Por: Mário Teixeira
É inaceitável o argumento de que, a prevalecer o critério da exclusividade, no caso concreto, em que não sejam encontrados trabalhadores registrados no OGMO para contratação a vínculo, simplesmente estar-se-ia inviabilizando o negócio do operador portuário, ao este não poder se valer de trabalhadores não registrados, para a continuidade de suas atividades.
Alega-se, assim, que, desse modo, tem-se como perfeitamente aplicável a chamada teoria da derrotabilidade (defeasibility), segundo a qual o magistrado poderá, excepcionalmente, superar o texto formal da lei para resolver um caso concreto, autorizando a contratação de trabalhador não registrado no órgão gestor de mão de obra, pelo critério de prioridade.
Com todas as vênias, está sendo utilizada a teoria da derrotabilidade de forma divergente contextualmente e injusta aos trabalhadores portuários avulsos do órgão de gestão de mão de obra (OGMO). Ou seja: para tratar de um caso concreto ou combater apenas a chamada exclusividade sob a alegação de que esta pode ensejar a recusa ou escassez de trabalhadores avulsos a serem contratados a vínculo empregatício.
As interpretações gramatical, histórica, sistemática e teleológica da norma legal e da sua consequente norma jurídica, conforme exposto acima, não demonstram a existência de premissas capazes de excepcionar a aplicação da exclusividade (prevista no § 2º, art. 40 combinados com demais dispositivos da Lei nº 12.815/2013). Consequentemente, inexiste circunstâncias extraordinárias que permitam a admissão de aplicabilidade da teoria da derrotabillidade1. Contrário sensu, tal teoria até poderia ser muito bem aplicada na hipótese em que se estivesse, no lugar da “exclusividade”, aplicando-se a “prioridade” a que se refere a Convenção OIT 137, em face da farta normatização legal e jurídica e dos fatos que exigem o instituto da exclusividade previsto na referida lei portuária e consagrado pela jurisprudência em recente julgado do TST (processo SDC 1000360- 97.2017.5.00.0000)2, conforme demonstrado abaixo.
Mas, de outra parte, percebe-se – data máxima vênia – que aparentemente há muito pouco interesse quanto à exigência do cumprimento da Lei 12.815/13 por parte dos operadores portuários (OP). Ora, eles OP foram criados para administrar o fornecimento de trabalhador portuário (com vínculo) e de trabalhador portuário avulso, por seu departamento de recursos humano: o OGMO (também criado pela mesma lei). Este RH dos OP deve manter numericamente atualizado o quadro de trabalhadores, treinando estes e os fornecendo aos seus criadores (operadores portuários) tanto nas condições de avulsos ou a vínculo empregatício – conforme melhor detalhado adiante.
Nada justifica – a luz da lei portuária – a criatura (OGMO) não dispor de trabalhadores, em seus quadros, para oferecer aos seus criadores pelo sistema de exclusividade – reitere-se tanto na modalidade avulsa como a vínculo. E, assim, inegavelmente, inexiste a alegada hipótese de ser inviabilizada a atividade econômica do seu criador, o operador portuário, por falta de trabalhado do quadro de sua criatura (o OGMO).
Outro fato que não tem sido avaliado é o verdadeiro motivo da recusa de muitos trabalhadores em aceitarem o vínculo empregatício. Ora, essa circunstância também é “fabricada”, esperada ou provocada pelo próprio OP que, exatamente ao oferecer ao trabalhador do OGMO um salário por este inaceitável, tem como objetivo usar essa recusa como estratégia ou escusa para, valendo-se do instituto da “prioridade”, contratar trabalhador de fora do seu próprio RH.
