Por: Rodrigo Cardoso
O recente comunicado dos presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, Lula e Joe Biden, na “Declaração Conjunta Brasil-EUA sobre a Parceria pelo Direito dos Trabalhadores,” marca um momento significativo na agenda global da luta por trabalho digno. O documento delineia um conjunto abrangente de temas que incluem a proteção dos direitos dos trabalhadores, o fim do trabalho forçado e do trabalho infantil, a promoção de condições de trabalho seguras e saudáveis, a ênfase na transição digital e energética centrada nos trabalhadores, a utilização da tecnologia para benefício de todos e o combate à discriminação no local de trabalho.
É interessante notar que, por parte de Joe Biden, essa ação pode ser interpretada como uma tática para envolver o movimento sindical norte-americano em sua campanha à reeleição. Esse movimento tem passado por um certo renascimento, com uma crescente participação de jovens trabalhadores afetados pela precarização do trabalho, baixos salários e altas dívidas estudantis, o que torna o apoio sindical um recurso valioso em sua dura disputa com o ex-presidente Donald Trump.
Entretanto, não podemos subestimar o impacto potencial dessa iniciativa, considerando o contexto histórico. A eleição de governos neoliberais, como os de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, teve um papel paradigmático na promoção de soluções conservadoras à crise do Wellfare State, que resultaram na diminuição do papel do Estado na economia, na retirada de direitos trabalhistas e na redução de investimentos sociais em todo o mundo, desde a década de 80. A tendência que se estabeleceu foi da superexploração do trabalho, desregulamentação dos mercados e diminuição de impostos para os mais ricos em busca da maximização dos lucros. Como bem demonstra o economista francês Thomas Picketty em seu mais recente livro “Capital e Ideologia”, esses fatores somados às enormes diferenças nas oportunidades educacionais e o acúmulo histórico de desigualdades de renda e de patrimônio tem causado uma tendência à intensificação da concentração de renda e patrimônio em pequenas elites que correspondem muitas vezes a menos de 0,1% da população.
Esse documento, que deve ser levado para a discussão com outros países na reunião do G20 e nas próximas COP’s, tem potencial para marcar uma inflexão nessa tendência. A necessidade de um retorno qualificado do papel do Estado ficou evidente com a mais recente crise financeira, a pandemia de COVID-19 e a ameaçadora crise ambiental. Esses eventos destacaram a importância de políticas públicas que protejam os trabalhadores, promovam a equidade e atendam às necessidades da sociedade.
Nesse sentido, também é importante que trabalhadores e trabalhadoras organizados valorizem e fortaleçam iniciativas públicas já estabelecidas que remam contra a maré da desregulamentação e buscam a promoção do trabalho decente. Um exemplo é a ação da Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda do governo do Estado da Bahia, SETRE, que ao longo dos últimos 16 anos tem se destacado como principal experiência política de um estado subnacional na promoção do Trabalho Decente. Soma às metas da Erradicação do Trabalho Escravo e do Trabalho Infantil, a promoção da Segurança e Saúde do Trabalhador, bem como da Igualdade de Gênero e Raça e da Pessoa com Deficiência, a valorização do Serviço Público e do Trabalho Doméstico e a promoção de Empregos Verdes e para a juventude. Recentemente a SETRE tem criado uma rede com a implantação de núcleos de difusão do trabalho decente nos 27 territórios de identidade do Estado.
Portanto, no atual contexto, a iniciativa conjunta dos presidentes Lula e Biden pode marcar um ponto de virada na tendência das políticas estatais para o mundo do Trabalho. Mobilizações sociais e disputas políticas sempre foram o motor para as transformações e não será diferente em relação a esse tema. A ênfase na justiça social, direitos dos trabalhadores e a transição para uma economia mais sustentável é um sinal de mudança importante. No entanto, o sucesso dessa empreitada dependerá da decisão política sustentada pelo povo para implementar as medidas propostas e superar os desafios globais que persistem.
*Presidente do Sindicato dos Bancários de Ilhéus e membro da direção estadual do PCdoB.