Anuário da Contag aponta o que é necessário para a vida melhorar no campo

O Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023 – a segunda edição desta importante publicação –, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos (Dieese), mostra o potencial desse modo de produção no campo para se ter comida de verdade em todos os lares sem agredir o meio ambiente.

“A agricultura familiar brasileira, formada por mulheres, homens e pessoas LGBTQIAP+ no campo, floresta e águas, de todas as raças e idades, como assentados(as), reassentados(as), pescadores artesanais, quilombolas, indígenas, silvicultores(as), aquicultores(as) e extrativistas, a partir de diversas identidades e modos de vida e produção, ocupa 23% das áreas e 3,9 milhões de estabelecimentos e é responsável por 23% do valor bruto da produção agropecuária, 67% das ocupações no campo”, afirma texto de apresentação do Anuário, além de ser responsável pela produção de ao menos 70% dos alimentos consumidos no país.

Não à toa, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) declarou em 2019 a Década da Agricultura Familiar porque a concentração de terras em poucas mãos tem trazido enormes prejuízos ao planeta e, por consequência, à humanidade. A fome cresce porque o agronegócio visa somente ao lucro; e lucro a qualquer preço.

Para compreender melhor o Anuário deste ano, entrevistamos Vânia Marques Pinto, secretária de Política Agrícola da Contag, de Política Agrícola e Agrária da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Vânia também é agricultora familiar, educadora popular da Enfoc, formada em Pedagogia da Terra e mestra em Educação do Campo. Para ela, o Anuário é “bastante completo e complexo também”, por causa da “base de informações pesquisadas e aprofundadas”, o que “possibilita uma leitura da realidade complexa do campo brasileiro e a partir desse entendimento podemos sugerir a construção de políticas públicas voltadas para o que conseguimos identificar como necessidade e anseio de quem vive do trabalho no campo”.

O Anuário mostra também que a agricultura familiar ocupa 23% das áreas e 3,9 milhões de estabelecimentos rurais, sendo responsável por 23% do valor bruto da produção agropecuária e por 67% das ocupações no campo. Isso porque “estamos em oitavo lugar na produção de alimentos no mundo e com melhores condições de trabalho e incentivos governamentais podemos melhor e ampliar a nossa produção, quem sabe até para a exportação”, argumenta Vânia.

Leia a entrevista na íntegra:

Como o Anuário da Contag pode ajudar nas reivindicações sindicais para a melhoria da vida no campo?

Vânia Marques Pinto: O nosso Anuário mostra que nós agriculturas e agricultores familiares estamos em oitavo lugar na produção de alimentos no mundo e com melhores condições de trabalho e incentivos governamentais podemos melhor e ampliar a nossa produção, quem sabe até para a exportação.

Isso diz respeito à ocupação de 23% das terras e ainda conseguimos assegurar 68% do trabalho no campo diretamente com a agricultura familiar. Os dados mostram que temos um potencial de aumentar a nossa produção de alimentos saudáveis de modo sustentável e dessa forma ajudar a acabar com a fome no Brasil. É inconcebível que um país com tantas terras agricultáveis tenha gente passando fome.

O que falta para que isso ocorra?

Temos uma deficiência muito grande em políticas públicas, principalmente das políticas de incentivo à produção. Um terço das famílias de agricultoras e agricultores familiares não consegue acesso ao crédito. E, desse número, 82% não recebem nenhum tipo de assistência técnica que garanta melhoria e um melhor escoamento da produção.

O que pode ser feito?

Precisamos de mais investimentos com recursos financeiros e um conjunto de políticas públicas para garantir a qualificação dessa produção com a utilização das tecnologias, para que a agricultura familiar possa garantir uma produção de acordo com a perspectiva da agricultura familiar com a produção de alimentos saudáveis com equipamentos e tecnologias adaptadas à realidade da nossa produção, do nosso trabalho.

Para isso, precisamos de uma estruturação produtiva e, para que essa estruturação seja efetiva, necessitamos de assistência técnica, extensão rural, seguro agrícola, pagamento de um preço mínimo e acesso aos mercados. Enfim, é necessário um conjunto de políticas públicas para que a agricultura familiar possa produzir mais e melhor, e assim assegurar comida de verdade na mesa das brasileiras e brasileiros.

Ajuda na atuação sindical também?

Com certeza. O Anuário serve tanto para as agricultoras e agricultores familiares, para os sindicatos, para o sistema Contag, quanto para a academia, para estudiosos que querem ter um olhar sobre o campo brasileiro e suas perspectivas. Os sindicatos têm uma ferramenta fundamental para aprimorar a sua atuação com um conhecimento mais aprofundado dos seus representados.