E mais: a dita prioridade, prevista na Convenção 137, está derrogada no ordenamento jurídico pátrio, em razão da exclusividade taxativamente prevista no § 2º da Lei 12.815/13 (lei posterior). No porto organizado, indubitavelmente, aplica se a exclusividade não havendo, desse modo, condição ou espaço jurídico de se aplicar a “prioridade”, mesmo insistindo-se na chamada teoria da derrotabilidade. A equivocada aplicação da prioridade – apenas para estimular o debate – estaria ainda lesando o princípio universal da norma mais favorável (Rodriguez, Plá, Princípios de direito do trabalho, 1966).
Logo: é inaceitável se alegar que a “exclusividade” (que é a regra mais favorável) estaria derrotada pela “prioridade” cuja vigência no nosso ordenamento jurídico, para aplicação no porto organizado, é questionável.
Há, entretanto, que se ressaltar que, como a Lei 12.815 aplica-se no porto organizado, a prioridade prevista na convenção 137 deve ser observada – isto sim – apenas, e onde for possível, em operações portuárias realizadas fora dessa poligonal.
Enfim, no Direto do Trabalho – especialmente do trabalho portuário – a teoria da defeasibility (derrotabilidade), salvo melhor juízo, é inaplicável.
II – A LÓGICA DA EXCLUSIVIDADE Para viabilizar o cumprimento da Convenção OIT 137, aprovada, promulgada e ratificada no Brasil na década de 90, bem como para modernizar as relações de trabalho, a vigente Lei 12.815, de 2013 (que substituiu a Lei nº 8.630/93), está reiterando que os operadores portuários devem constituir e custear seu Departamento de Recursos Humanos – o OGMO, para:
1 – (art.32, I) – Administrar o fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário (neste caso a vínculo) e do trabalhador portuário avulso (rodiziário).
2 – (art. 32, III) – Treinar e habilitar profissionalmente o trabalhador portuário (para disponibilizá-los aos operadores portuários que são os criadores do OGMO).
3 – (art.32, V) – Estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para acesso ao registro do trabalhador portuário avulso (isto para sempre dispor quantitativo de mão de obra suficiente a ser fornecida a seus criadores tanto na modalidade avulsa como a vínculo).
4 – (art.33) – promover: I) a formação profissional do trabalhador portuário (este o vinculado) e do trabalhador portuário avulso, adequando-a aos modernos processos de movimentação de carga e de operação de aparelhos e equipamentos portuários (previsão da OIT 137); e II) treinamento multifuncional do trabalhador portuário (este o vinculado) e do trabalhador portuário avulso.
5 – Reitera ainda essa lei (no seu Art. 35) que OGMO pode ceder portuário avulso, em caráter permanente, ao operador portuário, como mais uma espécie do gênero de gestão de mão de obra.
6 – Diz no seu Art. 36 que a gestão da mão de obra do trabalho portuário avulso deve observar as normas do contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho. E, ainda que, se o disposto neste artigo não for observado, o infrator será punido na forma do artigo 51 da mesma lei (12.815/2013).
7 – Também ela enfatiza no seu Art. 40, § 2º, que a contratação de trabalhadores portuários de capatazia, bloco, estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações com vínculo empregatício por prazo indeterminado será feita exclusivamente dentre trabalhadores portuários avulsos registrados.
8 – Essa mesma lei estabelece ainda que o OGMO: a) (Art. 41, I) organizará e manterá cadastro de trabalhadores portuários habilitados ao desempenho das atividades referidas no § 1º, do seu Art. 40; e que b) (Art. 41, II) – organizará e manterá o registro dos trabalhadores portuários avulsos. Repita-se que o objetivo deste dispositivo é possibilitar que o OGMO
9 – No seu Art. 33, IV, é enfatizado, também, que cabe ao OGMO arrecadar (dos seus criadores) as contribuições destinadas ao seu custeio. Pelos arrazoados acima, ficam demonstradas, de forma inquestionável, as exigências legais e inafastáveis da EXCLUSIVADE para contratação, pelo operador portuário, de trabalhador a vínculo empregatício somente na sua criatura: no OGMO – que aliás (repita-se) é seu braço operacional criado especialmente para tal finalidade.
