Por Celso Ming*
Encurtar a jornada em um cenário de intensas transformações no mercado de trabalho requer mudança de mentalidade da sociedade sobre o excesso de trabalho e ações conjuntas para melhorar a produtividade e empregabilidade no País
A discussão sobre redução da jornada de trabalho começa a ganhar força no Brasil. Entre seus defensores está o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, para quem a mudança “já passou da hora”.
Este é um tema em alta em todo o mundo, especialmente depois dos desdobramentos da pandemia, que alterou a percepção das pessoas sobre o trabalho em suas vidas.
Encurtar a jornada em um cenário de intensas transformações no mercado de trabalho requer não só aprofundamento das análises de como a novidade seria aplicada setor por setor, mas, também, sobre como criar condições para que as empresas adotem o novo modelo e, ao mesmo tempo, garantam seu cumprimento pelos trabalhadores que operam fora da chancela da CLT.
No Brasil, algumas empresas vêm adotando experimentalmente uma jornada de trabalho de quatro dias por semana. A iniciativa já foi testada na África do Sul, Portugal e Reino Unido e aparentemente gerou resultados positivos. Os responsáveis pelo teste relatam que 39% dos participantes se sentiram menos estressados e 54% consideraram mais fácil conciliar vida pessoal e profissional. Outros 15% asseguraram que não voltariam a uma semana de cinco dias, mesmo se obtivessem compensação salarial.
Independentemente desses resultados, será inevitável negociar a mudança com o setor produtivo e os sindicatos. Não se sabe até que ponto o governo estaria disposto a oferecer compensação tributária às empresas que adotassem esse modelo ou se passaria a exigir dos setores que gozam de subsídios que os repassem proporcionalmente a seus empregados como redução de jornada.
Como explica o professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) José Dari Krein, há a possibilidade de aplicar uma redução progressiva da jornada de trabalho para todos os segmentos com o objetivo de chegar às 40 ou até 36 horas semanais, desde que se articule essa redução com os ganhos de produtividade que o maior emprego de tecnologia já vem proporcionando.
Dari Krein, que coordena o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho e a Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista, também defende o emprego de tecnologia como forma de monitorar ou coibir jornadas de trabalho excessivas. Hoje, no Brasil, milhões de trabalhadores por aplicativo se submetem a muitas horas de trabalho por dia sem nem sequer contribuir para a Previdência Social – o que torna essa discussão ainda mais complexa. Por isso, afirma ele, é preciso que a sociedade deixe de tolerar o excesso de trabalho.
“Seus efeitos negativos não se restringem à qualidade da vida em comum. Podem aumentar os custos do Sistema Único de Saúde (SUS), que terá de lidar com pessoas adoentadas em decorrência do próprio regime de trabalho.”
No entanto, apenas a redução do tempo de trabalho não seria suficiente para reduzir os problemas de empregabilidade e da baixa produtividade da força de trabalho. Tampouco resgataria os milhões de nem-nem (nem estuda, nem trabalha) que surgem anualmente no Brasil em consequência de falhas do sistema educacional e da falta de políticas públicas integradas.
O próprio ministro Marinho admite que a redução de jornada não deve gerar mais empregos, como se chegou a prever no passado, mas se limitaria a preservar os que existem. É por isso que o pesquisador José Dari Krein argumenta que a redução de jornada pouco acrescentará ao mercado de trabalho, quando se trata de reduzir a informalidade ou redistribuir o trabalho útil, se não vier acompanhada de novos investimentos que criem ocupações de qualidade e estratégicas para o País, como em pesquisa e inovação e em áreas de desenvolvimento social e ambiental.
*Jornalista, colunista do jornal Estado de São Paulo
Ilustração: Simax