O Anuário vislumbra um caminho possível para o campo brasileiro?

Esse é o segundo ano que a Contag faz o Anuário da agricultura familiar. O lançamento sempre ocorre na Semana da Agricultura Familiar, que vai de 24 a 30 de julho. Apresenta ao conjunto da sociedade informações importantes sobre a realidade do campo brasileiro.

Questões que vão desde os dados gerais da população rural (hoje quase 14% no país), passando pelas propriedades, pelas produtoras e produtores de alimentos e os seus estabelecimentos, os públicos que vivem no campo, como as mulheres, as pessoas idosas, população LGBTQIAP+, a questão da educação do campo e suas especificidades, da previdência rural, das políticas agrícolas, da estrutura do trabalho sindical.

É um Anuário bastante completo e complexo também pela base de informações pesquisadas e aprofundadas que sistematizamos e isso possibilita uma leitura da realidade complexa do campo brasileiro e a partir desse entendimento podemos sugerir a construção de políticas públicas voltadas para o que conseguimos identificar como necessidade e anseio de quem vive do trabalho no campo.

Dentro dessa perspectiva, o que deve ser feito para manter as trabalhadoras e os trabalhadores no campo?

Primeiro é necessário compreender qual é a visão de campo que nós da Contag temos. Para nós o campo é lugar de vida, de produção, de reprodução da vida. Dentro dessa visão, para as trabalhadoras e os trabalhadores rurais, agricultoras e agricultores familiares é essencial termos asseguradas condições de vida digna que garantam a permanência no campo.

Isso significa dizer que precisamos ter acesso a várias políticas públicas que garantam desde o bem-estar social até políticas para a produção, como por exemplo, saúde, educação, habitação, esporte, cultura, lazer e aí as políticas de produção, crédito, fomento, assistência técnica, extensão rural, política de preço mínimo e todas as políticas que dão condição para que a agricultora e agricultor familiar consiga produzir, organizar, comercializar a sua produção e viver dessa renda.

É preciso conseguir um conjunto de políticas públicas de cunho social e de ordem produtiva para garantir o bem-estar dessas famílias no campo.

Acompanhe o estudo completo:

https://ww2.contag.org.br/documentos/pdf/17916-2567998-anua%CC%81rio-agriculturaweb.pdf

Isso garante também a permanência da juventude no meio rural?

Para garantir a permanência da juventude no campo, além dessas políticas públicas, é fundamental assegurar a acesso à terra, para a juventude adquirir essa terra e assim produzir seus alimentos, além de ter condições de comercializar seus produtos.

Para isso, a juventude necessita de formação adequada, formação escolar dentro dos princípios e concepções da educação do campo, acesso ao crédito, ao seguro, à assistência técnica porque isso assegurará à juventude ter uma renda com o seu trabalho.

Como isso pode ocorrer?

A agroindústria familiar é uma ótima opção para a juventude se beneficiar dos seus produtos junto com sua família e assim possa comercializar essa produção e garantir seu sustento, garantindo um estímulo para continuar na propriedade. Isso tudo associado ao acesso à cultura, esporte, lazer, internet,

O Plano Safra 2023-2024 apresenta melhoras dentro da linha Pronaf Jovem, mas é necessário também criar condições para a juventude acessar a linha de crédito e apoio logístico e financeiro assegurando a sua permanência no campo.

A reforma agrária pode ajudar nessa permanência?

A reforma agrária é uma luta constante para a promoção do acesso à terra de todas as trabalhadoras e trabalhadores rurais. Com a juventude não é diferente, pois é preciso garantir o acesso à terra com assistência técnica e de todas as formas que possibilitem uma produção de qualidade, sustentável e que respeite o trabalho.

O Anuário mostrou também uma maioria de mulheres e negros no campo, o que é necessário para assegurar o trabalho dessa população sem discriminações e sem medo?

Para nós mulheres, para nós negras e negros, o campo também é esse lugar de vida, onde constituímos um grande percentual de contingente populacional.Precisamos de políticas públicas específicas para as mulheres, políticas de reparação histórica para a população negra, garantindo acesso às políticas públicas essenciais para uma vida digna no campo.

Porque o racismo estrutural de nossa sociedade impede que as negras e negros tenham as mesmas condições de todas as trabalhadoras e trabalhadores. E a nossa luta é que todas, todos tenham as mesmas condições de vida digna.

Precisamos ter um olhar voltado para as especificidades e que consigamos acessar todas essas políticas. E isso vai desde a questão da violência de gênero, do racismo até o trabalho de empoderamento através da autonomia financeira.

São várias questões que devem ser implementadas no campo para assegurarmos uma vida melhor a todas as pessoas que vivem do trabalho no campo.