Por Marcos Aurélio Ruy (Foto: The Digital Artist via Pixabay)
Com objetivo de revigorar a luta antirracista, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou em 1966, o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, em 21 de março, data que ocorreu o Massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 1960. Vigorava o apartheid no país, que durou de 1948 a 1994, quando Nelson Mandela (1918-2013) deixou a prisão em 1990 e quatro anos depois era eleito o primeiro residente negro da África do Sul, país de maioria absoluta de negros.
No dia 21 de março de 1960, 20 mil negras e negros desafiaram, em Joanesburgo, a nefasta Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão que continha os locais onde era permitida a sua circulação. Porém, mesmo tratando-se de uma manifestação pacífica, a polícia do regime de apartheid abriu fogo sobre a multidão desarmada resultando em 69 mortos e 186 feridos.
“Muito importante a ONU instituir essa data para manter a memória viva de um dos mais hediondos massacres da história da África do Sul”, argumenta Lucimara da Silva Cruz, secretária de Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Ela referenda a determinação desse dia para “reforçar o movimento antirracista no mundo, ainda mais neste momento em que o racismo e a xenofobia avançam e faz as civilizações retrocederem décadas”.
O movimento negro tem sido muito atuante no Brasil
Lucimara destaca os grandes avanços obtidos com muita luta no país desde o combate ao sistema escravista até a atualidade. “Tivemos grandes avanços com o movimento negro, que mostrou que o racismo é um traço da nossa sociedade de passado escravista”, mas “o capitalismo recicla o racismo para manter a maioria da população á margem da sociedade, longe de uma vida digna”.
Racismo forjado há séculos para justificar a escravidão como afirma o historiador Eric Williams (1911-1981), em seu livro Capitalismo & Escravidão. No Brasil um dos principais nomes do estudo da história das lutas dos seres humanos escravizados foi Clóvis Moura (1925-2003). Moura desmontou a tese de democracia racial defendida por setores da elite brasileira ao desmontar também a tese de uma certa aceitação da escravidão pelos escravizados.
Lucimara ressalta “o reconhecimento do racismo como crime inafiançável e agora também a injúria racial”. Além desses avanços, a sindicalista baiana, ativista em Brasília, destaca a conquista das cotas raciais nas universidades como “muito importante para atingirmos um patamar de oportunidades iguais para todas e todos”. E o resultado das cotas, instituídas em lei em 2012, mas que já vinha acontecendo em algumas universidades públicas pelo país afora, confirmam a sua importância.
Porém – e em se tratando de racismo no Brasil, sempre há um porém –, “o momento que vivenciamos é profundamente crítico”, assinala Lucimara. Porque “essas conquistas todas estão sendo ameaçadas e muitas delas sendo destruídas”.
Fundação Palmares
Basta “analisar a situação da Fundação Palmares, que tem à sua frente alguém completamente avesso às conquistas do povo negro”, afirma Raimunda Leone, secretária-adjunta de Igualdade Racial da CTB. “Ter à frente de um órgão tão importante quem reforça o mito da democracia racial, alguém que descredencia as alegações de racismo no nosso país” e “deslegitima a necessidade de combate ao racismo”, e ainda por cima esse alguém é negro, “obviamente há algo de muito errado nestas plagas”.
Então, “neste momento crítico é necessário que todas e todos negros engajados, não engajados e não negros se unam na luta antirracista”, diz Lucimara. Principalmente, quando “se aproxima a discussão sobre a permanência da Lei de Cotas”. Para ela, “é fundamental a união das forças progressistas e antirracistas para extirpar esse mal da sociedade brasileira de uma vez por todas”.
Justamente quando “as trabalhadoras e os trabalhadores têm seus direitos desconstitucionalizados, ou seja, deixam de ser obrigação do Estado”, “a população negra é a mais atingida pela violência institucionalizada de diversas formas, inclusive com a morte, muitas vezes”.
Sobremaneira, “as mulheres negras com o adoecimento geral, porque saúde não significa apenas bem-estar físico e mental”, de acordo com ela, “é necessário criar um ambiente de bem-estar social para que as pessoas tenham saúde real”. E não se pode “viver bem se temos nossos jovens assassinados todos os dias, se não temos trabalho decente, se as mulheres sofrem todo tipo de violência cotidianamente”.
Povos indígenas
E o racismo não atinge somente as negras e negros, 56% da população brasileira. De acordo com Lucimara, “os povos indígenas enfrentam um ataque sórdido às suas terras, à cultura desses povos e à eliminação de seus direitos a uma vida digna e sem violência”. Por isso, argumenta que “é preciso eliminar o racismo, a xenofobia, a misoginia, a LGBTfobia e todo tipo de discriminação para salvar a humanidade da degradação”.