Brics dá mais um passo na direção de um novo sistema monetário internacional. A hegemonia do dólar nas transações econômicas globais está em xeque
O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), mais conhecido como Banco dos Brics, deu o pontapé inicial para colocar em prática um relevante propósito de seus membros: fechar operações financeiras sem usar o dólar. A informação de que a instituição ligada a países emergentes criará um sistema de pagamento baseado em blockchain e tecnologias digitais foi dada pelo assessor do Kremlin, Yury Ushakov, à agência de notícias russa Tass e confirmada por fontes no Brasil.
A decisão de tirar o protagonismo da moeda americana nas transações internacionais conta com o respaldo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo chegou a iniciar uma parceria de desdolarização com a Argentina ainda no governo de Alberto Fernandez, que deixou o comando do país vizinho no ano passado.
Além do Brasil, a composição original do Brics conta também com Rússia, Índia, China e África do Sul. O grupo passa por um processo de ampliação para incluir Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã.
De acordo com pessoas no Brasil a par do caso, apesar da vontade ser antiga, ganhou mais força recentemente com a possibilidade de Donald Trump voltar a presidir os Estados Unidos. Ele é tido como um político com viés protecionista e tende a acirrar o antagonismo com dois dos membros dos Brics: a Rússia e a China. No caso do gigante asiático, a disputa é mais pela escalada econômica. Apesar da surpresa com a proximidade do americano com Vladimir Putin no mandato anterior, a Rússia voltou a ser “o inimigo” depois da guerra na Ucrânia.
Desde a criação do Banco do Brics, em 2015, sempre foi dito que um de seus objetivos era o de aumentar a participação do bloco nos sistemas financeiro e monetário internacionais. No encontro do grupo no ano passado, em Joanesburgo, foi publicada uma declaração dos líderes estabelecendo entre seus integrantes o aumento de acordos em moedas nacionais e o fortalecimento das redes bancárias de seus países para garantir a segurança de transações internacionais.
“O trabalho continuará para desenvolver o Arranjo de Reservas Contingentes, principalmente em relação ao uso de moedas diferentes do dólar americano”, disse Ushakov.
Desde 2019, os Brics já cogitavam o uso de uma criptomoeda para fechar negócios entre as partes. “Acreditamos que a criação de um sistema de pagamento independente dos Brics é uma meta importante para o futuro e seria baseado em ferramentas de última geração, como tecnologias digitais e blockchain”, disse o assessor do Kremlin.
“O principal é garantir que seja conveniente para os governos, pessoas comuns e empresas, bem como que seja rentável e livre de política”, continuou, na entrevista concedida à agência de notícias russa Tass.
Às margens do primeiro encontro financeiro ministerial do grupo das 20 maiores economias do globo (G-20), na semana passada, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se reuniu com a ex-presidente do Brasil e agora comandante do NDB, Dilma Rousseff. Havia a previsão de um almoço de Dilma com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas não ocorreu porque o ministro estava com covid. Na segunda-feira, 4, os dois se encontraram no Palácio do Planalto, quando o presidente Lula recebeu a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva.