Por Umberto Martins
Reunidos em Joanesburgo, na África do Sul, os líderes do Brics – bloco geopolítico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – estão apreciando dois assuntos centrais nesses dias: a ampliação do grupo e a criação de uma moeda comum em substituição ao dólar nas relações econômicas entre seus membros.
São temas que respondem à necessidade histórica de estabelecer os alicerces de uma nova ordem mundial, dado o esgotamento daquela proveniente dos acordos celebrados em Bretton Woods há 78 anos, que formalizaram a hegemonia global do dólar e dos Estados Unidos.
O mundo de hoje é muito diferente do que o vigente naquela época. A geografia econômica sofreu profundas transformações ao longo de décadas de desenvolvimento desigual dos poderios econômicos relativos das nações, que resultaram no declínio dos EUA e do chamado Ocidente e no deslocamento do poder industrial – e por extensão econômico – para o Oriente, assim como do Norte para o Sul.
Daí provém a necessidade objetiva de transição para um novo arranjo econômico e político internacional.
Ultrapassamos o G7
Conforme assinalou o presidente Lula nesta terça-feira (22), durante o Fórum Empresarial do Brics em Joanesburgo, referindo-se ao bloco e citando dados do FMI, “já ultrapassamos o G7, e respondemos por 32% do PIB mundial em paridade do poder de compra”.
“O dinamismo da economia está no sul global e o Brics é sua força motriz”, acrescentou.
É uma percepção justa e importante para orientar os rumos do desenvolvimento nacional, que está estreitamente associado à economia global, como ficou claro na crise da dívida externa (anos 1980), na crise financeira global (2008) e em outras ocasiões da história.
Em pauta na cúpula em curso na África do Sul, a incorporação de novos países ao bloco vai fortalecer seu poderio econômico relativo e sua relevância geopolítica, como também foi observado por Lula, que junto com Celso Amorim defende a ampliação do bloco e não vê prejuízo para o Brasil nisto.
Mais de 40 nações já manifestaram interesse em participar do Brics, bem como do seu banco de desenvolvimento, hoje presidido pela ex-presidenta Dilma Rousseff. Isto constitui um retumbante sinal do sucesso e consolidação da iniciativa, em contraste com a decadência dos Estados Unidos e das potências europeias, que estão perdendo credibilidade e influência.
Moeda do Brics
A ampliação tornará ainda mais factível a concretização de um outro objetivo estratégico incluído na agenda da cúpula: a criação de uma moeda comum para substituir o dólar nas transações econômicas realizadas no interior do bloco.
O uso do dólar como arma política abalou a fé da comunidade internacional na moeda estadunidense e precipitou os movimentos por alternativas. A fé é o lastro do dinheiro fiduciário, conforme sugere a própria expressão, desde agosto de 1971, por decisão unilateral dos EUA, o dólar perdeu o lastro em ouro.
Recentemente, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, conhecido como o Banco do Brics), emitiu pela primeira vez obrigações no mercado de títulos da África do Sul utilizando a moeda local, o Rand.
Ao contrário do FMI e do Banco Mundial, instituições remanescentes de Bretton Woods, o Banco do Brics não vincula seus empréstimos a condicionalidades e ajustes recessivos ditados pelos interesses da oligarquia financeira internacional.
Esses movimentos do Sul Global sinalizam para o fim da hegemonia do dólar na economia mundial e a construção concomitante de uma nova ordem monetária, econômica e política, que de início convive aos trancos e barrancos com a velha ordem, mas está em franca colisão com ela e está diante do desafio de superá-la.
Além das contradições geopolíticas, há poderosos fatores econômicos que corroem sorrateiramente as bases da liderança global do dólar, o que constitui tema para um outro artigo.