Em matéria recente publicada pelo Correio Popular, de Campinas, o autor, Paulo Kramer, com base em uma entrevista de uma acadêmica ocidental, classifica a República Popular da China como um “colosso deficitário em soft power”.
De fato, quanto mais o país demonstra suas capacidades perante o mundo, mais recorrentemente surgem artigos diversos apontando falhas no sistema chinês. Não é difícil de encontrar dúzias de materiais no vasto território digital que se debruçam em apontar como o país, supostamente, é deficitário em democracia, em liberdade econômica, em liberdade de expressão, em liberdade religiosa, em diversidade de gênero ou em qualquer outro tema que possa parecer interessante aos olhos da propaganda anti-China.
Nem mesmo os exemplares esforços chineses de contenção da pandemia de Covid-19 escaparam das intransigentes críticas liberais – que, repentinamente, passaram a atribuir o sucesso do método adotado pelo colossal país asiático ao autoritarismo da liderança do Partido Comunista da China. Por outro lado, países como a Nova Zelândia, Coreia do Sul, Austrália e a Noruega – que adotaram medidas tão, ou mais rígidas que a China – são citados como modelos a serem seguidos.
O singelo exemplo pandêmico ilustra como a régua ocidental, além de hipócrita, não serve para medir os acontecimentos dos países emergentes. Ora, nenhum dito “liberal-conservador” chama os EUA de autoritários quando o policial assassina por asfixia o cidadão imobilizado. Não há questionamentos sobre a falta de democracia quando manifestantes políticos são presos no Capitólio. Não há acadêmicos liberais mobilizados para apontar o déficit de soft power quando o exército americano despeja milhões de bombas em territórios estrangeiros.
Tudo não passa de uma questão de perspectiva.
E pela perspectiva chinesa o projeto de soft power, que é amplamente debatido pela liderança comunista, vai além das multimilionárias produções fono e cinematográficas industrializadas sob medida para exportação, ou das infinitas lojas Starbucks e McDonald’s espalhadas pelo mundo. Ainda assim, não é exatamente deficitário neste aspecto: muitas cidades mundo afora contam com as famosas “Chinatowns” – bairros construídos por chineses, sob a arquitetura chinesa e difusores da cultura chinesa –, a culinária chinesa é indiscutivelmente popular nos quatro cantos do mundo e todos, de uma maneira ou de outra, conhecemos personalidades chinesas de sucesso mundial.
Mas o conceito chinês de soft power mira adiante das bilheterias de cinema e dos pratos à base de tofu. Desde 2013, com o anúncio da iniciativa Cinturão e Rota, o soft power chinês tem construído – literalmente – pontes entre os países com o objetivo de promover a amizade entre os povos e a ideologia do futuro compartilhado, ou da “prosperidade comum”, termo cravado por Mao Zedong nos anos 1950 e recuperado em 2021 em reunião do Comitê Econômico do Partido Comunista da China.
Dentre todos os promissores anúncios feitos em benefício da comunidade internacional e de todas as magistrais obras de infraestrutura realizadas sob a liderança da China, a recém-inaugurada ferrovia China–Laos é um emblemático exemplo de quão “macias” são as demonstrações do poderio chinês: para concluir o projeto, a engenharia chinesa passou meio ano limpando bombas que se encontravam no caminho das obras. As bombas não detonadas estavam em solo laosiano em decorrência dos bombardeios promovidos nos anos 1970 pelos EUA, que despejaram mais de 270 milhões de artefatos explosivos no país do leste asiático.
Não há déficit de soft power no projeto chinês que avança a passos largos, sem guerras e agressões. Há déficit na parcialidade e na capacidade dos analistas ocidentais que se recusam a reconhecer, mais uma vez, o sucesso de um projeto liderado pelo Partido Comunista.
* Henrique Domingues é representante Especial do Fórum Internacional dos Municípios BRICS (IMBRICS Forum)