Ora, diante de tudo isso, seria ilógico e sem qualquer razoabilidade os operadores portuários contratarem trabalhador (sem exclusividade) de fora da sua criatura (do OGMO) que eles obrigatória e legalmente a mantêm e a custeiam exatamente para sempre dispor de TPAs habilitados, treinados e em número suficiente para fornecer-lhes quando solicitados tanto a vínculo ou nas condições de avulsos. Trata-se de um viés modernizante criado pela lei portuária.
Vale, ainda, frisar que também é inaplicável a chamada “prioridade” prevista interpretação é, data máxima vénia, equivocada por estar, desse modo – repita-se – se afastando dos princípios universais de proteção do trabalhador ao se valer de dispositivo regressivo socialmente, previsto nessa Convenção. Não é demais lembrar que ela (OIT 137), como foi ratificada, neste caso está em detrimento da regra mais benéfica: que é o princípio da exclusividade (inteligentemente previsto na Lei 12.815/2013 aprovada posteriormente).
Destaque-se, também, que os tratados internacionais não podem transgredir formal ou materialmente o texto da Carta Política (entendimento do STF). Assim, no caso da Convenção 137, ela não pode contrariar o princípio da progressividade dos direitos sociais previsto no Art. 7º (caput) da Constituição Federal. Além disso, a própria Constituição da Organização Internacional do Trabalho, aprovada em Montreal em 1946 e ratificada pelo Brasil, preserva o referido princípio (da progressividade). Eis o que estabelece item 8 do seu Artigo 19: Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado-Membro, de uma convenção, deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação.
EXCLUSIVIDADE: É AINDA UM PACTO SOCIAL (INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA) No processo legislativo, que foi concluído com a sanção da Lei nº 8.630/1993, houve um Pacto Social (ou uma cláusula sinalagmática implícita) relacionado com a assunção da administração de mão de obra pelos operadores portuários (a ser feita por seu departamento de recursos humanos: o OGMO que foi criado especialmente para tal fim). E os sindicatos laborais portuários, por sua vez (por essa cláusula sinalagmática implícita), deixariam – como deixaram – de fazer a escalação das equipes de trabalhadores avulsos. Entretanto as entidades laborais receberam, em contrapartida, a garantida de que os trabalhadores portuários avulsos seriam utilizados, pelos operadores portuários, com EXCLUSIVIDADE – via OGMO – tanto nas condições de avulsos como na modalidade de vínculo empregatício. Esse entendimento foi mantido – e até aprimorado – na vigente Lei nº 12.815, de 2013. Daí, qualquer alteração no sentido de ser retirada a exclusividade dos trabalhadores inscritos no OGMO corresponde à rescisão, a quebra, da referida cláusula desse Pacto Social.
Em razão do exposto, entende-se que não há o que legislar para tentar mitigar conflitos entre a prioridade prevista na Convenção OIT 137 e a exclusividade prevista na Lei 12.815/13.
Contudo, basta que, alternativamente, se exercite autocomposição, o entendimento negocial efetivo e confiável entre as partes (Art. 36 da lei portuária), para evitar a prática empresarial abusiva de se oferecer salário vil e inferior à média do ganho da respectiva categoria no porto (como avulsos), lesando os princípios constitucionais da isonomia entre trabalhadores a vínculo e avulso (Art. 7º, XXXIV)3 , de irredutibilidade de salário entre TPAs e vinculados (Art. 7º, VI)4 e de piso salarial coerente com a atividade portuária (Art. 7º, V)5 . Isto (ou seja: salário prévio acordado) irá efetivamente demover a eventual recusa, por parte do trabalhador, em aceitar o vínculo empregatício. Para tanto propõe-se que seja:
1. Realizada a negociação previa das relações de trabalho – Remuneração, condições de trabalho e pacote social dos trabalhadores; e 2. Criado (no instrumento coletivo de trabalho) cláusula que estabeleça proteção, de acordo com a Convenção 137 combinado com parágrafo único do Art. 43, da Lei 12.815/13, aos trabalhadores que permanecerem como avulso no sistema OGMO, pelo desemprego involuntário.
