A Daniel Ilirian Carvalho, meu saudoso filho, militante do Partido. A João Amazonas, mestre, amigo, camarada e dirigente
Por José Reinaldo Carvalho (*)
O Partido Comunista do Brasil completa 100 anos de existência. Fundado a 25 de março de 1922 como Seção Brasileira da Internacional Comunista (SBIC), à qual adere com a aceitação das suas 21 condições estatutárias, surge da unificação dos diferentes grupos comunistas, herdeiros de correntes socialistas e anarquistas europeias ligadas à intensa imigração ocorrida no país entre finais do século 19 e inícios do 20, quando começava a desenvolver-se o incipiente capitalismo nacional, herdeiro do escravismo colonial.
Os primeiros anos de existência, durante os quais adotou a sigla PCB, foram marcados pela tentativa de implantação no movimento sindical, quando a luta social era considerada caso de polícia, de propaganda rudimentar das ideias socialistas e do ideal comunista, e de inserção na vida política. Em 1925 lançou o jornal A Classe Operária. Em 1927 criou o Bloco Operário Camponês que disputou eleições legislativas municipais e estaduais e lançou a candidatura do operário Minervino de Oliveira à Presidência da República em 1930.
Raízes nacionais
A existência de uma vanguarda política vinculada às aspirações fundamentais dos trabalhadores, originada da luta de classes e que desde sempre adotou como programa máximo a conquista do poder político para construir o socialismo no Brasil, nunca esteve desvinculada da realidade nacional nem das lutas democráticas e patrióticas emergentes em nossa sociedade. Mesmo quando cometeu erros graves, como o de se alhear de acontecimentos tão marcantes na vida do país, por exemplo a Revolução de 1930, o partido dos comunistas brasileiros nunca deixou de estar fortemente impregnado pelo caráter nacional e democrático das lutas sociais do povo.
A fundação do Partido Comunista do Brasil, naquele longínquo 25 de março de 1922 correspondeu a uma necessidade objetiva do desenvolvimento das lutas sociais em nosso país, fez parte do ambiente de mobilizações democráticas e renovação cultural que contagiaram a classe operária da época, a intelectualidade, os setores médios e os militares patrióticos. Está inscrita na mesma cadeia de acontecimentos do qual fizeram parte a greve geral de 1917, a Semana de Arte Moderna de 1922 e as revoltas tenentistas. O Partido Comunista do Brasil nasceu em solo pátrio, deitou raízes na vida nacional e ao mesmo tempo nasceu com inspiração internacionalista, malgrado as insuficiências teóricas dos primeiros anos.
Influência internacional
A fundação do Partido Comunista guardou também relação direta com os acontecimentos mundiais do início do século 20, sendo o mais importante de todos a Grande Revolução Socialista de Outubro na Rússia de 1917, que deu origem ao primeiro Estado dos trabalhadores sob a liderança do partido comunista. Como a maioria dos partidos comunistas do mundo, quase todos existentes e em pleno funcionamento nos dias de hoje, o Partido Comunista do Brasil é um fruto daquela época de transformações revolucionárias que iriam marcar indelevelmente o século como o século das revoluções socialistas e das lutas pela libertação nacional e social, o século das lutas operárias, das lutas anticoloniais, pela democracia, a justiça social e a paz. É por isso que os comunistas brasileiros comemoraram com o mesmo júbilo o centenário da Revolução de Outubro, há cinco anos. Não por passadismo, dogmatismo, falta de espírito crítico e autocrítico, ou resistência a aceitar a derrota do socialismo no Leste Europeu em finais do século 20 e a necessidade de “ressignificá-lo”, mas para realçar que os partidos que desfraldam e empunham sem tremer as mãos a bandeira do socialismo, da luta-anti-imperialista, da libertação nacional e social, são os legítimos herdeiros daquelas tradições revolucionárias fundadoras, portadores dos mesmos princípios e ideais e continuadores de suas lutas, mesmo em condições totalmente distintas. Foi esta convicção que manteve os comunistas brasileiros no campo do Movimento Comunista Internacional até os dias atuais.
Partido de memoráveis lutas
Durante um século, o partido dos comunistas brasileiros atravessou diferentes etapas em um prolongado e aturado processo de implantação na vida política e social do país. Protagonizou momentos gloriosos, lutas memoráveis e escreveu seu nome na história das lutas do povo brasileiro. Demonstrou ser um partido comprometido com as grandes causas nacionais e populares, com as conquistas do povo, os direitos sociais dos trabalhadores das cidades e do campo, a democratização do país no pós-Segunda Guerra Mundial, a Assembleia Constituinte de 1946, a vitória na luta contra a ditadura, a conquista da anistia, a Constituinte de 1987-88, os governos progressistas liderados por Lula e Dilma.
Ainda que sofrendo reveses, o Partido assumiu heroicamente batalhas radicais, que embora derrotadas, expressavam também o espírito de luta do povo e mostravam a disposição dos comunistas de aceitarem o percurso de caminhos difíceis em momentos históricos cruciais: a insurreição nacional libertadora de 1935, quando o fascismo se implantava na Europa e assomava por aqui, e a Guerrilha do Araguaia (1972-1975), em plena ditadura militar fascista.
A trajetória de construção do partido dos comunistas enfrentou dificuldades objetivas relacionadas com o reacionarismo do Estado brasileiro. O Partido foi golpeado e vitimado por ações de terrorismo de Estado, por políticas de extermínio conduzidas por governos ditatoriais. Pagou o elevado preço da clandestinidade e da perda em combate ou sob tortura e frio assassinato nos cárceres de centenas de militantes e quadros dirigentes. Foi um baluarte da luta pela liberdade.
Com toda a legitimidade, os militantes e quadros do PCdoB comemoram o transcurso do centenário da fundação do Partido. Também os amigos nacionais e internacionais, os companheiros de viagem, os aliados circunstanciais, patriotas e democratas de diferentes convicções ideológicas, compartilham com os comunistas a alegria de chegar aos 100 anos, saudando fraternalmente e desejando maiores vitórias a uma organização política que deitou tantas raízes no solo nacional e deixou tantas marcas na vida política e cultural do país ao longo de uma trajetória acidentada mas ininterrupta. Por qualquer ângulo de que se mire a história, não há como separar a vida republicana brasileira das lutas sociais e, desde os primeiros anos da década de 1920, da influência e do papel exercidos pelo Partido Comunista do Brasil. Desde sua fundação até os dias de hoje, foi enorme, em alguns casos decisiva, a presença, a influência, a direção dos comunistas nas lutas e vitórias dos trabalhadores e do povo brasileiro.
