Declarações e posições externadas pelo presidente Lula em Pequim sobre variados temas despertaram a ira imperialista de Washington, ecoada por muitos comentaristas da mídia hegemônica no Brasil. Eles gostam de lembrar que os EUA negaram apoio ao golpe frustrado de Jair Bolsonaro para sugerir que Lula está sendo ingrato. Mas parecem ter se esquecida do papel do imperialismo nas conspirações que precederam o golpe militar de 1964 e o golpe de Estado travestido de impeachment contra Dilma Rousseff.
No domingo, 17 de abril, completaram-se sete anos da votação em que a Câmara Federal, então presidida por Eduardo Cunha, aprovou a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, que resultou em seu afastamento e na posse de Michel Temer. Não foi um processo normal e legítimo, pois ficou comprovado que Dilma não cometeu nenhum crime. Conforme denunciaram inúmeros juristas, foi um golpe de Estado estilo século 21, parecido com o que depôs Fernando Lugo no Paraguai, em 2012.
Dia fatídico na história brasileira, 17 de abril foi também a data do massacre de Eldorado do Carajás, em 1996, quando 19 trabalhadores rurais sem terra que lutavam pela reforma agrária foram assassinados pela Polícia Militar do Pará. 69 pessoas ficaram gravemente feridas. Os responsáveis não foram punidos.
Lava Jato
Não é muito difícil identificar a presença dos Estados Unidos por trás da trama golpista. A Casa Branca se apressou a declarar apoio ao golpista Temer com o propósito de legitimá-lo. Fundamental na engrenagem golpista foi o papel desempenhado pela chamada República de Curitiba com a operação Lava Jato.
A operação foi instruída pela inteligência dos EUA, que antes cuidou de espionar a presidenta, ministros e assessores do seu governo, bem como a Petrobras e Odebrecht, conforme revelou o site Wikeleaks em 2013, cujo criador, Julian Assange, há anos preso em Londres, sofre uma cruel perseguição dos poderosos de Washington, que se julgam senhores do mundo.
Os EUA foram os principais beneficiários do golpe, que realinhou a política externa do Brasil em conformidade com a estratégia do imperialismo estadunidense, bem como da destruição das grandes construtoras brasileiras pela Lava Jato, abertura do pré-sal e enfraquecimento da Petrobras, que no âmbito da Lava Jato foi forçada a pagar indenizações bilionárias a acionistas norte-americanos.
As relações perigosas entre o juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato com os Estados Unidos compreende várias viagens a Washington, participação em cursos e a realização de acordos espúrios, à margem das leis brasileiras, inclusive uma que previa o desvio de R$ 2,5 bilhões para as mãos do hoje deputado federal pelo Deltan Dallagnol (Podemos-PR), transação que só não foi consumada graças ao ministro do STF, Alexandro Morais, que impediu o crime e resgatou o dinheiro para o erário público.
“Eu investiria tudo nisso”
O apoio dos EUA a golpes do Estado no Brasil não se verificou apenas em 2016. Os imperialistas também estiveram por trás de toda a conspiração que desaguou no golpe militar ocorrido no dia 1º de abril de 1964. Há farta documentação comprovando a ativa participação de Washington no golpe, através do então embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, e do próprio Lyndon Johnson, presidente dos EUA na época.
Gravações que mais tarde foram divulgadas pela CIA revelam que o presidente Johnson fez uma sugestão para o sucesso do golpe, dizendo: “eu colocaria nisso todo mundo que tem alguma imaginação e engenhosidade”, citando os nomes do diretor da CIA, John McCone, e do secretário de Defesa, Robert McNamara. Johnson. Afirma também que não pode tolerar o governo de João Goulart, e arremata: “eu investiria tudo nisso [no golpe] e até me arriscaria um pouco [por isso]“.
Os documentos da CIA mostram que Lincoln Gordon articulou todo um apoio logístico para a hipótese de que os golpistas enfrentassem alguma resistência armada por parte do governo Goulart, o que acabou não ocorrendo. Gordon recomenda a Washington para “tomar medidas o mais brevemente possível para a entrega clandestina de armas, que não sejam de origem dos EUA, para forças partidárias de Castello Branco em São Paulo”.
As armas deveriam ser entregues “antes do início de qualquer violência”. O ex-embaixador recomenda ainda que os Estados Unidos realizem “uma demonstração de força com grande rapidez” para “minimizar as possibilidades de uma prolongada guerra civil”. Gordon sugeriu o envio de uma força naval e de um porta-aviões que, segundo ele, teria um “efeito psicológico” maior.
A ideia de que os EUA estão preocupados com a democracia é falsa, não tem correspondência com os fatos históricos. Os imperialistas fomentaram e fomentam golpes não só na América Latina como em muitos outros países, caso do Irã em 1953 ou, mais recentemente, da Ucrânia em 2014. Além disto são também especialistas na arte de tortura, que ensinaram aos militares golpistas de 1964 no Brasil e usaram farta e barbaramente contra prisioneiros políticos no Iraque e na Base Naval da Baía de Guantánamo, que usurparam de Cuba.
Os pontos de vista dominantes na mídia burguesa brasileira sobre os temas abordados por Lula (dólar, guerra na Ucrânia, Huawei, relacionamento com a China, entre outros) são os mesmos ditados pela propaganda imperialista, numa expressão da subordinação ideológica desses meios de comunicação ao imperialismo. Daí a visão unilateral, que enaltece o rechaço do 8 de janeiro mas omite a ação imperialista nos golpes de 1964 e 2016, de forma a apresentar Tio Sam como o paladino da democracia.
É fato que o governo Biden negou apoio ao golpe pretendido por Jair Bolsonaro e repudiou prontamente os atentados terroristas do dia 8 de janeiro em Brasília. Mas não custa lembrar que o presidente americano tinha fortes razões políticas para se comportar desta forma, uma vez que o êxito da aventura bolsonarista beneficiaria não ele, mas seu principal rival, o ex-presidente Donald Trump. Seja como for, a posição da Casa Branca em relação ao 8 de janeiro não redime o império dos crimes e atentados que cometeu no passado contra a democracia brasileira.