo regime. A publicação livro Portugal e o Futuro, do ex-governador de Guiné-Bissay, António de Spínola, em defesa de uma solução política para as guerras nas então colônias portuguesas, mostra uma fissura entre os salazaristas e o enfraquecimento da ditadura.
Com fundamental liderança do Partido Comunista Português e as liberdades democráticas estabelecidas, Portugal passou por transformações, em sucessivos governos de centro-esquerda, com uma nova Constituição de inspiração democrática, e nunca mais conheceu uma ditadura.
“A revolução de abril é patrimônio do povo e é patrimônio do futuro. Patrimônio construído pela luta dos trabalhadores e do povo e que nós comunistas nos orgulhamos de ter dado uma contribuição inigualável, não apenas na longa e heroica resistência, mas em todos os momentos decisivos da sua construção”, afirma Jerônimo de Sousa, secretário-geral do PCP.
A nova Constituição garantiu os direitos civis e políticos, assim como o acesso à saúde, a cultura, educação, habitação, previdência social, liberdade de organização sindical e de movimentos sociais, entre outros direitos humanos restabelecidos.
Com bandeiras parecidas com as utilizadas atualmente por fundamentalistas religiosos unidos a fascistas, inclusive no Brasil, a ditadura portuguesa se valeu de um discurso contra a política e os políticos e de lemas como Deus, pátria e família e a defesa intransigente de uma falsa “moral cristã” extremamente conservadora, e contou com apoio de grande parte da Igreja Católica. Como se vê, esse discurso fácil, que mistura crise econômica com fé religiosa e um individualismo exacerbado, não é novidade para a ascensão de ideias fascistas.
A música Grândola, Vila Morena, de José Afonso, executada nas rádios, foi o sinal para o povo tomar as ruas com o Movimento das Forças Armadas, ocupando locais estratégicos para impedir qualquer resistência. Como diz a música:
“Em cada esquina um amigo/ Em cada rosto igualdade/
Grândola, Vila Morena/ Terra da fraternidade”.
A reação conservadora ao novo regime se fez contra as propostas progressistas de reforma agrária, contra o movimento sindical e contra todos os movimentos em favor de uma sociedade mais avançada de cunho popular.
Como um movimento sem igual na Europa do pós-Segunda Guerra, a Revolução dos Cravos, resultado de uma mobilização operária e popular, levou o Secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, à intenção estadunidense de invadir Portugal com medo de uma “nova Cuba”.
Com isso, uma gama de forças antirrevolucionárias, com forte apoio dos Estados Unidos, foi podando os cravos dos jardins de Portugal e, no final, os cravos foram recolhidos, mas a democracia prevaleceu; mesmo porque “esqueceram a semente em algum canto do jardim”, como canta Chico Buarque. Mas os sonhos dos portugueses do 25 de abril de um mundo mais igual e humano persiste.
Cabe cultivar todas as sementes, em quaisquer cantos esquecidas, para superar o discurso de ódio, discriminação e violência, muito favorável à extrema-direita. Como aconteceu em Portugal, as flores venceram os canhões, como canta Geraldo Vandré.