Trabalho alienado e imposição de jornadas exaustivas, ampliadas na pandemia e pelo home hoffice, estão provocando uma reação sui generis da classe trabalhadora nos EUA, que reflete uma nova forma de luta pela regulação e redução da jornada de trabalho. Os trabalhadores e trabalhadoras defendem as 40 horas de trabalho semanais, ignoram e-mails e ligações fora do expediente e dizem “não” com mais frequência: alguns americanos estão adotando o conceito de “demissão silenciosa” para combater a impositiva e exaustiva conexão permanente.
Maggie Perkins, que vive em Athens, no estado da Geórgia, trabalhava 60 horas semanais como professora. Quando seu primeiro filho nasceu, aos 30 anos, a situação ficou insustentável.
“Tenho fotos corrigindo provas no avião, em viagem de férias. Não tinha equilíbrio entre vida profissional e pessoal”, afirmou em um vídeo no TikTok, no qual conta porque aderiu à “demissão silenciosa”.
Perkins contou à AFP que deixou o emprego para cursar um doutorado, mas continua produzindo vídeos sobre gestão da jornada laboral.
“Aderir ao movimento de ‘demissão silenciosa’ significa colocar um limite para que seja feito o trabalho para o qual somo pagos e depois encerramos, voltamos para casa e vivemos felizes com nossa família”, disse.
A origem
A expressão “quiet quitting” (demissão silenciosa, em inglês), viralizou após surgir no TikTok em julho. “Não renunciamos ao trabalho por completo, mas à ideia de dar sempre um pouco mais. Cumprimos nossas obrigações, mas não aderimos à cultura de que o trabalho deve ser nossa vida”, explicou o usuário da plataforma @zaidleppelin.
Sua mensagem teve quase 500 mil ‘likes’. Nos comentários, aflorava um sentimento compartilhado de ressentimento e o debate começou.
Os apoiadores da “demissão silenciosa” defendem o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal? Seriam “preguiçosos” escondidos sob um modismo? Ou pessoas à beira do esgotamento, que deveriam se demitir de uma vez?
Estresse em alta
Os dados sugerem que a necessidade de maior equilíbrio é real. O estresse no trabalho aumentou de 38% registrados nas pesquisas de 2019 para 43% no ano seguinte, quando a pandemia mudou o modo de trabalho em todo o mundo, segundo análises da Gallup.
Também foi observado um aumento no número de trabalhadores que pediram demissão ou trocaram de emprego. Observadores indicam que sempre houve funcionários que se recusam a trabalhar um minuto a mais e se esquivam de tarefas que não são de sua responsabilidade. A maioria, na verdade, é constrangida a alongar a jornada.
A demissão silenciosa é apontada por muitos estudiosos e observadores como uma forma de resistência e de defesa da saúde e da vida do ser humano que trabalha.
Apesar das relações entre duração da jornada de trabalho e saúde física e psicológica dos trabalhadores e trabalhadoras, não faltam aqueles que condenam a demissão silenciosa.
É o caso de Arianna Huffington, fundadora do site conservador Huffington Post, que critica o fenômeno e considera que o trabalho” é parte de uma vida plena” e que evitar o esgotamento não deve excluir “a possibilidade de sentir prazer” no que se faz para ganhar a vida.
É um pensamento que reflete os interesses e a (falta de) sensibilidade do capital e dos capitalistas com o trabalhador. A ideologia patronal, ou burguesa, ignora que, em geral, o trabalho alienado do capitalismo carece de sentido para o trabalhador, que já não é dono do produto que cria, conforme já denunciava Karl Marx há mais de um século.
Não há prazer em ser explorado e não faz sentido que o avanço da produtividade do trabalho, que por definição significa a redução do tempo de trabalho necessário para a produção dos bens que consumimos, seja acompanhada do alongamento das jornadas e redução da renda dos trabalhadores e trabalhadoras, embora esta anomalia esteja prevalecendo hoje em mais um sinal da senilidade do modo de produção capitalista.
Philip Oreopoulos, economista da Universidade de Toronto, disse que, nos Estados Unidos, os trabalhadores insatisfeitos contam com uma vantagem: uma taxa de desemprego historicamente baixa de 3,5%. É fato, Quando a taxa de desemprego é alta o trabalhador só pode recorrer a esta alternativa sob o risco de perder o emprego e, com ele, a fonte de renda e sobrevivência.
Com informações da AFP. Foto: hypeness