Episódio desta segunda-feira (17) em São Paulo tem semelhanças com o caso de Juiz de Fora, em 2018, que nunca foi investigado sob a perspectiva de autoatentado
O episódio de hoje em Paraisópolis, envolvendo a campanha de Tarcísio de Freitas, precisa ser cabalmente investigado, mas não só pela linha do atentado, pouco plausível, mas principalmente pela possibilidade de armação, com o objetivo de manipular a escolha do eleitor e, portanto, de fraude na campanha.
Tarcísio cumpria agenda de campanha na favela, a segunda maior de São Paulo, quando houve tiroteio. Ninguém de seu estafe ou da imprensa sofreu ferimento, um homem que estava em uma moto, supostamente criminoso, foi baleado, e Tarcísio postou na rede social a versão de que ele sofrera um atentado na condição de candidato.
Veículos bolsonaristas, como a Jovem Pan, imediatamente começaram uma cobertura sob esse viés. Mas a Polícia Militar, que atendeu à ocorrência, não confirmou. O tiroteio teria ocorrido, inclusive, longe do local onde estava Tarcísio.
Bolsonaristas como o vereador Paulo Chuchu, de São Bernardo do Campo, que estava bem longe do local dos fatos, também começaram a postar mensagens na linha do atentado.
Lembra o caso de Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018, quando, logo após o episódio envolvendo Jair Bolsonaro e Adélio Bispo de Oliveira, um jornalista de Santa Catarina postou nota com foto de Adélio em uma manifestação de Florianópolis ao lado de um cartaz “Renuncia Temer”.
E foi vazada a informação de que Adélio tinha sido filiado ao PSOL, e que, em 2014, havia registrado a entrada na portaria da Câmara dos Deputados. O jornalista de Santa Catarina não mencionou que a manifestação em Florianópolis tinha sido organizada por um apoiador de Bolsonaro, pouco depois deste defender a renúncia de Michel Temer, que aquela altura cogitava disputar a reeleição.
Também não se mencionou que, entre os pertences de Adélio Bispo de Oliveira, o único documento que o ligava à política partidária era uma carta protocolada na Justiça Eleitoral em que pedia a desfiliação do PSD e um cartão de visitas do deputado Marcos Montes, da bancada ruralista, com o número do telefone celular.
Marcos Montes era o líder do PSD em Uberaba e mais tarde integraria o governo Bolsonaro, como secretário executivo do Ministério da Agricultura. Também não se noticiou que Adélio Bispo de Oliveira divulgava bandeiras bolsonaristas no Facebook, como a redução da maioridade penal.
Sobre o registro de entrada na Câmara dos Deputados, é estranho que, minutos depois, já se soubesse de sua visita à casa – o que teria ocorrido no intervalo de manifestações de 2014 contra Dilma Rousseff, então presidente.
Entretanto, com a informação do registro de entrada, logo a rede social bolsonarista começou a associar Adélio Bispo de Oliveira ao deputado Jean Wyllys, do PSOL, embora não houvesse nenhum fiapo de informação de que ele visitara o parlamentar.
Era uma narrativa em construção, para associar o ato de Adélio Bispo de Oliveira à esquerda e, portanto, transformar Bolsonaro em vítima e impulsionar sua candidatura rumo ao Palácio do Planalto.
Como todos sabemos, deu certo. E Adélio permanece isolado em um presídio federal em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, sem apoio da Defensoria Pública da União e de nenhum advogado e sem que tivesse sido atendida à solicitação de que fosse visitado pela família.
Até hoje, só conversou com representantes do escritório de advocacia de Zanone Júnior, que ele pediu para ser afastado, com delegado da Polícia Federal, defensores públicos da União e com peritos de uma junta médica.
No caso em Paraisópolis, só Tarcísio de Freitas, seus seguidores e veículos bolsonaristas afirmam que foi atentado. O que torna o caso mais estranho é que, em evento recente, o general Heleno de Freitas, do Gabinete de Segurança Institucional, disse que Tarcísio poderia ser vítima de um ataque por razões políticas.
“Inclusive com a recomendação de que, toda vez que fosse sair de casa, fizesse um vasculhamento no entorno da casa dele, e jamais saísse de casa com hora marcada. Então, o não comparecimento ao debate, que muita gente está associando a um medo de ele sair e debater com o Haddad, não se trata disso, ele está realmente ameaçado. E não é um mero tiro de sniper, é um atentado terrorista, onde tem uma organização criminosa que não vou citar o nome por motivos óbvios envolvida, comprovado por mensagens, por escutas telefônicas. Então, isto é absolutamente verídico”, afirmou.
Outra coincidência: Em 2018, duas semanas antes do episódio em Juiz de Fora, o estrategista da extrema direita Steve Bannon disse a Eduardo Bolsonaro, em Nova York, que seu pai seria alvo de um atentado.
O episódio em Juiz de Fora foi determinante para que Jair Bolsonaro vencesse as eleições, pois não compareceu a nenhum outro debate — havia participado de um, na Band, em que se saiu muito mal.
Tarcísio também está fugindo dos debates com Haddad, e, no caso dele, a questão da segurança é o motivo alegado para não atender ao convite dos veículos de comunicação. Com o evento em Paraisópolis, o argumento ganha reforço.
Portanto, como em toda investigação, a primeira pergunta que a Polícia deve se fazer é: quem se beneficia com o crime. Em Juiz de Fora, foi Bolsonaro. Em Paraisópolis, é Tarcísio.
PS: A versão do atentado em Paraisópolis é pouco plausível em razão do interesse do crime organizado. O PCC, efetivamente, controla o bairro, e hoje tem muitos outros negócios, além do tráfico. A organização não tem nenhum interesse de atrair a atenção sobre si e sobre a região. Portanto, não faz sentido que tenha atentado contra um candidato em plena campanha eleitoral, na região em que tem muitos imóveis e alta de renda em aluguel comercial. Pouco se fala sobre o fato de que, em determinadas ruas, o metro quadrado de Paraisópolis tem o mesmo valor de um imóvel na rua Oscar Freire, de alto luxo em São Paulo. A razão é o movimento, já que Paraisópolis tem população aproximada de 100 mil habitantes, em área relativamente pequena, e demanda por produtos e serviços.
Veja o vídeo em que o general Heleno fala da possibilidade de atentado contra Tarcísio: