Há muito se sabe que a redução da jornada tem efeitos positivos para a economia, entre os quais a ampliação do nível de emprego e a elevação tanto da produtividade quanto da intensidade do trabalho, conforme observou já na segunda metade do século 19 o pensador alemão Karl Marx. Mas em geral os capitalistas são francamente hostis à demanda da classe trabalhadora pela redução do tempo de trabalho, embora o avanço das novas tecnologias já resulte objetivamente na redução do tempo de trabalho necessário para a produção de mercadorias. Em vez de reduzir a jornada e manter ou ampliar o nível de emprego contratando novas equipes, o patronato prefere condenar trabalhadores e trabalhadoras ao que chamam de “desemprego tecnológico”, uma conduta irracional que tem impactos negativos não só para quem trabalha mas para a economia como um todo, pois o trabalhador sem emprego e renda deixa de consumir e a redução do consumo das famílias operárias deprime o mercado interno e alimenta as crises econômicas. Mas há exceções, raras mas notáveis e dignas de nota como a experiência relatada pela jornalista Caroline Giantomaso, no g1 Piracicaba e Região. Leia abaixo
Funcionária relata que com a nova jornada consegue ter mais tempo para cuidar da saúde e ficar com a família. Projeto visava o bem-estar dos colaboradores, mas trouxe benefícios para a empresa.
Trabalhar apenas seis horas por dia é uma realidade distante para a maioria dos brasileiros atualmente, mas já faz parte da rotina de funcionários de uma empresa de Rio das Pedras (SP). Em um programa voltado para o bem-estar dos colaboradores, a companhia reduziu a jornada de todos, sem reduzir os salários, e, como consequência, percebeu aumento de 25% na produtividade após a mudança.
A ideia já vinha sendo analisada pela diretoria da Solpack Agronet há um tempo, mas foi colocada em prática em 2020. Os primeiros “sortudos” foram os funcionários da linha de produção. A empresa produz embalagens raschel (sacos plásticos para frutas) e telas para sombreamento para agricultura e uso decorativo.
De acordo com Alda Maria Car, diretora da empresa, todas as vezes que ia até a fábrica percebia o cansaço dos funcionários, e isso gerava incômodo. “Às vezes eu chegava e via um funcionário com suor embaixo do braço na camiseta e pensava ‘nossa, essa pessoa está morrendo de trabalhar'”.
No início da pandemia da Covid-19, a diretora decidiu concretizar o projeto. Até então, a produção era feita em três turnos de oito horas, mas a mudança fez com que fosse acrescentado um quarto turno e todos os funcionários do setor passaram a trabalhar por seis horas, sem reduzir o salário. Para isso, também foram contratados novos funcionários.
“Se a gente pensar em custo, talvez a gente gaste um pouco mais contratando as pessoas. Mas se a gente pensar em qualidade de vida, qualidade do produto… É dar a condição ideal para a pessoa trabalhar, né?”, afirmou Alda.
“Tem muitas pesquisas pelo mundo que mostram que a gente não tem condição de absorver mais do que cinco horas e meia focado”, argumentou a diretora. E foi a partir dessa ideia que a mudança foi bem aceita e começou a ser colocada em prática.
Ilustração: Simpax
Depois de reduzir o horário da linha de produção e observar, por quase dois anos, os resultados positivos dessa mudança, a diretoria decidiu ampliar. Este ano, os setores administrativos também foram contemplados.
Os funcionários trabalham as seis horas diárias, com 15 minutos de intervalo, e não podem, por lei, fazer hora extra. No caso do administrativo, são cinco dias de trabalho por semana. Na linha de produção, são seis. A empresa, que antes oferecia uma refeição, agora fornece um lanche para os colaboradores.
Mais tempo com a família
Érica Righi, supervisora de RH da empresa, passou pela redução. Antes, trabalhava das 8h às 17h, com uma hora de almoço. Agora, entra 7h30 e sai 13h30. Segundo ela, no início a mudança gerou estranheza por estar indo embora da empresa “tão cedo”, mas aos poucos a rotina se ajustou.
“Essa jornada tem me proporcionado ajustar a vida profissional com a vida pessoal. Hoje eu tenho tempo para cuidar da minha saúde, para estar com a minha família, voltar a estudar, fazer cursos, fora do horário de trabalho. Para mim foi espetacular, foi muito importante, foi uma virada de chave”, comemorou.
“Hoje eu consigo buscar minha filha na escola. Eu não conseguia porque a hora que ela saía eu estava trabalhando ainda. Para ela essa mudança, eu estar indo buscá-la, foi muito boa. Uma reunião de escola que eu não conseguia ir, hoje eu consigo”, completou.
Segundo Érica, quando soube da redução, ainda na linha de produção, houve empolgação entre os funcionários. “Nós acreditávamos desde o princípio que ia dar certo”, lembrou. A supervisora afirma que todos os funcionários se engajaram na mudança para fazer funcionar.
Ela diz que não teve medo de não conseguir fazer todo o trabalho com a jornada reduzida, porque sempre houve um cronograma das atividades do dia. Isso fez com que os funcionários conseguissem se adaptar sem ficar sobrecarregados.
Funcionário bom é funcionário feliz
De acordo com Alda, a mudança gerou benefícios visíveis para a empresa. A alta de 25% na produtividade trouxe ganhos financeiros, que fez com que conseguisse aumentar o quadro de funcionários de 184 antes da mudança para 302 colaboradores agora.
Outro ponto positivo foi a redução no número de atestados médicos entregues pelos colaboradores para justificar faltas porque, segundo a diretora, agora há um tempo a mais de folga que eles podem usar para cuidar da saúde e fazer tratamentos, para além de apenas emergências médicas.
“A gente na verdade com esse horário tá acreditando em respeitar a mudança do mundo.” Além disso, agora os funcionários mostram mais motivação e dedicação, e acabam levando novas ideias para o ambiente corporativo.
“Se a gente fica oito horas na empresa ou em qualquer lugar a gente fica pensando fora, ‘o que eu vou fazer quando sair daqui’, ‘o que eu vou fazer quando chegar em casa’. Acho que a gente mudou esse pensamento, porque aí a pessoa sai e fica pensando ‘poxa, eu posso fazer melhor na empresa’, porque tem um período de off”, afirmou Alda.
Outro ponto positivo, segundo a diretora, é que os trabalhadores da empresa têm mais tempo e qualidade de vida e passam a consumir mais no comércio local.
Mudança cultural
A diretora argumenta que a redução da jornada exigiu uma mudança na cultura da empresa. Foi preciso muita conversa com os funcionários e acionistas para que todos entendessem os objetivos.
Um exemplo é que agora os trabalhadores do setor administrativo são incentivados a cuidar da própria mesa. Antes, havia um funcionário para limpar cada baia de trabalho. A jornada agora na Solpack funciona de forma mais prática, segundo Alda.
Os funcionários trabalham as seis horas diárias, com 15 minutos de intervalo, e não podem, por lei, fazer hora extra. No caso do administrativo, são cinco dias de trabalho por semana. Na linha de produção, são seis. A empresa, que antes oferecia uma refeição, agora fornece um lanche para os colaboradores.