Na cúpula do G20 houve divergências sobre como enfrentar os desafios que afetam a estabilidade econômica, a paz global e a crise ambiental
Por José Reinaldo Carvalho*
Nos dias 9 e 10 de setembro, na cidade de Nova Delhi, capital da Índia, foi realizada a 18ª Cúpula do Grupo dos 20 (G20). Líderes das 20 maiores economias do mundo se reuniram em meio a controvérsias e tensões em torno de alguns temas candentes da situação internacional e profundas diferenças de opinião sobre como enfrentar os desafios que moldam a vida no planeta no século XXI. O G20, que reúne 19 países e a União Europeia, representa um dos mais importantes fóruns internacionais para discussões econômicas e políticas globais. Um fato auspicioso, logo no início da 18ª Cúpula, foi a admissão da União Africana (UA) como um bloco membro. Doravante, o G20 será o G21, o que é resultado de um empenho especial da China, que há tempos faz esforços pela expansão do grupo e a incorporação da UA.
No encontro realizado na capital indiana foram manifestadas divergências sobre como enfrentar os desafios prementes que afetam não apenas a estabilidade econômica, mas também a paz global e a sustentabilidade ambiental.
A principal divisão que ameaçou a coesão do G20 se manifestou em torno da questão da guerra na Ucrânia, que tem gerado um abismo entre as potências ocidentais agrupadas na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), por um lado, e, por outro, os países que estão focados na cooperação internacional e não consideraram adequado impor uma redação unilateral condenando um país relevante como a Rússia, o que geraria disfuncionalidade no G20, fragilizaria a imagem do mecanismo como um fórum de cooperação global, prejudicaria a capacidade de encontrar soluções conjuntas para problemas de escala global e criaria obstáculos adicionais à busca do cessar-fogo e da paz. Felizmente, ao final, foram superadas as tensões que marcaram as reuniões preparatórias, e chegou-se a um texto consensual defendendo a paz e o direito internacional. Esse compromisso de buscar uma solução pacífica é um passo importante em direção à resolução de problemas que afetam a estabilidade global, a segurança internacional e a paz mundial.
Outros pontos cruciais discutidos na 18ª Cúpula do G20 foram o fortalecimento da economia global, a busca do desenvolvimento e o enfrentamento à crise ambiental, mas não houve avanços significativos devido aos enfoques contraditórios que evidenciam os interesses distintos das grandes potências ocidentais e os países emergentes. Quanto à economia, as potências ocidentais lideradas pelos EUA tentaram forcejar debates sobre a dívida dos países em desenvolvimento. Há muito tempo as potências ocidentais propagam a desinformação sobre a “diplomacia da armadilha da dívida”, pressionando a China com falsas acusações. Os EUA também exploraram a realização da Cúpula do G20 para desencadear uma iniciativa que se enquadra em sua estratégia anti-China, criando um corredor econômico ligando a Índia, o Oriente Médio e a Europa por meio de uma rede de ferrovias e portos, para “estimular o desenvolvimento econômico por meio do aumento da conectividade e integração econômica entre dois continentes, desbloqueando assim um crescimento econômico sustentável e inclusivo”, afirmou a Casa Branca em comunicado. Uma tentativa de isolar a China que tende ao fracasso.
Quanto ao tema do desenvolvimento, ficam evidentes as injustiças e desigualdades, aspectos para os quais o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, chamou a atenção. Ele mostrou que a desigualdade é um flagelo que cresce, a disparidade de renda entre países ricos e pobres quadruplicou entre o começo do século XIX e o fim do século XX, as assimetrias se perpetuaram por novas formas de dependência econômica e financeira, regras e instituições injustas e compromissos não cumpridos. Lula reiterou seus pontos de vista contra o neocolonialismo verde.
Nota-se que as divergências dentro do G20 estão aumentando, tornando o mecanismo menos funcional, o que o põe em risco de perder a utilidade como um grupo para a governança global.
É neste quadro que se destaca como fato auspicioso e significativo que a República Popular da China, ao fazer ouvir a sua voz, demonstrou uma vez mais seu papel construtivo no Grupo.
O primeiro-ministro chinês, Li Qiang, instou os líderes do G20 a aderirem à solidariedade e à cooperação, a fortalecerem a coordenação das políticas macroeconômicas para proporcionar confiança e impulso ao crescimento econômico, expondo com clareza a noção de que o destino da humanidade é interdependente. Ele defendeu o respeito entre os países, a busca de convergências e propugnou o método de pôr à margem as diferenças como condição para que todas as nações convivam juntas e em paz. Alcança grande acolhida entre líderes de países que se empenham na defesa da sua independência concomitantemente à cooperação e entre amplos setores da opinião pública mundial a ideia defendida pelo premiê chinês de que em face de grandes crises e desafios comuns, apenas a unidade e a cooperação podem levar a humanidade ao caminho certo. Nenhum país pode prosperar sozinho, enfatizou.
O premiê chinês demonstrou em seu pronunciamento que para manter a funcionalidade do G20 os países membros devem aderir à aspiração original de unidade e cooperação, assumir a responsabilidade pela paz e o desenvolvimento e fortalecer a coordenação das políticas macroeconômicas para aumentar a confiança e o impulso para o crescimento econômico global. Trata-se de uma visão coerente com a determinação inicial do G20 de enfrentar de modo coordenado as crises econômicas globais e favorecer ações conjuntas para resolver problemas econômicos e impulsionar o desenvolvimento econômico global.
A lúcida visão do premiê chinês contrasta com a posição unilateral dos Estados Unidos. A política dessa superpotência de contenção da China torna o G20 um mecanismo de disputa e não um palco do multilateralismo genuíno, uma plataforma para a cooperação internacional no tratamento de desafios globais.
No desempenho de um papel construtivo, o premiê chinês reiterou o compromisso do gigante socialista asiático de aprofundar a reforma, expandir a abertura para promover o desenvolvimento de alta qualidade e promover a modernização ao estilo chinês. Desfazendo os mitos sobre o “colapso econômico” da China, difundidos de maneira interessada pela propaganda dos EUA, o primeiro-ministro assegurou que a China mantém boas perspectivas de desenvolvimento e injetará novo impulso na recuperação econômica global e no desenvolvimento sustentável. “Estamos dispostos a dar as mãos a todas as partes para fazer maiores esforços e contribuições para a nossa Terra comum, lar comum e para o futuro comum da humanidade”, disse ele.
O pronunciamento do primeiro-ministro, Li Qiang, deixou claro o engajamento da China com o fortalecimento do G20, apesar dos perigos de enfraquecimento do mecanismo devido à politização promovida pelas potências ocidentais, algo que objetivamente debilita o mecanismo. A mensagem chinesa em favor de que o G20 permaneça uma plataforma multilateral representativa e focada na governança global, em vez de ser sequestrada por conflitos geopolíticos baseados nas posições exclusivistas daquelas potências, injeta otimismo na preparação da 19ª Cúpula, em 2024, sob a presidência do Brasil.
*Jornalista, editor internacional do 247