CONCLUSÃO Diante de todo exposto, no Direto do Trabalho – especialmente do trabalho portuário – a teoria da defeasibility (derrotabilidade), salvo melhor juízo, é inaplicável. Quanto à exclusividade, trata-se de uma lógica inquestionável diante da inteligência do legislador ao criar o órgão de gestão de mão de obra (OGMO). Ela está na essência e no fundamento de sua existência. O fim ou a flexibilização da exclusividade seria o enfraquecimento e até a extinção ou a falência do próprio OGMO, além de ferir o princípio da razoabilidade. (*) MÁRIO TEIXEIRA é advogado (inscrito na OAB-DF sob nº 27.210 e na OAB-PR sob nº 88.725). Também é de Presidente da Federação Nacional dos Conferentes, Arrumadores (em capatazia), Consertadores, Vigias Portuários, Trabalhadores de Bloco e Amarradores, nas Atividades Portuárias (FENCCOVIB); Secretário de Assuntos Jurídicos da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); e Diretor de Assuntos Internacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários, na Pesca e nos Portos (CONTTMAF).
REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso: em 29 de mar 2023. 2. _______. Lei no 12.815, de 27 de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários – D.O.U, Poder Executivo, Brasília, DF, 05 jun. 2013. Seção 1. 3. _______. Decreto Legislativo n. 29, de 22 de dezembro de 1993. Aprova os textos da Convenção n° 137 e da Recomendação n° 145, da Organização Internacional do Trabalho, relativas às Repercussões Sociais dos Novos Métodos de Processamento de Carga nos Portos, adotadas em Genebra, em 25 de junho de 1973, durante a 58ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 28 de mar. 2023. 4. _______. Decreto n. 1.574, de 31 de julho de 1995. Promulga a convenção nº 137. da Organização Internacional do Trabalho, sobre as Repercussões Sociais dos Novos Métodos de Manipulação de Cargos nos Portos, assinada em Genebra, em 27 de junho de 1973. Disponível em: . Acesso em: 10 de mai. 2010. 5. _______. Decreto nº 25.696, de 20 de outubro de 1948, que promulga a Constituição da Organização Internacional do Trabalho foi aprovado na 29ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Montreal -1946). 6. Constituição da Organização Internacional do Trabalho, aprovado na 29ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Montreal em1946) vigente desde 20 de abril de 1948. Disponível em https://www.dgert.gov.pt/constituicao-da-organizacaointernacional-do-trabalho. Último acesso em 29 de mar de 2023. 7. HART, Herbert Lionel Adolphus. The ascription of responsability and rights. Proceedings of the Aristotelian Society, n. 49, p. 171-194, 1948-1949. 8. Plá Rodriguez, Américo. “Princípios de Direito do Trabalho”, São Paulo: LTr, 4a Tiragem, 1996.JURISDIÇÃO Tribunal Superior do Trabalho. DC (originário) no 1000360-97.2017.5.00.0000. Suscitante: Federação Nacional dos Operadores Portuários (FENOP); suscitadas: Federação Nacional dos Estivadores, Federação Nacional dos Portuários (FNP) e Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga, Vigias Portuários, Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de Navios – Nas Atividades Portuárias (FENCCOVIB). Relatora. Ministra Katia Magalhães Arruda. Acórdão publicado em 28 out 2021 – 7 7 Disponível em: . Acesso em 28 abr 2023. 9. Supremo Tribunal Federal. ADIN n° 1.480/DF, Relator: Ministro Celso Mello, Diário da Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, em 15 set 1997.Disponível em . Acesso em: 29 abr 2023.