O racismo estrutural se particulariza no trabalho, na realidade e vivência das mulheres negras servidoras públicas.
A trabalhadora negra é a que recebe mais baixa remuneração, comparada a outros grupos no país, e predomina nas atividades cujas condições de trabalho são inferiores. Há, portanto, uma hierarquização de poderes, corpos, existências, em que podemos observar uma banalização da vida atrelada a um processo de desumanização das relações sociais e de trabalho.
Em decorrência disso, afirmamos que na arena de disputa de poder e das correlações de força, como dito por Elza Soares, “a carne mais barata do mercado é a carne negra”.
Trata-se de uma realidade que foi sendo produzida socialmente e que se propõe a garantir interesses postos na sociedade, sobretudo em virtude da existência de uma dinâmica que requer a obtenção de lucros crescentes no interior do modo de produção capitalista.
E, muito embora o racismo anteceda o capitalismo, é por ele apropriado e se torna para ele um elemento basilar e essencial à sua vigência. Não obstante a isso, convém mencionar que a história do racismo moderno se entrelaça com a história das crises estruturais do capitalismo.
A necessidade de alteração dos parâmetros de intervenção estatal a fim de retomar a estabilidade econômica e política – e aqui entenda-se estabilidade como o funcionamento regular do processo de valorização capitalista – sempre resultou em formas renovadas de violência e estratégia de subjugação da população negra (ALMEIDA, 2018).
Para a população negra são atribuídos, na sua maioria, os cargos mais destituídos de prestígio. Também são aqueles com menor proteção trabalhista e menor cobertura na garantia de direitos.
A educação oferecida no Brasil Colônia, por exemplo, tinha como objetivo a modelação dos povos nativos para se adequar aos modos europeus e incluí-los em uma lógica de trabalho escravizado. Desde o seu princípio, esteve direcionada em atender as necessidades dos homens da classe dominante branca, segregando a população negra do acesso e da produção intelectual. Já a educação destinada aos colonos se direcionava para a preservação dos valores morais e religiosos, ao passo que excluía os(as) escravizados(as).
Diante desse contexto histórico, pode-se perceber que a escolarização, quando se trata da população negra, nasceu de uma disparidade, a qual vem sendo refletida ao longo dos anos. Percebe-se que a educação no Brasil, desde o seu princípio, preocupou-se em atender as necessidades dos homens da classe dominante branca. Já a população negra foi apartada do acesso e da produção intelectual.
No Brasil Império, quando as escolas se propagaram, ainda assim não existiam escolas formais para negros(as). Também não havia apoio governamental que permitisse seu ingresso, diferentemente de outros países, como os EUA.
A antropóloga Irene Maria Ferreira Barbosa, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, afirma que um dos mais antigos registros da escolarização dos(as) negros(as) foi através da escola do Professor Antônio Cesarino, situada em Campinas, no interior de São Paulo, que funcionou de 1860 a 1876.
O professor Cesarino e suas irmãs eram filhos de um escravo alforriado, o qual vendeu sua tropa de mulas para que seu filho pudesse estudar. Cesarino frequentou uma escola para brancos e conseguiu se formar, posteriormente, passou a lecionar junto com suas irmãs e esposa.
A escola que Cesarino fundou era para meninas brancas. Elas aprendiam a ler, escrever, e resolver as operações matemáticas e regras de etiqueta, além de costurar, bordar, cozinhar, entre outros afazeres. Com a mensalidade paga pelas meninas brancas que estudavam no diurno, Cesarino oferecia gratuitamente a escolarização para moças negras no noturno.
Esses negros que, a duras penas, conseguiram ingressar nas escolas eram um grupo restrito de negros livres ou libertos. Conforme o Decreto 7031 de 06 de setembro de 1878, somente podia se matricular pessoas do sexo masculino, maiores de 14 anos livres ou libertos, saudáveis e vacinados. Deste modo, fica evidente a exclusão das mulheres negras e dos escravizados, visto que, para estes, era impossível executar trabalhos de longas jornadas e ter o “luxo” de aprender a ler e escrever.
A lei Áurea, de 13 de maio de 1888, proibiu a escravização de pessoas dentro do território brasileiro. Ainda assim, o Brasil foi o último grande país ocidental a extinguir a escravidão. E esse fim não significou o início da inserção social.
Depois da libertação dos(as) escravizados(as) não foi criado um sistema de políticas públicas para inseri-los(as) na sociedade, garantindo a essa população dignidade e direitos humanos, como moradia, saúde, educação e trabalho. Desta forma, a população negra foi se organizando nas periferias e formando assim as favelas, que se transformaram em espaços de resistência e sobrevivência.
Ou seja, a abolição trouxe a liberdade jurídica, mas socialmente, os(as) negros e negras que foram escravizados(as) e seus descendentes permaneceram inferiorizados. Não eram inseridos no mercado de trabalho, não tinham participação na política, não frequentavam as escolas, além de apresentarem os maiores índices de mortalidade, devido a qualidade de vida que levavam.
A escravização negra, raiz da formação brasileira, é a razão para a persistente desigualdade racial que conduz o conjunto das relações econômicas, sociais, culturais e institucionais do país. E diante desse histórico de centenas de anos de escravização, seguidos de liberdade sem suporte, nasceu o racismo estrutural.
Consideramos a educação uma ferramenta de transformação social, e que a educação antirracista é um dos caminhos de combatermos o racismo e contribuirmos para que a história e a cultura afro-brasileira sejam parte dos currículos escolas em todos os níveis e modalidades de ensino, e, portanto, fazerem parte da vida das crianças, jovens e adultos negros(as) e não negros(as).
A implementação das Leis 10639/03 e 11645/08 é fundamental, estas leis versam, sobre a Lei 10639/03, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
A implementação das leis visa valorizar as culturas afro-brasileiras e indígenas, uma vez que vivemos uma cultura eurocêntrica dentro da escola que faz exacerbar o racismo e reafirmar pré-conceitos históricos.
O argumento da professora doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (pg.121, 2011) coaduna com nossa avaliação de que a luta contra o racismo deve ser feita por toda a sociedade, e ela coloca que: a dimensão de nossa responsabilidade de mulheres e homens negros e dos não negros, particularmente de professores(as) e pesquisadores(as), para com o combate ao racismo, sem dúvida alguma, é demarcada pelos sofrimentos impingidos aos negros – crianças, adolescentes, jovens e adultos – em todos os âmbitos da sociedade, inclusive nos estabelecimentos de ensino.
Referências:
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
__. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.
__. Capitalismo e crise: o que o racismo tem a ver com isso? Boitempo, 2020.Disponívelem:
https://blogdaboitempo.com.br/2020/06/23/capitalismo-e-crise-o-que-o-racismo-tem-a-ver-com-isso/. Acesso em: 17 de fev. de 2021.
COLLINS, Patrícia Hill. Pensamento Feminista Negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.
DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
HOOKS, Bell. Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra. Trad. Cátia Bocaiuva Maringolo. São Paulo: Elefante, 2019.
(*)Silvana Conti é Mestra em Políticas Sociais, lésbica, feminista, vice-presidenta da CTB/RS, dirigente da UBM e da UNALGBT