Aprendizado da estratégia e tática revolucionárias
No longo processo de amadurecimento político e teórico, o Partido deixou marcas importantes e contribuições seminais para a formação de um programa político da luta pela emancipação nacional e social dos trabalhadores e do povo brasileiro, a revolução política e social que ainda está por ser feita. Designadamente, o Programa do 4° Congresso (1954), o Manifesto-Programa da Conferência Nacional Extraordinária (1962), o documento da 6ª Conferência (1966), a Resolução da 7ª Conferência (1979), as resoluções dos 6º, 7º e 8º congressos, respectivamente em 1983, 1988 e 1992.
Merece destaque que as resoluções do 6º Congresso (1983) marcam uma transição importante entre o conceito de “duas etapas da revolução” para o de “revolução democrática e popular rumo ao socialismo”, transição que se completará no 8º Congresso, de 1992 (Socialismo já) e no Programa Socialista, quando o Partido passa a considerar que a sociedade brasileira estava objetivamente madura para o socialismo. Este Programa Socialista foi elaborado originalmente por incumbência do 8º Congresso, na 8ª Conferência Nacional (1995). Sua versão definitiva foi aprovada no 9º Congresso, em 1997. Posteriormente, em 2009, o Partido aprovou novo programa no 12º Congresso, apontando o socialismo como objetivo e o plano nacional de desenvolvimento como caminho.
Muito embora golpeado, o Partido sobreviveu e assumiu o desafio de organizar, mesmo nas difíceis condições da clandestinidade, a luta do povo, tendo sempre como norte a luta democrática, pelo progresso social, a independência nacional e o socialismo. As gerações de militantes e dirigentes que se sucederam ao longo deste século de existência do Partido fizeram rico e intenso aprendizado tático e estratégico e amadureceram política e ideologicamente, um processo que não foi isento, até mesmo nos dias atuais, de lutas políticas e ideológicas em que tem sido necessário enfrentar o oportunismo de direita, o falso esquerdismo e o liquidacionismo. Não têm sido poucas na história do PCdoB, inclusive nos dias atuais, as tentativas de transformá-lo ou num grupo sectário desligado da realidade ou dissolvê-lo no seio de outros partidos de cariz social-democrata.
O percurso da construção do socialismo no mundo, a trajetória ziguezagueante dos comunistas no Brasil e em outros países, os erros cometidos e as derrotas sofridas são utilizados como argumentos pelos ideólogos da burguesia e do imperialismo para proclamar a derrota irreversível do socialismo, a falência dos seus ideais e a inutilidade do partido comunista. Até mesmo razões de ordem eleitoral – pois estamos na época em que os partidos social-democratas da esquerda moderada e conciliadora são majoritários na esquerda – são invocadas como pretexto para desistir do ingente esforço de construir uma vanguarda revolucionária com ideologia comunista e cujo programa máximo seja a construção do socialismo. Aparentemente, a realidade emprestaria razão aos que, ignorando as leis objetivas do desenvolvimento histórico, tomam por saudosismo e gesto anacrônico a celebração do centenário do Partido Comunista.
Mas é com orgulho, justo orgulho, que os comunistas fazem esta celebração, porque é gloriosa a história dos comunistas, é heroica a sua gesta e é enorme a contribuição que deram nas lutas por transformações sociais e políticas, pela emancipação da humanidade. No caso do Brasil, foi com o intelecto, o empenho, e quando necessário as armas e o sangue de inolvidáveis heróis que escrevemos memoráveis páginas da trajetória do povo brasileiro na luta por democracia, independência nacional e progresso social.
Enfrentando desafios
Celebrar a história centenária de um partido como o PCdoB é antes de tudo reflexão e posicionamento diante dos agudos problemas do presente e da perspectiva. A existência e a permanência do Partido não resultam de uma atitude voluntariosa. Antes, correspondem a uma necessidade histórica. O Partido é necessário para os grandes combates do nosso tempo, para cumprir as grandes tarefas históricas de nossa época.
A festa do centenário do Partido, com orientação ideológica, política e estética em que se ressalte a linha revolucionária do Partido, a perspectiva do socialismo e a simbologia da luta revolucionária, pode fortalecê-lo para o enfrentamento dos desafios atuais. Em primeiro lugar, para constituir o sujeito político da luta pelo socialismo, o grande exército de massas da revolução brasileira, com os novos conteúdos e formas próprios da época presente. Nessa tarefa os comunistas mantêm diálogo e alianças, interação e relações de unidade e luta com outras forças democráticas e as correntes de esquerda que têm o socialismo como objetivo. Esse diálogo não é simples, porquanto a esquerda é hegemonizada por setores políticos e intelectuais encantados com as supostas novas capacidades expansivas da economia capitalista, fascinados com a existência de blocos econômicos imperialistas e êxitos eleitorais efêmeros da social-democracia. Para estes, a luta pelo socialismo não passa de anacronismo. Ou o socialismo pelo qual lutam recebe tantos epítetos que se desfigura. Sobre a luta pelo socialismo no Brasil, buscam falsos atalhos, considerando que as vitórias eleitorais já seriam o primeiro passo para a construção da nova sociedade. Bastaria deixar florescer os brotos do neo-nacional-desenvolvimentismo e do neo-republicanismo democrático para que, numa sucessão de governos democráticos cheguemos por geração espontânea ao socialismo no Brasil. Rebaixando-se a estratégia, rebaixam-se a arquitetura e a engenharia políticas necessárias a afiançar a existência de uma força de combate à altura dos desafios da época.
Os comunistas comemoram o centenário do seu partido confiantes em que, ainda que árduo e tortuoso, devem trilhar, sem renúncia nem renegação, a via do desenvolvimento do Partido, para construir um sujeito político capaz de organizar e mobilizar o povo e ser fator ponderável na construção da unidade das forças progressistas e populares. A aposta dos comunistas para enfrentar os desafios atuais é consolidá-lo como uma força de combate pelo socialismo no Brasil, não permitindo a sua diluição, enfraquecimento orgânico, esmaecimento ideológico ou liquidação.
O enfrentamento dos desafios atuais significa que o PCdoB será, como sempre foi, uma força irreconciliável com as classes dominantes retrógradas, opressoras e entreguistas; uma força irreconciliável com o imperialismo, um partido de classe, portador das aspirações históricas dos trabalhadores e de todo o povo brasileiro; capaz de sintetizar em plataformas políticas amplas e unitárias, as questões emergentes ligadas à perspectiva socialista. João Amazonas deixou-nos o ensinamento – que o coletivo sabiamente incorporou ao Programa Socialista (1997) – de que na situação concreta do Brasil a luta pelo socialismo exige a fixação de objetivos táticos e estratégicos de nível elevado, consciente de que devido aos problemas históricos e estruturais da sociedade brasileira, adquirem significado primordial a luta em defesa da soberania e da independência nacional, a luta pela democratização ampla e profunda do país e a solução dos problemas sociais, em permanente agravamento. Separar esses vetores da luta é um exercício metafísico fadado ao fracasso. Na estratégia e tática revolucionárias do PCdoB, os vetores nacional, democrático e social se entrecruzam e todos atuam num sentido histórico único – a conquista do socialismo.
Enfrentar as classes dominantes
João Amazonas fazia uma análise implacável sobre as classes dominantes. Dizia, na redação do Programa Socialista (1997): “O desenvolvimento deformado da economia nacional, o atraso, a subordinação aos monopólios estrangeiros e, em consequência, a crise econômica, política e social cada vez mais profunda, são o resultado inevitável da direção e do comando do país pelas classes dominantes conservadoras. Constituídas pelos grandes proprietários de terra, pelos grupos monopolistas da burguesia, pelos banqueiros e especuladores financeiros, pelos que dominam os meios de comunicação de massa, todos eles, em conjunto, são os responsáveis diretos pela grave situação que vive o país. Gradativamente, separam-se da nação e juntam-se aos opressores e espoliadores estrangeiros. As instituições que os representam tornaram-se obsoletas e inservíveis à condução normal da vida política. Elitizam sempre mais o poder, restringindo a atividade democrática das correntes progressistas. A modernização que apregoam não exclui, mas pressupõe, a manutenção do sistema dependente sobre o qual foi construído todo o arcabouço do seu domínio.”
Os comunistas brasileiros compreenderam também que a luta democrática e patriótica pelo desenvolvimento, a soberania nacional, em defesa da nação ameaçada pela voragem neoliberal, era no fundo um aspecto da luta de classes, inseparável da luta pelo socialismo na fase peculiar que o Brasil vivia.
O Programa Socialista (1997) frisava: “Tais classes [dominantes] não podem mudar o quadro da situação do capitalismo dependente e deformado. Sob a direção da burguesia e de seus parceiros, o Brasil não tem possibilidade de construir uma economia própria, de alcançar o progresso político, social e cultural característicos de um país verdadeiramente independente. Na encruzilhada histórica em que se encontra o Brasil, somente o socialismo científico, tendo por base a classe operária, os trabalhadores da cidade e do campo, os setores progressistas da sociedade, pode abrir um novo caminho de independência, liberdade, progresso, cultura e bem-estar para o povo, um futuro promissor à nossa Pátria”.
Referenciado no marxismo-leninismo e numa interpretação científica da evolução histórica do Brasil, de sua complexa e peculiar formação, o PCdoB tem presente que a luta pelo socialismo no país não é um processo em linha reta. Na condução dessa luta, os comunistas compreenderam que deviam tomar em consideração essas peculiaridades, assim como a correlação de forças estratégicas no plano mundial.
Defesa dos princípios
Nos idos de 1992 (8º Congresso), quando a regra geral era o liquidacionismo, o Partido foi firme na defesa dos princípios do socialismo científico, do marxismo-leninismo e da construção do socialismo, sobretudo da experiência de construção do socialismo na URSS, malgrado os graves erros ali cometidos. Naquele congresso, o Partido foi autocrítico ao avaliar que tinha resvalado em desvios dogmáticos e lançou o desafio de, ao aprofundar a autocrítica, não trocar o dogmatismo pelo revisionismo.
Ao tirar lições da derrota do socialismo no plano internacional, o Partido orientou: “Embora em suas linhas mestras o socialismo científico seja idêntico em todos os países, sua concretização em cada lugar exige ponderar as particularidades locais e nacionais. Essas particularidades dão feição própria ao regime avançado que substitui o capitalismo. O modelo único de socialismo é anticientífico”.
Ponto alto do amadurecimento programático, estratégico e tático da direção comunista são as formulações contidas no capítulo intitulado “O caminho para alcançar o socialismo”, do já aludido Programa Socialista (1997).
Ali afirma-se que a conquista do socialismo é um caminho de “árdua disputa” com “as classes retrógradas que dominam o país”. Durante o rico debate nas fileiras partidárias em torno da elaboração desse programa, João Amazonas identificava essas classes como “forças poderosas que não cederão facilmente as posições que detêm”.
Sempre referenciado no materialismo histórico, dizia: “A máquina do Estado está em suas mãos. Utilizarão o engodo e as promessas jamais cumpridas, o monopólio da mídia, recorrerão ao arbítrio, apelarão para o fascismo, não vacilarão em juntar-se aos intervencionistas estrangeiros a fim de tentar conter e esmagar o movimento progressista. Todos os que almejam uma pátria livre e soberana, que desejam avanços contínuos nos terrenos político, econômico, social e cultural, terão de enfrentar decidida e persistentemente as forças inimigas”.
Esta concepção orientou o pensamento e as ações do Partido em grandes lutas sociais e políticas. O coletivo comunista aprendeu que o caminho para o socialismo passa “pela realização de inúmeras batalhas em diferentes níveis com a ampla participação do povo”. A luta pelo socialismo não pode ficar restrita à propaganda revolucionária, sendo indispensável atuar no curso político real, estar presente nos pequenos e grandes combates do povo.
Esta compreensão, sintetizada naquele Programa Socialista, fica nítida: “Importância particular na mobilização das massas, buscando isolar ou neutralizar os inimigos, tem a fixação de objetivos concretos de nível mais elevado” (…) “Nesse sentido, adquire significado primordial a defesa da soberania e da independência nacional; a exigência de democratização ampla e profunda da vida do país; os reclamos da questão social em constante agravamento. São objetivos relacionados com a questão do poder, visando tirar o Brasil do atraso e da pobreza, garantir a liberdade para o povo, afirmar a identidade nacional. Essa luta apresenta não apenas aspecto tático. Perdurará por largo período e somente terminará com a vitória definitiva das forças progressistas. As classes dominantes não têm alternativa. Insistirão até o fim na política entreguista, antinacional, persistirão na via antidemocrática e antissocial”.
Este é o núcleo do pensamento tático e estratégico do PCdoB. É resultado, acima de tudo, da experiência. Uma bússola para que o Partido não se perca nas ínvias encruzilhadas com que se depara atualmente. Este pensamento é a chave para compreender o papel da acumulação de forças no processo revolucionário: “Todo o procedimento político e organizativo, relacionado com o caminho para o socialismo” – dizia Amazonas – “objetiva acumular forças, ganhar prestígio e influência no seio do povo”.
“A conquista do socialismo é obra das amplas massas, dos trabalhadores em geral. Exige, na atualidade (1997), a criação de uma sólida frente nacional, democrática e popular, reunindo partidos, personalidades políticas e democráticas, organizações de massas, defensores da soberania nacional, agrupamento decidido a derrocar as classes reacionárias e a realizar as transformações de que o Brasil necessita”.
Mesmo depois da vigência por quase uma década e meia de governos progressistas no Brasil e, com maior razão agora, quando o país está sob a direção de forças de extrema-direita, o Brasil continua vivendo uma encruzilhada histórica, graves impasses, para os quais não haverá saída se os problemas de fundo da sociedade não forem enfrentados e as classes dominantes não forem derrotadas. E não o serão nos marcos do regime político e econômico dessas classes. A luta pela soberania nacional, a democracia e o progresso social se relacionam com a luta pelo poder político entre as classes trabalhadoras, as massas populares, por um lado, e as classes dominantes, por outro. Comemorar o centenário do Partido é assumir uma posição de combate nesse conflito estrutural da sociedade brasileira. É em primeiro lugar por aí que o povo brasileiro percorrerá o seu caminho peculiar para a edificação da nova sociedade em nosso país.
Partido da luta anti-imperialista
Comemorar o centenário do Partido é também aceitar os novos desafios da luta anti-imperialista. Todos os congressos do PCdoB desde 1997 até o 14º Congresso (2017), ressaltaram com ineditismo o processo de declínio histórico do imperialismo estadunidense, a emergência de novos polos geopolíticos, a transição conflituosa para um novo sistema internacional, que emerge agora com mais nitidez. A bandeira do internacionalismo e do anti-imperialismo nunca tremeu nas mãos da direção partidária ao longo daquelas duas décadas.
Os presentes acontecimentos internacionais são claros sobre a configuração de uma nova situação internacional, que os comunistas perceberam desde que assomaram os primeiros sinais. O recente encontro entre os presidentes da China e da Rússia (4 de fevereiro), em Pequim resultou na assinatura de uma Declaração Conjunta que é o mais importante acontecimento geopolítico desde o fim da guerra fria. O documento é a expressão de uma nova aliança que tem forte impacto sobre o sistema internacional.
China e Rússia estão decididas a doravante atuar conjuntamente em todas as agendas internacionais. Mantendo o princípio de não interferência nos assuntos internos de outro país, a China deixou claro de que lado está na atual crise que envolve os EUA, a Otan, a Ucrânia e a Rússia. O país socialista asiático apoiou as posições russas em face das tensões geradas pela expansão da Otan, liderada pelos Estados Unidos, rumo às fronteiras da Europa com a Rússia. Reciprocamente, Moscou apoiou o princípio defendido por Pequim de que no mundo existe apenas uma China e rechaçou a incitação por parte dos Estados Unidos a separatistas em Taiwan, parte inalienável da integridade territorial chinesa e da unidade política da República Popular da China.
China e Rússia estão irmanadas nos esforços pelo multilateralismo autêntico e pelo soerguimento de um sistema internacional multipolar, baseado no Direito Internacional, no papel preponderante de uma ONU atualizada no funcionamento de suas instâncias, na execução plena do princípio de resolver por vias políticas específicas os conflitos entre as nações. Igualmente, vão reforçar a atuação em organismos internacionais e fóruns regionais e globais.
A grande novidade resultante da reunião de cúpula bilateral de 4 de fevereiro é que a China e a Rússia assumiram-se como potências mundiais decididas a frear os planos hegemonistas do imperialismo estadunidense. Sua atuação conjunta nas agendas globais tende a se tornar o fator preponderante para a inauguração de novo tipo de cooperação e de relações internacionais, o que poderá favorecer a luta pela autodeterminação dos povos e o advento da paz. As duas potências demonstraram cabalmente a sua disposição para construir um mundo multipolar, a tornar uma norma o multilateralismo genuíno e normalizar a cooperação internacional. Vão atuar como países estabilizadores, conscientes que estão da gravidade dos desafios mundiais e ao mesmo tempo de seu papel para estabelecer um novo equilíbrio do mundo. No encontro de 4 de fevereiro os estadistas dos dois países assinaram uma nova Declaração que, para além de reafirmar esses princípios, estabelece as bases e os parâmetros para a construção de relações correspondentes à nova era emergente no mundo. A compreensão deste fenômeno é indispensável para orientar a ação dos comunistas e demais forças revolucionárias na atualidade.
As análises e resoluções internacionais dos congressos do PCdoB ao longo dos anos 1990 e nas duas primeiras décadas do século 20 posicionaram o Partido no posto avançado da luta contra o imperialismo e sua política de guerra que agride brutalmente a paz e a segurança dos povos, a democracia, a independência nacional e os direitos dos trabalhadores.
Com grande acerto, o PCdoB reafirmou-se como partido do Movimento Comunista Internacional, membro ativo do Encontro de Partidos Comunistas e Operários, tendo inclusive sediado um desses eventos, em 2008.
Igualmente, escapando a toda pressão e sem temer os efeitos da propaganda grosseira comandada por círculos imperialistas e da extrema-direita, consolidou sua presença no Foro de São Paulo, por compreender que a América Latina é um importante cenário da confrontação entre os povos e o imperialismo. O que ocorrer em nosso continente terá repercussão decisiva na luta anti-imperialista em nível mundial.
Comemorar o aniversário do Partido é elevar a consciência do nosso povo, das demais forças da esquerda e dos nossos próprios militantes e quadros quanto ao nível de nossas responsabilidades no cenário político em que se desenvolve a luta anti-imperialista na América Latina. A história cobrará muito de nós, exigirá esforço redobrado, porquanto não será uma luta fácil, porque o imperialismo norte-americano é cada vez mais agressivo e ardiloso. Embora sofra seguidas derrotas, dispõe de um aparatoso sistema político destinado a impedir as mudanças, a perpetuar sua hegemonia. Na tática do inimigo não faltam tergiversações e propagandas insidiosas contra Cuba, Nicarágua, Venezuela, Bolívia e as forças políticas anti-imperialistas em luta pelo poder político.
Não está ainda plenamente configurada a nova correlação de forças que levará a humanidade a novo ciclo revolucionário. Mas tampouco essa correlação de forças forma-se por geração espontânea, cabendo aos partidos que lutam pelo socialismo adotar linhas estratégicas, procedimentos táticos e métodos de ação consoantes a necessidade de abordar a luta pelo socialismo nas novas condições. O fator consciente também faz parte das mudanças de correlação de forças. E, por óbvio, a ausência temporária de uma correlação de forças favorável à ofensiva revolucionária não pode nem deve servir de pretexto a uma estratégia e tática de conciliação e adesão ao inimigo. Em nenhuma circunstância os partidos revolucionários devem deixar-se capturar pelas artimanhas do inimigo de classe.
Diante do capitalismo-imperialismo em profunda crise que põe de manifesto a senilidade do sistema, das políticas neoliberais dos governos conservadores e sociais-democratas, das políticas de guerra do imperialismo, da natureza reacionária do sistema político e econômico burguês, ganha relevo a questão: encontra-se na ordem do dia a tarefa de lutar por melhorias no capitalismo, de combater as “deformações” da globalização e as “perversões” da crise, ou a tarefa de elaborar estratégias, táticas e pôr em prática métodos revolucionários que conduzam os trabalhadores em todo o mundo à luta pelo socialismo como único caminho para superar os inarredáveis impasses com que a humanidade está confrontada? Adaptação ou resistência e luta, eis o dilema em face do qual se encontram as forças de esquerda. Resistir e lutar, sempre, diz-nos o legado da história que hoje celebramos.
A premissa para alcançar novas conquistas para os trabalhadores e os povos é a revolução política e social e a superação das atuais estruturas e superestrutura da sociedade. A conquista de direitos políticos e sociais plenos, que assegurem o poder político para os trabalhadores e a emancipação social não emanarão de um “aperfeiçoamento” do sistema burguês nem serão dádivas das classes dominantes, aliás cada vez mais reacionárias.
Tática ampla, firme e flexível
O PCdoB chega ao seu centenário mais maduro e consciente de que a luta pelo socialismo no Brasil não será um caminho em linha reta, nem o resultado apenas da propaganda das ideias socialistas e revolucionárias. Nem muito menos da conciliação de classes. Será uma luta prolongada, que comportará avanços e recuos e exigirá persistente acumulação de forças. É preciso travar muitas batalhas em distintos níveis, elevando em cada uma delas o nível de participação e de consciência política do povo. Os comunistas devem ser capazes de concertar alianças políticas amplas, caracterizar sua atuação cotidiana pelo máximo de flexibilidade e habilidade para atrair mais e mais adeptos e aliados ao projeto de transformação da sociedade. Sem idealizações, é imperativo aceitar os desafios de cada situação política concreta, percorrer com objetividade o curso dos acontecimentos políticos, distinguir com acuidade qual a tarefa principal em cada conjuntura, criar as condições para que as massas façam a própria experiência. Uma tática ampla, combativa, firme e ao mesmo tempo flexível será sempre um bom método a que os comunistas devem recorrer para atingir os objetivos estratégicos.
O pensamento tático e estratégico do Partido Comunista do Brasil foi plasmando-se ao longo do tempo. A visão combativa, ampla e flexível de acumular forças foi desenvolvendo-se em cima das batalhas concretas.
Na luta contra a ditadura, na 6ª Conferência Nacional (1966), realizada em plena clandestinidade, o PCdoB formulou a ideia da “união dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista”.
Quando a ditadura militar assumiu abertamente um caráter fascista e escolheu o terror de Estado como método de guerra contra o povo, os comunistas se alçaram em armas na Guerrilha do Araguaia, mantendo a perspectiva da luta política e de massas. Os documentos emitidos pela Guerrilha indicavam a perspectiva política e de luta de massas dos comunistas naquele momento dramático.
Durante a ditadura militar, que foi a noite dos tempos para nossa Pátria, sob o tacão de generais fascistas, torturadores, opressores e entreguistas, os comunistas, aberta ou clandestinamente, com a cara própria ou mimetizados, nunca fugiram aos embates políticos nem deixaram de ser amplos e taticamente flexíveis.
Ainda no auge do regime arbitrário, sob a presidência do general Geisel, algoz dos comunistas, mandante da operação criminosa que resultou na chacina da Lapa, em cujo governo eram comuns as torturas e os assassinatos de opositores, o Partido abria o caminho da luta política e até mesmo da atuação parlamentar. Sob a orientação do documento “Conquistar a liberdade política, alcançar a democracia popular” (1976), o Partido formulou as bandeiras de luta pela revogação dos atos e leis de exceção, pela anistia ampla, geral e irrestrita e pela convocação da Assembleia Constituinte livremente eleita.
A mesma perspectiva de aplicar uma tática ampla, combativa e flexível para acumular forças esteve presente na luta pelas Diretas Já (1983-1984), no apoio à eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral (1985), no apoio crítico à Nova República (1986), na ação legislativa e nas ruas durante os trabalhos da Constituinte (1987 e 1988), no apoio à nova Constituição, nas campanhas pela eleição de Lula presidente da República (1989, 1994, 1998, 2002 e 2006). E nas campanhas vitoriosas da presidenta Dilma, em 2010 e 2014. Faz parte do positivo balanço da estratégia e tática dos comunistas a ação política durante os governos sob a égide do PT, entre 2003 e 2016.
O Partido Comunista do Brasil segue o caminho da luta pelo socialismo acumulando forças nas novas condições, atuando com os pés bem plantados no chão, mergulhando profundamente no curso político real, incidindo fortemente na conjuntura política, mantendo o rumo estratégico e traçando caminhos viáveis para promover as necessárias rupturas que resultarão nessa revolução política e social, que é um processo político prolongado e não se restringe à adoção de uma determinada forma de luta.
