Artigo do jornalista Jânio de Freitas, da Folha de São Paulo, reproduzido logo abaixo, realça as relações perigosas do ex-juiz Sergio Moro com os Estados Unidos e o entrelaçamento entre a Lava Jato, o ex-conselheiro de segurança nacional dos EUA, John Bolton, o ex-presidente Donald Trump, Moro, Dallagnol e a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil. Parecem fatos desconexados, mas na essência compõem um mesmo script. Caberia acrescentar a cumplicidade da mídia burguesa com a narrativa lavajatista, incluindo o golpe contra Dilma em 2016, e a prisão de Lula, que abriu caminho à vitória do líder neofascista. A responsabilidade de jornalistas impostores, mencionados por Jânio de Freitas, não deve ser olvidada pelo fato de atuarem em grandes veículos de comunicação.
Achar que Bolton, Trump, Bolsonaro, Lava Jato, Moro, Dallagnol formam mera teoria da conspiração, é coisa de impostor
O apoio majoritário do eleitorado é pouco para garantir a vitória. A Constituição o dá como a condição decisiva, mas sua força moral e jurídica é muito inferior à de seus inimigos, baseada nos fatores opostos.
Artifícios e artimanhas ilegítimas no processo eleitoral, quando não criminais, têm sido a sina latino-americana. Exceto quanto a 64, no Brasil há pouco interesse pelo conhecimento desse submundo, com revelações apenas esparsas e quase todas casuais. Em maior número, talvez, vindas do exterior.
A eleição lavajatista de 2018, cujos fatores decisivos são conhecidos só na superfície mais grosseira, recebeu agora uma inconfidência sugestiva.
Ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump, John Bolton fortaleceu sua crítica ao golpe trumpista com este argumento: fala “como alguém que já ajudou a planejar golpes de estado, não aqui, mas, você sabe, em outros lugares”.
Nos 17 meses que antecederam a demissão de Bolton por Trump, em 10 de setembro de 2019, houve duas articulações golpistas contra processos eleitorais para presidências latino-americanas.
A partir da conclusão de observadores da OEA, a reeleição do índio Evo Morales na Bolívia foi dada como fraudulenta, e ele decidiu renunciar em 10 de novembro de 2019. Aguentara três meses de fortes manifestações, que vinham de antes da eleição (13 de outubro de 2019) já com a acusação de fraude —como no Brasil de 2018, como nos EUA de 2020. Não por táticas isoladas, claro.
Houve inúmeras denúncias de interferência americana na conturbação do país, ainda com Bolton como operador da “segurança externa” dos EUA. Os indícios incitaram a ONU e duas universidades americanas (uma delas, Harvard) a investigações próprias sobre a fraude acusada.Resultado unânime: eleição sem fraude, vitória limpa de Evo no primeiro turno. Fraudulenta foi a OEA, tão integrante dos domínios americanos quanto o Havaí ou o Alasca. Secretário-geral da entidade, Luis Almagro articulou a alegada observação e as conclusões golpistas da OEA.
(Aqui, o TSE tem sido infeliz em convites recentes. Além da gentileza ao Exército, que virou oportunidade de golpismo, convidou a OEA para observadora. E quem observará os observadores da OEA de Luis Almagro, ainda em ação?)
John Bolton foi o primeiro emissário mandado a Bolsonaro. Caso de urgência: veio ainda antes da posse. Em 29 de novembro de 2018, os dois se trancaram a chave em um quarto da casa de Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barras. Presença a mais, só o tradutor. Segredo absoluto, nenhuma informação dos interlocutores nem sobre algum tema, até hoje nenhum vazamento.
Na contramão de Bolton foram as repentinas viagens de Sergio Moro aos EUA, em plena atividade da Lava Jato e sem mais do que pretextos ralos, nem estes ligados ao passos mais ou menos públicos da operação.
Bolton esteve na ativa externa da “segurança” por todo o ápice da Lava Jato, a atividade em 2018 para deixar o caminho livre a Bolsonaro.
Ano, também, em que funcionários americanos se instalaram aqui a título de colaborar com a Lava Jato. Descobertos, foram dados como procuradores e promotores. Ao menos 16. Nenhum se confessou do FBI ou da CIA. Nos inquéritos da Lava Jato não havia negócios com o governo americano.
A ida de Sergio Moro para os EUA, sob pretensa ligação societária a um escritório que lida com intimidades sigilosas de grandes empresas, não é fato isolado. No mínimo, decorreu da Lava Jato.
E tem particularidades. Entre ida e volta, Moro não teve tempo sequer de se adaptar: precisaria conhecer, entre outros fundamentos, o Direito Comercial americano, a jurisprudência específica e mais as técnicas correlatas. Apesar disso, em meia dúzia de meses voltou com milhões para uma pretendida candidatura à Presidência, já declarada contrária a políticas progressistas.
Achar que John Bolton, alegados procuradores e promotores americanos, Trump, Bolsonaro, Lava Jato e trapaças judiciais, juiz declarado “sem imparcialidade e suspeito”, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, se vistos como partes de um conjunto, formam mera teoria da conspiração, é coisa de impostor ou merece perdão.
Se for professor ou jornalista a invocá-la, é impostor porque não conhece nem o seu tempo, nem a história que trouxe a ele. Os outros, como se deve conceder à ignorância involuntária, levam o perdão por pena.
Foto: Reuters