Os EUA conduzem hoje o que já foi batizado por alguns analistas uma guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia, para a qual também arrastou a Europa. Além de ser uma aventura muito lucrativa para o complexo industrial militar, embora cara para os contribuintes, o conflito ocorre sem nenhuma vítima estadunidense, ao custo do sangue ucraniano, o que constitui um “negócio muito bom” para Washington, conforme admitem políticos do país citados na reportagem do Sptinik reproduzida abaixo.
Apoiadores ocidentais da continuação do conflito na Ucrânia demonstram um cinismo notável sobre o massacre humano envolvido no país, escreve o think tank (instituições ou grupos de especialistas com a missão de refletir sobre assuntos relevantes) com sede em Washington, D.C. Instituto Quincy para Política Responsável (QI, na sigla em inglês).
Os especialistas da instituição apresentam o conflito na Ucrânia como uma rara chance de prejudicar a Rússia — sem a necessidade de envolver diretamente os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Além disso, o QI cita ainda políticos e figuras midiáticas proeminentes que são “favoráveis a uma guerra prolongada e aberta e mais contra os tipos de negociações de paz que poderiam encurtá-la”.
Mas o think tank foi além ao apontar que o aumento desse tipo de retórica é anterior ao projeto que tentou um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia em 2022, mediado em Istambul, apenas um mês após o início da operação militar especial.
O político ucraniano David Arakhamia, que chefiou a delegação ucraniana durante as negociações com a Rússia em Belarus e na Turquia em 2022, disse, em novembro do ano passado, que o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, persuadiu Kiev a sair do plano de paz no último minuto.
“Quando voltamos de Istambul, Boris Johnson veio a Kiev e disse que não assinaríamos nada [com os russos] de jeito nenhum. E [disse] ‘Vamos continuar lutando'”, disse Arakhamia.
Políticos ocidentais têm sido igualmente belicosos. Josep Borrell, comissário não eleito da União Europeia para Assuntos Externos, declarou em abril de 2022 que o conflito seria “vencido no campo de batalha”. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, ecoou Borrell no mesmo mês, afirmando que Washington queria ver a Rússia “enfraquecida a ponto de não poder fazer as coisas que fez” ao lançar a operação militar especial.
Desde então, líderes dos EUA e da Europa têm rejeitado os gestos de paz. “Quatro meses depois do início disso, gosto do caminho estrutural em que estamos”, afirmou o senador dos EUA Lindsey Graham no início do conflito, lembrou o QI. Mais tarde, o senador acrescentou que a aliança dos EUA com a Ucrânia no conflito era “o melhor dinheiro que já gastamos”.
Em agosto de 2023, o senador democrata Richard Blumenthal argumentou em um artigo de opinião que “[os americanos] deveriam estar satisfeitos por estarmos obtendo nosso dinheiro de volta em nosso investimento na Ucrânia”, pois “por menos de 3% do orçamento militar de nossa nação, permitimos que a Ucrânia degradasse pela metade a força militar da Rússia”, e “tudo isso sem uma única mulher ou homem de serviço americano ferido ou morto”.
“É uma quantia relativamente modesta com que estamos contribuindo, sem sermos solicitados a arriscar a vida e os membros”, disse o senador republicano do Mississippi Roger Wicker em fevereiro de 2023. “Os ucranianos estão dispostos a lutar por nós se o Ocidente lhes der os recursos. É um negócio bastante bom.”
“Nenhum americano está sendo morto na Ucrânia. Estamos reconstruindo nossa base industrial. Os ucranianos estão destruindo o Exército de um de nossos maiores rivais. Tenho dificuldade em encontrar algo de errado com isso”, disse o líder da minoria republicana no Senado dos EUA, Mitch McConnell, à imprensa americana há quatro meses.
“Ajudar a Ucrânia, dar dinheiro à Ucrânia é a maneira mais barata possível para os EUA aumentarem sua segurança,” afirmou Zanny Minton Beddoes, editora-chefe da revista britânica The Economist, no programa Daily Show, do apresentador Jon Stewart, recentemente. “A luta está sendo feita pelos ucranianos, são eles quem estão sendo mortos.”
O ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, anunciou na terça-feira (27) que a Ucrânia perdeu mais de 444 mil soldados, entre mortos e feridos, desde o início da operação militar especial em 2022.
“O que é repugnante nisso não é apenas a maneira leviana como trata a escala inimaginável de perda de vidas, a incapacidade permanente e crises emergentes de longo prazo vivenciadas pelos ucranianos — como meros grãos de ábaco a serem movidos em uma análise de custo-benefício centrada nos Estados Unidos e seus aliados da OTAN,” escreveu o think-tank de Washington sobre a avaliação do Ocidente do conflito.
O QI argumentou que, longe de serem “dispostos”, “determinados” e prontos para “lutar até o último homem”, muitos ucranianos demonstraram que não querem arriscar suas vidas. A instituição destacou que muitos homens ucranianos em idade de alistamento fugiram do país para evitar o conflito, enquanto outros subornaram oficiais da Comissão Médica Militar (MMC, na sigla em inglês) para serem considerados incapazes para o serviço militar. Os ucranianos assinaram petições contra as práticas de alistamento agressivo.
Para jogar mais ucranianos na batalha, o regime de Kiev autorizou várias ondas de mobilização forçada. Ele pediu à UE que extraditasse os desertores do serviço militar, ordenou uma revisão completa de todas as isenções de mobilização concedidas na Ucrânia a partir de 24 de fevereiro de 2022 e, mais recentemente, propôs uma nova lei de mobilização baixando a idade do recrutamento, criando um banco de dados central de recrutas em potencial e convocando homens mais velhos e menos saudáveis.
“Parece cada vez mais que muitos dos que estão mais entusiasmados em manter a guerra em andamento e evitar um fim negociado não são, como continuamos ouvindo, os ucranianos mais propensos a serem mortos ou feridos no combate,” argumenta Branko Marcetic, do instituto. “Em vez disso, são políticos e comentaristas muito distantes da linha de frente, em outros países, que veem sua morte e destruição como se fosse um jogo de tabuleiro — ou, em suas palavras, como um ‘bom negócio’, uma ‘pechincha’ e um investimento satisfatório para seus próprios países.”
Um recente relatório do New York Times sobre uma rede de 12 bases secretas da CIA estabelecidas ao longo da fronteira da Ucrânia com a Rússia após o golpe Euromaidan, de 2014, sugere que o plano de conflito já estava em gestação há muito tempo.
Em entrevista à Sputnik em 21 de fevereiro, o ex-analista da CIA Larry Johnson disse que a Ucrânia foi imediatamente transformada em um proxy militar dos EUA após o golpe.
“Antes de 2014, você não via muitos exercícios da OTAN com a participação da Ucrânia. Após 2014, a Ucrânia, embora não fosse formalmente membro da OTAN, era regularmente incluída nesses exercícios anuais conjuntos, o que significava que a Ucrânia então se tornou um proxy [procurador] para uma Guerra Fria,” disse Johnson. “Ela se tornou um proxy para o Ocidente lutar contra a Rússia. E acho que é por isso que eles estavam lentamente construindo a Ucrânia.”
“Na essência, o que se resume é que o Ocidente simplesmente decidiu que queria pegar a Rússia. No cerne disso, eles estavam procurando uma estratégia de longo prazo para isolar a Rússia. E a chave para isso era trazer a Ucrânia para o campo ocidental, trazer a Ucrânia para a OTAN, trazer a Ucrânia para a UE e, portanto, isolar completamente, pelo menos eles achavam que poderiam isolar a Rússia. Porque eu acho que pelo menos havia algum reconhecimento em alguns círculos governamentais de que a Rússia tem uma riqueza enorme e recursos naturais. E é melhor para nós tê-los do que para a Rússia tê-los. Acho que essa era a atitude”, concluiu Johnson.
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