Por Altamiro Borges
Antes tarde do que nunca. Finalmente, a Polícia Federal vai investigar a ação de grupos neonazistas no Brasil. A decisão foi tomada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, na quinta-feira (6). Ele determinou a abertura de um inquérito com base na existência de “indícios da atuação interestadual” destas células terroristas. O bárbaro assassinato de quatro crianças em uma creche em Blumenau e uma investigação da Polícia Civil de Santa Catarina motivaram a decisão do governo federal.
“O acervo de causas que leva à ampliação de tragédias está bem visível: proliferação de ódio na sociedade, inclusive por uma internet desregulada e com empresas irresponsáveis; incentivos ao armamentismo e à ideologia da morte; agrupamentos nazistas e neonazistas”, explicou o ministro em suas redes sociais. Para ele, “há possível configuração dos crimes previstos na lei 7.716/1989”, que abrange delitos resultantes de discriminação por etnia, religião ou procedência nacional e prevê pena de dois a cinco anos de prisão, além de pagamento de multa e da prestação de serviços à sociedade.
Violência racista e vínculos internacionais
A lei também fixa a prisão para quem fabricar, vender, distribuir ou veicular símbolos que contenham a suástica para fins de divulgação do nazismo. Além da tragédia em Blumenau, em 29 de março a polícia catarinense desmantelou uma célula nazista no Estado. Ela apurou ainda que esse grupo cometeu crimes, como agressão e homicídio, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e no Paraná, e mantinha contatos com uma organização internacional de supremacistas brancos, cujo nome não foi divulgado. Dois neonazistas foram presos na ocasião – Fábio Lentino e Rodrigo de Jesus Tavares.
Antes disso, em novembro de 2022, a Polícia Civil já havia prendido oito pessoas que participavam de um encontro numa chácara em São Pedro de Alcântara, a cerca de 30 km de Florianópolis. Segundo reportagem do Fantástico, da TV Globo, os criminosos tinham munições para armas de fogo, facas e canivetes, além de vários objetos com símbolos nazistas. Em seus celulares, a polícia encontrou imagens de apologia a Adolf Hitler e seus crimes. Entre os presos estava o português Miguel Ângelo Pacheco, apontado como um dos líderes do grupo internacional. Em seu celular, foram obtidas mensagens racistas.
Operação Azov no Rio Grande do Sul
Já uma matéria do jornal Hora do Povo registrou que esse “grupo criou um esquema para trazer armas da Argentina para usar em seus ataques racistas. A suspeita é de que tenham sido utilizadas num assassinato ocorrido em Curitiba, em 2009. Considerado líder da organização nazista em Santa Catarina, João Guilherme Correa trocava mensagens com supremacistas de todo o mundo. Ele chegou a informar aos demais criminosos sobre a adesão do grupo de Santa Catarina à organização internacional. ‘Irmandade, subimos um degrau na nossa jornada. O trabalho continua, a responsabilidade é ainda maior’”.
Ainda segundo a matéria, “existem diversas organizações nazistas internacionais. Uma das mais famosas, a Misanthropic Division, criada na Ucrânia, em 2014, tem células em diversos países europeus. Em 2016, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul deflagrou a Operação Azov, que agiu contra um grupo nazista que fazia recrutamento, em nome da Misanthropic, para que brasileiros fossem participar do golpe de estado na Ucrânia. Os brasileiros tinham contato direto com o Batalhão Azov, grupo paramilitar ucraniano de extrema-direita que até hoje usa símbolos nazistas, teve atuação direta no massacre da população russófona do Donbass, foi incorporado às Forças Armadas e recebe financiamento oficial do estado ucraniano”.
Bolsonaro e o partido nazista da Alemanha
Já uma reportagem da edição brasileira da emissora britânica BBC-News, de 17 de fevereiro passado, destacou que “há um renascimento de grupos neonazista no Brasil”. Com base na entrevista com o advogado argentino Ariel Gelblung, diretor para a América Latina do Centro Simon Wiesenthal, a matéria demonstrou a relação do crescimento dessas células com a ascensão de Jair Bolsonaro. “As visões e alianças feitas pelo ex-presidente durante seu mandato deram espaço para o crescimento de uma extrema direita perigosa”, afirma.
“Bolsonaro recebeu e se aproximou de uma representante da AfD da Alemanha”, diz o advogado em referência à recepção à deputada alemã Beatrix von Storch, vice-líder do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD)’. Ela é neta de Johann Ludwig Schwerin von Krosigk, que serviu como ministro das Finanças da ditadura de Adolf Hitler por mais de 12 anos. “Muitos membros da legenda também são acusados regularmente de nutrir simpatias pelo nazismo e de minimizar os crimes cometidos pelo Terceiro Reich”, descreveu a matéria da BBC-News.
Charge: Ricardo Welbert