Investir na agricultura familiar é essencial para uma alimentação saudável

Por Marcos Aurélio Ruy

O grupo de transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (que assume no dia 1º de janeiro de 2023) sobre a produção de alimentos no país, “preocupa-se substancialmente com o combate à fome, que assola 33 milhões de pessoas”, mas também, “como fazer chegar alimentos saudáveis à mesa das brasileiras e brasileiros”, afirma Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Agrícolas e Agrárias da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a produção brasileira de 2021 poderia alimentar 1/5 da população mundial (1,6 bilhão de pessoas). Então, “por que tanta gente não tem sequer uma refeição diária garantida no país?”, questiona Vânia, que também é secretária de Políticas Agrícolas da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag).

Mesmo o Brasil sendo o quinto maior produtor de alimentos do mundo, segundo a FAO e tenha uma produção para 2022/2023 estimada em 308 milhões de toneladas de grãos, com diz o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Também a produção de frutas gira em torno de 45 milhões de toneladas por ano e de hortaliças é superior a 30 milhões de toneladas, mais da metade da população vive em insegurança alimentar – não tem três refeições diárias garantidas.

“Saímos do Mapa da Fome da ONU, em 2014, mas a falta de alimentos voltou com força por causa do abandono das políticas e benefício da agricultura familiar, responsável por 70% da produção de alimentos no país pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro”, diz a sindicalista baiana. “Bolsonaro pôs fim também ao estoque regulador e favoreceu os grandes produtores, que visam a exportação, negligenciando o mercado interno”.

Vânia lembra também que cerca de 120 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar no Brasil. E isso significa que não têm três refeições asseguradas todos os dias. Além disso, “é muito preocupante o crescimento do consumo de produtos industrializados, principalmente os ultraprocessados”.

O combate à fome é prioridade do governo Lula. E a produção de alimentos saudáveis faz parte do cardápio de políticas em defesa de bons hábitos alimentares. “Todo mundo sabe que a boa saúde começa pela boca com uma alimentação com todos os nutrientes e proteínas necessários para a prevenção de doenças graves”, alerta Elgiane Lago, secretária de Saúde da CTB.

Produtos industrializados

Isso porque nos últimos anos cresceu muito o consumo de produtos industrializados, processados e ultraprocessados. Como mostra a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados (Abimapi), o lucro da indústria de biscoitos, massas alimentícias, pães e bolos industrializados cresceu 20% de 2019 para 2020, ultrapassando os R$ 50 bilhões.

Esse crescimento, de acordo com Vânia, se deve ao preço alto dos alimentos. “A carne está muito cara, as pessoas passam a comprar salsicha. O arroz e o feijão estão com preços exorbitantes, as pessoas passam a consumir macarrão instantâneo” e “esses produtos nem podem ser considerados alimentos”

Ela destaca ainda o preço alto dos produtos orgânicos e os maus hábitos alimentares que favorecem o consumo de suco de caixinha, refrigerantes, biscoito recheado e diversos outros produtos ultraprocessados, que podem causar doenças graves.

“O sedentarismo unido a uma alimentação com poucos nutrientes predispõe a doenças como diabetes, hipertensão, câncer e outras. Também causa obesidade, o que favorece doenças cardiovasculares”, afirma Elgiane.

Por isso, “uma alimentação saudável é questão de saúde pública”, realça. “As pessoas precisam de três refeições diárias ricas em proteínas e nutrientes e ao menos dois lanches no intervalo de uma refeição e outra”, sendo que “esses lanches devem ser preferencialmente de alimentos in natura”.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) divulgou o relatório Alimentos e bebidas ultraprocessados na América Latina: vendas, fontes, perfis de nutrientes e implicações. Por esse relatório a venda de alimentos e bebidas ultraprocessados cresceu 9,2% entre 2014 e 2019. Com comprovação de que o consumo desses produtos impulsionou a obesidade, com 360 milhões de pessoas acima do peso, quase 60% da população da região.

Agrotóxicos

Para Sandra Paula Bonetti, secretária de Meio Ambiente da CTB e da Contag, é necessário barrar o Projeto de Lei 1459/2022 – PL do Veneno – que libera de fiscalização mais rigorosa a utilização de agrotóxicos na produção agrícola. “Estamos no século 21 e já existem maneiras melhores de proteger a produção sem agredir o meio ambiente, quem trabalha no campo e quem consome os alimentos”.

Um estudo, de 2021, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) encontrou resíduos de agrotóxicos em alimentos ultraprocessados. “A situação é extremamente grave. Precisamos retomar e melhorar as políticas públicas em benefício da agricultura familiar”, destaca Vânia. Além de “incentivar a produção agroecológica”.

Renata Bertazzi Levy, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina 30 da USP e integrante do estudo NutriNet Brasil, informa sobre um estudo feito por eles que identificou um aumento no consumo “de frutas, verduras e hortaliças na população como um todo e um aumento de ultraprocessados na população das regiões Norte, Nordeste e no menor estrato de educação da nossa amostra. As menores faixas de renda ou de escolaridade têm um risco maior ou um aumento maior do consumo desses alimentos que fazem mal para a saúde”.

Sandra lembra que estudos do Idec já identificaram a presença de agrotóxicos em frutas, legumes e verduras in natura e isso pode “levar muita gente a não consumir esses produtos e preferir os ultraprocessados, por causa dos preços altos desses alimentos e pelo medo de consumir agrotóxicos”.

Principalmente porque somente de janeiro de 2019 a junho de 2022 foram liberados no Brasil 1.801 agrotóxicos, muitos deles proibidos em países do Primeiro Mundo. A maioria por poderem causar doenças graves. Por isso, ela defende a necessidade de o “Estado exercer o monitoramento do uso de agrotóxicos e incentivos aos pequenos e médios produtores para termos uma produção sustentável e que atenda as necessidades do mercado interno até antes da exportação”.

Acesso ao alimento saudável

Vânia acredita na necessidade de criação de políticas em favor da produção sustentável para “termos alimentos confiáveis em nossas casas”. Para isso, “o governo deve recuperar o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em favor da agricultura familiar”.

O aprimoramento de políticas de financiamento para a agricultura familiar com abrangência de “todos os processos de produção e assim termos condições de escoar e comercializar o que produzimos”, defende Vânia.

Também “a questão da terra deve ser tratada como prioridade no combate à fome”, portanto, “uma política de reforma agrária contemplando os interesses do país e de quem vive do trabalho no campo é fundamental para aumentar a produção sustentável no campo”. Porque “alimentação saudável significa melhoria de condições de vida das pessoas do campo e da cidade”, garante.