O PCdoB chega ao seu centenário reafirmando as linhas do Programa Socialista. O centro estratégico e tático permanece o entrelaçamento da luta por uma República de Trabalhadores, por um novo regime político, a luta democrática, a luta social, pelo desenvolvimento e a emancipação nacional. O significado essencial e sentido histórico dessa luta é a ruptura com o regime das classes dominantes e o sistema de dominação do imperialismo, abrindo caminho para a conquista do socialismo.
Para isto, é indispensável um movimento de massas forte, uma frente das forças democráticas, patrióticas, progressistas, de esquerda, que reúna os partidos políticos, as personalidades independentes e os movimentos classistas e populares.
Fortalecer o Partido
A celebração do centenário do Partido Comunista do Brasil, para além de uma festa, é a renovação em nível superior da consciência de que na luta pelo socialismo é primordial a existência de um Partido Comunista forte, ligado às massas, especialmente as classes trabalhadoras, um partido com milhões de militantes, dirigidos por quadros experimentados e provados, mulheres e homens forjados na luta do povo. Um partido marxista-leninista, portador de consistência ideológica, capaz de, sem se perder, atualizar-se permanentemente, de compreender e adaptar-se aos novos tempos, que saiba resgatar tudo o que há de positivo no rico tesouro teórico e das experiências revolucionárias históricas no Brasil e no mundo, e submeter os erros a rigorosa crítica. Um partido que compreenda que não há modelos para a construção do socialismo e que o “segredo” de seu êxito consiste em “descobrir” as peculiaridades do país e da situação em que atua. Um partido que não aceita pôr em causa sua identidade comunista em nome da substituição da “forma-partido” pelo “movimento”, ou uma fórmula qualquer de apresentação eleitoral, um partido que, mantendo-se aberto às filhas e filhos do povo, seguirá sendo uma organização de combate pela revolução política e social brasileira. Um partido de militantes organizados, de quadros capacitados e direções com descortino político, firmeza ideológica e lucidez teórica.
Aspecto essencial do pensamento e da ação do PCdoB é a luta persistente para construir um partido comunista organicamente forte, ideológica e politicamente capaz, à altura da sua missão histórica, ligado às massas, em especial aos trabalhadores, um Partido com força militante, influência política ampla, presente nos acontecimentos candentes, dotado de amplo horizonte histórico, cultural e teórico, enraizado no solo nacional, patriótico e internacionalista. Nos idos de 1945 a 1948 construímos um partido com algumas dessas características que tinha, ademais, força eleitoral. Hoje está em curso uma complexa edificação, que necessita de persistência no rumo e constante avaliação, verificação e aperfeiçoamento.
Nesse quadro, tarefa de magnitude é a consolidação do Partido Comunista do Brasil como um partido forte e capaz de dar orientações políticas acertadas. Nada se fará em termos de aprofundamento da democracia, reforço da soberania nacional e realização das aspirações das massas populares sem um Partido Comunista forte no Brasil.
Esta é uma lição da história. Precisamos de um Partido Comunista apetrechado com uma linha política, uma estratégia e tática e autoridade moral para enfrentar os grandes desafios atuais e os que se podem vislumbrar em perspectiva, um Partido para o presente e o futuro, disposto a dar o melhor de si para transformar o Brasil e fazer com que o país avance – num processo complexo de acumulação de forças – para o socialismo, um partido que, sem clichês, mas também sem temor, esteja à altura das tarefas da revolução política e social indispensável para resgatar a dignidade do povo brasileiro, defender a independência da pátria e avançar para emancipação nacional e social.
Por isso, não somos nem devemos ser um partido qualquer, mas um partido com nítida identidade de classe – um partido dos trabalhadores, das massas exploradas e oprimidas da sociedade -, um partido convicto de que por meio da acumulação revolucionária de forças, ainda que prolongada, é possível promover rupturas políticas e sociais e abrir caminho ao socialismo.
Inteiramente voltado para a mobilização política do povo brasileiro, concentrado no seu enraizamento entre as classes trabalhadoras, empenhado nas alianças políticas de cariz progressista, determinado a ampliar suas fileiras com a filiação de ativistas e lideranças, os melhores filhos e filhas do povo, o Partido mantém a sua independência política e ideológica.
Avesso a todo tipo de dogmatismo, esquematismo e cópia de modelos, o Partido reafirma e enriquece a teoria do marxismo-leninismo e do socialismo científico, ao tempo em que se encontra imerso no esforço para conhecer e interpretar o mundo atual e a sociedade brasileira, tal como evolui e se apresenta, sempre com o intuito de transformá-la e de superar revolucionariamente o capitalismo. Sem a referência teórica e ideológica do marxismo-leninismo, seríamos ecléticos, faríamos política às cegas e nos perderíamos na torrente inexorável da luta de classes.
O referencial ideológico do Partido, em todas as ações que realiza, é o ideal comunista, o objetivo socialista e o caráter inapagável da organização partidária. O PCdoB é um partido comunista, revolucionário, portador do ideal comunista, da missão histórica de construir o socialismo. Também, um partido marxista-leninista, de classe, defensor dos interesses fundamentais dos trabalhadores. Um partido anti-imperialista, patriótico e internacionalista. São traços de identidade, portanto indeléveis, insubstituíveis por qualquer arranjo de natureza circunstancial.
A este conteúdo e raízes históricas correspondem a bandeira com sua cor vermelha, o símbolo da foice e do martelo e a sigla PCdoB. São elementos de identidade, inseparáveis e irrenunciáveis da nossa essência e dos nossos objetivos históricos.
Sendo capacitado política, teórica e ideologicamente, o Partido, como forma superior de organização da classe trabalhadora e das massas exploradas e oprimidas, não se confunde com o movimento espontâneo e trata cientificamente da sua estruturação orgânica, da ligação com as massas e da formação e promoção dos seus quadros.
O Partido está chamado a aperfeiçoar seus métodos de atuação e direção, a melhorar o estilo e sintonizar dialeticamente a compreensão sobre as linhas de acumulação de forças. Tendo como eixo a luta pelo socialismo, atuando sobre a realidade concreta, concentra suas energias na luta de massas, nos embates eleitorais e na luta de ideias, sem fetiches, deformações nem unilateralidades arbitrárias e metafísicas. Na história do próprio PCdoB e de outros partidos comunistas, teses sobre supostas “ressignificações do socialismo”, revisões de princípios revolucionários sob o disfarce de “renovação”, negação da “forma-partido”, mudança de nome e de simbologia sempre redundaram no liquidacionismo. É só conferir a trajetória recente dos partidos comunistas no mundo. Todos em que as teses das supostas “ressignificação e renovação” prevaleceram, desapareceram ou mudaram de identidade, transformando-se em linha auxiliar da burguesia. Os partidos comunistas que preservam influência eleitoral e de massas foram os que romperam com os “renovadores”, atualizarem seus métodos sem abrir mão dos princípios.
O caminho de acumulação revolucionária e prolongada de forças não é retilíneo, mas acidentado e escarpado. Percorrê-lo é aceitar as dificuldades da caminhada. Lênin advertiu sobre isso quando dizia aos revolucionários russos que eles não deveriam “se desconcertar pelo fato de que em muitos lugares não acharão nenhum caminho trilhado, mas que terão de se arrastar à beira de um abismo, abrir passagem por bosques intrincados e saltar por cima dos buracos. Não se queixem da falta de caminhos: seriam lamúrias inúteis, pois todos deviam saber de antemão que não seguiam um caminho já explorado, nivelado e retificado” (Em “O programa agrário da social-democracia russa”, março de 1902). Sendo assim, esta caminhada requer visão de longo prazo, convicções arraigadas, determinação e força, qualidades que os comunistas forjam coletivamente, exercendo a crítica e a autocrítica, no âmbito da vida orgânica coletiva e da luta política de massas.
Celebrar o centenário da fundação do Partido é reafirmá-lo e desenvolvê-lo, transformando-o numa poderosa força política capaz de dirigir lutas e incidir sobre os acontecimentos.
É nestes termos que devemos encarar com objetividade e sentido prático a tarefa de mostrar e difundir uma imagem compreensível às grandes massas populares sobre o que é, o que quer e para que serve o Partido Comunista do Brasil. É algo indispensável para que nos façamos entender e ajudemos o povo a assimilar o sentido das transformações históricas que deve empreender para pôr o Brasil na senda do progresso social, da liberdade, da independência, do socialismo.
1958-1962: Página de luta e vitória contra o oportunismo de direita e o liquidacionismo
Para o Partido Comunista do Brasil, a celebração do centenário (25 de março, 1922-2022) é indissociável do 60º aniversário da reorganização revolucionária do Partido (18 de fevereiro, 1962-2022), decidida pela Conferência Nacional Extraordinária, após longa e aturada luta interna. A conferência de 1962 na prática refundou o Partido Comunista do Brasil sobre bases revolucionárias e deu início a um esforço, que se estende até os nossos dias, de formação e consolidação de um núcleo marxista-leninista no Brasil.
O documento aprovado pelo Comitê Central, em 2012, e no ano seguinte pelo 13º Congresso, alusivo ao 90º aniversário da fundação do Partido, situa assim o episódio: “No dia 18 de fevereiro de 1962 realizou-se a Conferência extraordinária que reorganizou o Partido Comunista do Brasil. O evento, aparentemente modesto, revestiu-se de grande importância histórica para o povo e os trabalhadores brasileiros. Tratava-se, naquela ocasião, de reorganizar o Partido que estava sendo ameaçado em sua existência enquanto organização proletária e revolucionária”.
Que significou a refundação do PCdoB em 1962? Essencialmente, foi um episódio decisivo da luta contra o oportunismo de direita, que se expressava no documento conhecido como Declaração de Março de 1958. E contra o liquidacionismo ideológico e orgânico. De acordo com Maurício Grabois, “A Declaração de Março de 1958 não exprime uma política justa, não corresponde aos interesses de classe do proletariado. No essencial, tal documento defende uma linha oportunista de direita”. (“Duas concepções, duas orientações políticas”, publicado na Tribuna de Debates do 5º Congresso, em 1960).
A mesma avaliação foi feita pelo Comitê Central (2012) e pelo 13º Congresso (2013): “A Declaração de Março de 1958 consolidou a guinada reformista da maioria da direção do Partido, pois afirmava que o processo de democratização era ‘uma tendência permanente’ e poderia ‘superar quaisquer retrocessos e seguir incoercivelmente adiante’.”
“A Declaração considerava a burguesia como ‘uma força revolucionária’ e julgava existir a ‘possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução anti-imperialista e antifeudal’ no Brasil.”
Começavam, assim, a ser definidas mais nitidamente duas tendências opostas no interior do Partido: uma reformista e outra revolucionária. Elas iriam se enfrentar duramente nos debates do 5º Congresso do Partido, realizado em 1960.
A celebração do 60º aniversário da conferência que reorganizou o partido sobre bases marxistas-leninistas, tal como a do centenário, chama a atenção para os novos desafios da atualidade. Recentemente, a partir do desaire eleitoral de 2018, surgiram no interior do Partido novas tendências oportunistas de direita e liquidacionistas, tornadas públicas em entrevistas de alguns poucos dirigentes e ocupantes de relevantes cargos institucionais a veículos da mídia nacional e internacional.
Episódios como este, assim como a luta interna entre os anos 1956 e 1962, mostram como tem sido complexa e tortuosa, muitas vezes dolorosa, a luta para fazer vingar no Brasil uma corrente política e ideológica comunista organizada no âmbito de um partido.
A reincidência de uma luta que tem o oportunismo de direita e o liquidacionismo como pano de fundo encontra explicação nas exigências objetivas da luta política e ideológica, na dimensão das tarefas revolucionárias atuais. O repto de firmar no cenário político um partido comunista revolucionário, de classe e convicto da sua missão histórica de derrotar o imperialismo e as classes dominantes retrógradas para abrir caminho ao socialismo no país é cada vez mais agudo e seu enfrentamento ainda mais complexo do que em tempos pretéritos.
Para uma numerosa militância comunista jovem, assim como para os quadros maduros e os dirigentes, celebrar o aniversário da reorganização do PCdoB sobre bases revolucionárias e marxistas-leninistas deve corresponder a um investimento de energias intelectuais, morais e materiais para que este partido se desenvolva e se consolide como uma força de combate pelo socialismo no Brasil, o que significa dizer que terá que ser um partido irreconciliável com as classes dominantes retrógradas, opressoras e entreguistas, antagônico ao imperialismo, um partido de classe, portador das aspirações históricas dos trabalhadores e de todo o povo brasileiro, capaz de sintetizar em plataformas políticas amplas e unitárias as questões emergentes do país, como a nacional, a democrática e a popular, sempre em ligação com a perspectiva socialista. Um partido de todas as lutas do povo brasileiro e nítida identidade comunista.
