Por Ken Klippenstein
Corporação baniu palavras como “sindicato”, “aumento”, “diversidade” e até “banheiros” em app interno de mensagens. Frente às mobilizações trabalhistas, Bezos aposta em censura e investe milhões em consultorias antissindicais.
A Amazon bloqueará e sinalizará postagens de funcionários que contenham palavras-chave ligadas a sindicatos, em um aplicativo interno de mensagens que está sendo planejado, segundo documentos internos da empresa analisados pelo Intercept. Um monitor automático de palavras também bloquearia uma série de termos que poderiam representar críticas às condições de trabalho da Amazon, como “trabalho escravo”, “prisão” e “plantation”, bem como “banheiros” – termo presumivelmente relacionado a relatos de funcionários da Amazon se aliviando em garrafas plásticas para conseguir cumprir as pesadas cotas da empresa.
“Nossas equipes estão sempre pensando em novas maneiras de ajudar os funcionários a se envolverem uns com os outros”, disse a porta-voz da Amazon, Barbara M. Agrait. “Esse programa em particular ainda não foi aprovado e pode mudar significativamente, ou até nunca ser lançado”.
Em novembro de 2021, a Amazon convocou uma reunião de alto nível em que os principais executivos da empresa discutiram planos para criar uma rede social interna que permitisse aos funcionários reconhecer o desempenho dos colegas de trabalho com postagens chamadas de “Shout-Outs”, ou “aclamações”, segundo uma fonte com conhecimento direto do assunto.
O principal objetivo do programa, disse Dave Clark, chefe mundial de negócios do consumidor, era reduzir o desgaste dos funcionários, promovendo a felicidade entre eles – e também a produtividade. Os Shout-Outs seriam parte de um sistema de recompensas estilo videogame, no qual os empregados recebem estrelas virtuais e medalhas por atividades que “agregam valor comercial direto”, dizem os documentos. Na reunião, Clark observou que “algumas pessoas colecionam estrelas loucamente”.
Mas os funcionários da empresa também alertaram para o que eles chamaram de “lado escuro das mídias sociais”, e decidiram monitorar ativamente as postagens para garantir uma “comunidade positiva”. Na reunião, Clark sugeriu que o programa deveria se parecer a um aplicativo de encontros online como o Bumble, que permite que os indivíduos se envolvam um a um, em vez de uma plataforma mais parecida como um fórum, como o Facebook.
Após a reunião, foi elaborado um “monitor automático de palavrões”, constituindo uma lista proibida que sinalizaria e bloquearia automaticamente mensagens enviadas por funcionários que contivessem qualquer palavra-chave obscena ou inadequada. Mas, além das obscenidades, os termos incluem muitos relevantes para o movimento de trabalhadores, incluindo “sindicato”, “queixa”, “aumento salarial” e “remuneração”. Outras palavras-chave banidas incluem termos como “ética”, “injusta”, “escravo”, “mestre”, “liberdade”, “diversidade”, “injustiça” e “equidade”. Até mesmo algumas frases como “isso é preocupante” serão proibidas.
“Com textos livres, arriscamos que as pessoas escrevam Shout-Outs que geram sentimentos negativos entre quem está lendo e quem recebe”, diz um documento que resume o programa. “Queremos nos inclinar a ser restritivos no conteúdo que pode ser publicado para evitar uma experiência negativa do colaborador”.
Além do sistema automatizado, os gerentes terão autoridade para sinalizar ou suprimir qualquer Shout-Out que considerem inadequado, mostram os documentos.
Um programa piloto está previsto para ser lançado no final deste mês. Além de insultos e palavrões, a lista planejada inclui as seguintes palavras:
“Se em algum momento isso for lançado”, disse a porta-voz da Amazon, “não há planos para que muitas das palavras que você está citando sejam fiscalizadas. O único tipo de palavras que podem ser examinadas são aquelas ofensivas ou de assédio, algo que se destina a proteger nossa equipe”.
A Amazon testou programas de mídia social no passado. Em 2018, a empresa lançou um programa piloto em que funcionários foram escolhidos a dedo para formar um exército no Twitter, defendendo a companhia, como o Intercept noticiou. Os funcionários foram selecionados por seu “grande senso de humor”, mostraram os documentos vazados.
Na última sexta-feira, trabalhadores da Amazon em um centro de atendimento em Staten Island, no estado de Nova York, surpreenderam os EUA ao se tornarem o primeiro local da empresa a se sindicalizar com sucesso. Foi um choque para muitos porque foi algo conquistado por um sindicato independente, sem conexões com um sindicato já estabelecido, e que operava com um orçamento muito apertado. Com apenas US$ 120 mil à disposição, o Sindicato dos Trabalhadores da Amazon conseguiu derrotar a gigante de US$ 1,5 trilhão em valor de mercado, que só em 2021 gastou US$ 4,3 milhões em consultores antissindicatos.
Para aumentar a sensação de Davi contra Golias, o presidente do Sindicato de Trabalhadores da Amazon, Christian Smalls, um ex-rapper de 33 anos, havia sido demitido pela empresa após liderar uma pequena greve pedindo por mais proteção contra o coronavírus no local de trabalho, em 2020. Executivos da Amazon atacaram Smalls, que é negro, como uma pessoa “não inteligente nem articulada” durante uma reunião com o então CEO Jeff Bezos, segundo um comunicado interno vazado divulgado pela Vice News.
As questões de segurança têm sido uma preocupação perene para os funcionários da Amazon. Em dezembro, um tornado matou seis deles em um armazém em Edwardsville, no estado de Illinois. Muitos funcionários disseram que não tinham recebido praticamente nenhum treinamento para emergências, como informou o Intercept (o Comitê de Supervisão da Câmara dos EUA lançou recentemente uma investigação sobre as políticas de segurança nos locais de trabalho da Amazon).
Em 2020, os trabalhadores de um centro de atendimento da Amazon em Bessemer, no Alabama, tentaram se unir ao Sindicato do Varejo, Atacado e Lojas de Departamento. A tentativa ganhou destaque atípico, atraindo a atenção do presidente Joe Biden, que divulgou uma declaração afirmando que “todo trabalhador deve ter uma escolha livre e justa para entrar em um sindicato … sem intimidações ou ameaças de seus empregadores”.
O voto para se juntar ao sindicato falhou em Bessemer, mas o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas, conhecido pela sigla em inglês NLRB, ordenou uma nova votação, citando a interferência indevida da Amazon. O armazém de Bessemer realizou uma segunda votação que também foi apurada na semana passada e, embora a contagem inicial tenha favorecido a Amazon, os números foram muito mais apertados do que antes e dependerão, em última instância, dos resultados das cédulas que estão sendo contestadas.
A Amazon divulgou uma declaração na última sexta-feira dizendo que está considerando apresentar uma objeção ao voto pela formação do sindicato em Staten Island, alegando interferência da NLRB.
Fonte: The Intercept Brasil