Por Marcos Aurélio Ruy (Foto: Getty Images)
O Dia das Mães está chegando (todo segundo domingo de maio) e falar sobre a violência obstétrica que, em pleno século 21, ainda acomete milhares de mulheres todos os anos, é importante para sanar esse problema vital para a saúde pública do país.
Há poucos estudos sobre a violência obstétrica no Brasil, mas ela é mais comum do que se imagina. Tanto que, como indicam estudos hospitalares, havia a ocorrência de 44,3% desse tipo de violência de gênero em partos no país, em 2011 e 18,3% em 2015.
O termo tem causado polêmica, porque os setores conservadores da sociedade, como o Ministério da Saúde da atual gestão e o Conselho Federal de Medicina (CFM), desacreditam nesses estudos, por puro corporativismo; o que não contribui para resolver o problema.
Segundo um estudo feito pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc, é comum ocorrerem “gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência”, explica Ana Cristina Duarte, obstetriz e ativista pelo parto humanizado.
A secretária de Saúde da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Elgiane Lago, argumenta ser importante “informar as parturientes sobre todos os seus direitos desde o pré-natal até o pós-parto” e esses direitos consistem em “ser acompanhadas por uma pessoa da sua preferência, podendo ser doulas”. Na visão dela, “nenhuma paciente pode ser desrespeitada ou não informada sobre quaisquer procedimentos” para, com todas as informações necessárias, “decidir como quer trazer mais uma vida ao mundo”.
Mas é comum as mulheres serem tratadas “com agressividade, como inferiores e as submeterem a procedimentos dolorosos e até a cesáreas, sem nenhuma necessidade”, diz Celina Arêas, secretária da Mulher da CTB. Portanto, argumenta “ser mais um tipo de violência contra a mulher, especialmente contra as mulheres mais vulneráveis”. Porque “todos os procedimentos devem ser do conhecimento e autorizados pela parturiente”, acentua Elgiane.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o segundo país do mundo em número de cesarianas. Em 2018, 55,7% do total de nascimentos foram cirúrgicos, e a maioria em maternidades privadas. Para a OMS, o número de cesáreas não deve ultrapassar os 15% dos partos realizados.
O debate sobre a violência obstétrica é recente. “Até há pouco tempo, era visto com normal todo o sofrimento impingido às mulheres na hora do parto”, informa Thays Campos, enfermeira em obstetrícia, neonatologia e UTI.
De acordo com a OMS, “a violência obstétrica é um conjunto de atos desrespeitosos, abusos, maus-tratos e negligência contra a mulher e o bebê, antes, durante e depois do parto, que ‘equivalem a uma violação dos direitos humanos fundamentais’”, conta Débora Melecchi, secretária-adjunta de Saúde da CTB.
Portanto, “a violência obstétrica é considerada uma violação dos direitos das mulheres grávidas em processo de parto, que inclui perda da autonomia e decisão sobre seus corpos”.
Por isso, de acordo com Thays, o Sistema Único de Saúde (SUS) “tem trabalhado para construir uma outra narrativa” ao “envolver todos os profissionais da saúde nos trabalhos referentes ao acompanhamento de uma gestação”. E também para incluir tanto “a equipe médica, como as enfermeiras, técnicas de enfermagem, doulas e todas as pessoas que trabalham para dar suporte para realizarmos um parto humanizado”.
E para isso, é preciso entender que “o parto é nosso, acontece no corpo da mulher” e “é um momento de fragilidades e muitos medos vindos do senso comum”, assegura Valéria Morato, presidenta da CTB-MG.
Ela argumenta ainda que “as violências identificadas são frutos dos muitos procedimentos encaminhados por obstetras como uma prescrição do que devemos aceitar do corpo médico, principalmente quando são profissionais que querem marcar o tempo do parto para agilizar a sua agenda”, mais preocupados com isso do que com os procedimentos necessários para evitar sofrimento.
“Não é natural as pessoas sentirem dor, sentirem-se desconfortáveis ou humilhadas”, garante Thays. Por isso, “é muito importante o envolvimento de toda a equipe de profissionais para tornar o parto humanizado e não burocratizado”.
Valéria acredita ser necessário “desmistificar todas as questões sobre o parto” porque “o conhecimento sobre o funcionamento do nosso corpo na gravidez, durante o parto e no pós-parto é importante” para “que seja trabalhada a humanização desse momento e principalmente o seu protagonismo”.
De acordo com especialistas, “o parto humanizado procura acolher mãe e bebê dentro de uma visão menos hospitalar, onde os cuidados são tão ou mais importantes que os procedimentos médicos”. Dentro dessa visão, “as doulas podem ter papel fundamental para inibir violências”, assegura Elgiane. Um parto humanizado deve contar com a presença de doula, obstetriz ou enfermeira obstetra, médico ginecologista obstetra, médico anestesista e médico pediatra neonatal, informam especialistas.
“No parto humanizado, a mulher é a protagonista” sem que isso cause “qualquer conflito com o que é da medicina”, afirma Valéria. “Só não podemos ignorar e desrespeitar os desejos da mulher”, por isso, é essencial “estabelecer o diálogo com ela” porque “não é o médico que faz o seu parto, o parto é nosso”.
Para ela, “é preciso debater com a população e desmistificar o obstetra como aquele que tem a última palavra sobre o parto” porque “desconhecemos as possibilidades e os riscos que corremos. A informação correta em todo o processo de gestação é fundamental para que possamos tomar as nossas decisões”.
Portanto, conclui Débora, “não é possível admitir é que a violência obstétrica seja naturalizada” e “o empoderamento das mulheres perpassa pela importância de terem conhecimento quanto às violências obstétricas” e, com isso, “podermos exigir a implementação de políticas públicas que possam ajudar a melhorar esse cenário de desrespeito contra as mulheres”.
De acordo com Valéria, “para os movimentos sociais, essa violação significa a apropriação dos processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais da saúde por meio de uma atenção mecanizada, tecnicista, impessoal e massificada do parto”, com isso, “aprofundam a problemática ao dar mais evidência à cultura do ódio às mulheres que, por sua vez, autoriza a violência sexual, naturalizada e invisibilizada, presente na violência obstétrica”.
Porque “as violências contra as mulheres se inserem no contexto da cultura do estupro e do ódio e a violência obstétrica está entre as perversidades, principalmente na dádiva de ser mãe”, diz Berenide Darc, secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e dirigente da CTB.
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