Estas foram as razões determinantes para a divisão que resultou na existência de duas formações que se reivindicavam como comunistas no Brasil, o PCdoB e o PCB.
Na história do Partido, um divisor de águas importante sempre foi a estratégia e a tática, ou em termos mais simples, a linha política, matéria na qual se acumularam acertos, mas também os mais importantes erros teóricos e práticos dos comunistas. A oscilação entre formulações programáticas adequadas à época e às correlações de força, o “esquerdismo” e o oportunismo de direita sempre puseram em tensão as fileiras partidárias e provocaram grandes cisões.
A ruptura com o revisionismo contemporâneo, fortemente marcada por acontecimentos externos ao país e pertinentes ao movimento comunista internacional, foi provocada principalmente por razões internas, relacionadas com a tática e a estratégia da revolução brasileira e a construção do Partido.
Foi a partir da reorganização revolucionária em 1962 e da experiência acumulada na luta contra a ditadura militar iniciada em 1964, que o partido desenvolveu seus princípios de estratégia e tática e firmou sua linha política.
O núcleo marxista-leninista formado após a conferência de 1962 pelos camaradas João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar e Carlos Danielli dirigiu a formulação de uma estratégia revolucionária, baseada nos princípios do marxismo-leninismo, e de uma tática simultaneamente ampla, combativa e flexível, noções indissociáveis. O Partido aprendeu que era indispensável enraizar-se entre as massas, inserir-se no curso político, enfrentar os grandes e pequenos embates políticos do cotidiano, realizar alianças amplas e acumular forças revolucionariamente.
A evolução do PCdoB não teria sido possível sem a ruptura revolucionária de 18 de fevereiro de 1962.
Em busca da alternativa
Comemorar o 60º aniversário da refundação do Partido Comunista do Brasil sobre bases marxistas-leninistas é se disponibilizar por inteiro a começar uma nova luta por alternativas de fundo, com caráter democrático, nacional e popular, que representem uma ruptura com o estado atual de coisas. Para as forças anti-imperialistas, revolucionárias, progressistas, partidárias do socialismo, trata-se de retomar a luta pelo socialismo nas novas condições do século 21.
O movimento revolucionário vive ainda sob o impacto das derrotas sofridas pelo socialismo no início dos anos 1990, as quais produziram significativa mudança nas correlações de força e debilitaram o fator subjetivo. O começo dos anos 1990 foi marcado pelas derrotas generalizadas da revolução e do socialismo, o que gerou na esquerda um ambiente desfavorável, de desmoralização, descrédito e fracasso. Esse ambiente não está totalmente superado, mas estamos vivendo um recomeço, uma nova transição.
No reposicionamento da luta pelo socialismo, não se pode ser fatalista e captar apenas os sinais da ofensiva reacionária. É preciso perceber as novas potencialidades revolucionárias que estão despertando. O caminho que percorrerá doravante a luta pelo socialismo não será fácil nem retilíneo. Esta luta se confronta em cada momento, em cada batalha, com um colossal sistema de dominação que não cederá pacificamente as suas posições. Se os trabalhadores e os povos querem um novo sistema político, econômico e social, liberdades, soberania e direitos, paz e segurança, terão de encetar a luta política de classes, na qual hão de ter firmeza diante da força, sabedoria em face do engodo, uma elevada consciência política-ideológica, força organizativa, tirocínio tático-estratégico e capacidade de combate em face de inimigos poderosos.
A celebração do 60º aniversário da reorganização do PCdoB sobre bases revolucionárias e do centenário da fundação é uma ocasião propícia para cultivar esses valores e renovar esta disposição de lutar. Isto implica superar debilidades e enfrentar concepções falsas sobre a condução estratégica e tática da luta política de classes, a organização do Partido e da esquerda revolucionária. O elemento fundamental do Partido Comunista e das forças de esquerda consequente é a resistência e a luta transformadora. O fulcro da organização partidária são as classes trabalhadoras, as forças democráticas, patrióticas e populares. Construir organismos de base, antes dos comitês eleitorais, valorizar o militante e o quadro partidário, antes das celebridades “companheiras de viagem” e os “filiados por razões eleitorais”, categoria esdrúxula, dar força aos dirigentes de lutas políticas e sociais, que são lutadores e dirigentes e não cabos eleitorais, assegurar o funcionamento das instâncias partidárias estatutariamente constituídas, e não subordinar o funcionamento do Partido às conveniências de eleitos, titulares de cargos parlamentares e de governos, que aliás não são obtidos por méritos pessoais e sim pelo esforço do coletivo partidário. Assegurar o centralismo democrático, que somente é possível com a disciplina consciente e o funcionamento regular das instâncias, desde a base ao Comitê Central. O eixo da acumulação de forças tem de ser a luta política de massas, à qual deve servir a luta parlamentar e a ação institucional em poderes locais e eventualmente, quando for o caso, no poder nacional.
O Brasil vive sob um regime de extrema-direita antinacional, antidemocrático e antipopular, resultante do golpe de Estado perpetrado pelas classes dominantes reacionárias e o imperialismo por meio de forças políticas reacionárias. Os comunistas e as forças consequentes da esquerda devem apostar na elevação da consciência e da decisão de resistir e lutar do povo brasileiro para retomar o caminho do combate pela edificação de um país democrático, progressista, socialista. Estão na ordem do dia tarefas urgentes entrelaçadas: desenvolver a luta política de massas, forjar a unidade das forças da esquerda consequente, criar uma frente única ampla dos democratas e patriotas suscetíveis de se unir na luta contra o regime de extrema-direita e por mudanças estruturais no país.
Para os comunistas do PCdoB, entre essas tarefas está a de construir um partido comunista, com base militante, estrutura orgânica, capacidade de intervenção política e eleitoral, ligação com as massas trabalhadoras e populares, caráter de classe, densidade ideológica marxista-leninista e perspectiva socialista.
(*) José Reinaldo Carvalho é jornalista, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB e secretário-geral do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz. Foi vice-presidente do partido entre 2001 e 2005