Golpe se consolida quando o aposentado usa o dinheiro e não reclama
Por Rômulo Saraiva*
Depois do empréstimo fantasma, quando o estelionatário cria uma dívida em nome do aposentado mas fica com o dinheiro, uma outra modalidade de fraude que vem crescendo no país ocorre de maneira contrária. No modelo, o aposentado é surpreendido com um depósito inesperado na conta.
A ideia do golpe é forçar que o aposentado, mesmo não tendo solicitado nada, caia na tentação de sacar o valor e assuma o respectivo parcelamento. É neste desconto que os mentores do ilícito, pessoas ligadas à engrenagem de instituições financeiras, ganham comissões de até 30% por cada mútuo. O golpe se consolida quando o aposentado usa o dinheiro e não reclama.
A fraude tem obtido sucesso aqui no Brasil, justamente por ter encontrado um ambiente fértil para sua execução. A mistura de fatores como a falta de educação financeira dos aposentados, o achatamento salarial, o frequente vazamento de dados por parte do INSS, o aumento do mercado de correspondentes bancários e certa permissividade do Banco Central em controlar as atividades dos agentes financeiros permitem que esse golpe se consolide nos últimos quatro anos.
O mercado de empréstimo para aposentados é dominado no Brasil por cerca de 17 instituições financeiras homologadas pelo Ministério da Cidadania aptas à concessão do consignado. E estes bancos costumam terceirizar seus serviços para os correspondentes bancários. É aí que vem o problema. Há um certo descontrole dos bancos em controlar as transações de empresas que prestam serviços em nome das instituições financeiras.
De acordo com a Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária, a participação dos correspondentes bancários no mercado cresceu 11,9% nos últimos três anos, atingindo 210,6 mil nesse período. Mesmo com o crescimento, o Banco Central é claro quando determina que o correspondente atue por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio do contratado.
Considerando que o banco tem responsabilidade em controlar as atividades do correspondente bancário, o Judiciário tem condenado os bancos por esse tipo de fraude. Em Pernambuco, um aposentado ganhou o direito de desfazer receber indenização de dano moral por R$ 5 mil e devolução em dobro das parcelas descontadas indevidamente.
Como se buscava desfazer a transação, a 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco, no processo 0521594-65.2020.4.05.8300, também determinou a devolução do dinheiro depositado sem autorização. O Superior Tribunal de Justiça tem várias decisões apontando a ilicitude de parcelas de empréstimo não contratado (REsp 312642/SP), inclusive fixando danos morais de R$ 15 mil.
Qualquer negócio jurídico precisa do consentimento de ambas as partes. Infelizmente alguns correspondentes bancários estão se valendo do interesse de muitos aposentados em fazer empréstimo para realizar a transação ilícita, que pode se perpetuar caso o aposentado não reclame sobre dinheiro lançado na sua conta.
*Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP
Arte: Eduardo Knapp