A expressão “fake news” passou a fazer parte do nosso dia a dia, quase sempre usada para identificar uma notícia falsa. Mas por que usar palavras em inglês? Afinal, “boato” ou “mentira” não seriam a mesma coisa? Você sabia que as fake news surgiram como arma de guerra?
Fake news, mentira e boato
Para entendermos bem o que são fake news, vamos comparar com a mentira e o boato.
A mentira é uma história falsa contada de propósito. Imagine a situação: duas crianças brincando quebram o vaso com uma bola. Escondem os cacos e combinam não contar para os adultos. Ao chegar em casa, a mãe pergunta sobre o vaso e as crianças dizem não saber. Essa é uma mentira.
E o boato? Alguns boatos são verdadeiros, outros, falsos. Mesmo antes da internet, histórias já “viralizavam” pelas vizinhanças. Imagine que o evento acima gera um boato, dizendo que crianças da região estão pulando muros, invadindo quintais e quebrando vasos. Perceba-se que há uma mistura de realidade e fantasia nessa história. O que caracteriza um boato não é ser verdadeiro ou falso, mas que se espalhe pela sociedade. A fofoca é o modo mais comum de difusão de boatos. Há boatos que se confirmam como verdadeiros, porque eram fatos não divulgados, outros são fruto de desconhecimento ou até mesmo da maldade da vizinhança.
E as fake news? Assim como a mentira, ela é falsa; assim como o boato, ela se espalha socialmente. Mas há mais coisa: as fake news são cuidadosamente fabricadas com fins políticos ou de guerra e espalhadas de propósito. As mensagens são elaboradas com base em conhecimento de psicologia social, o que maximiza seu efeito e, para espalhá-las, usa-se tecnologia moderna de comunicação.
Fake news surgiram como arma de guerra
Segundo a Rand Corporation, instituição de pesquisa ligada às Forças Armadas dos Estados Unidos, o que caracteriza fake news são: 1) o grande volume de mensagens com o mesmo tema, difundidas por canais diferentes; 2) essas mensagens são difundidas de modo rápido, contínuo e repetitivo; 3) as mensagens não têm conexão com a realidade (é falsa).
O que se ganha fazendo isso? Por que isso é uma arma de guerra? Essas são perguntas muito importantes, pois explicam, justamente, a diferença entre as fake news e uma simples mentira: fake news são parte de uma estratégia. Por meio de fake news é possível fazer um adversário na guerra acreditar que as forças dele são muito menores do que as suas. Se bem utilizada, a técnica pode levar um exército inimigo a se render ou desertar.
Também é possível lançar uma população contra o próprio exército, e vice-versa, criando-se uma guerra civil ou ditadura em território inimigo. Pode-se espalhar fake news contra guerrilheiros, incitando a população a vê-los como perigosos e denunciá-los. Os manuais militares norte-americanos mais antigos que instituem o funcionamento das fake news são da 2ª Guerra Mundial, mas elas também foram extensamente usadas na Guerra Fria na América Latina.
Entre civis, as fake news não são permitidas, por dois fatores: por ferirem a proibição do anonimato, vedado pela Constituição; pelo prejuízo que causa a um adversário, o que pode suscitar processo por danos morais ou injúria. Sabe-se, no entanto, que alguns políticos inescrupulosos descobriram que elas são muito úteis se usadas contra a população, levando-a a decisões que não tomariam, caso não estivessem sob efeito de falsas crenças.
Como faço para identificar e não cair em fake news?
A checagem de fatos é um instrumento que você pode utilizar. Essa notícia foi catalogada como falsa por algum serviço sério de checagem? Caso positivo, pode desconfiar. Porém, o desmentido não é o suficiente nem para caracterizar uma fake news nem para neutralizar seus efeitos.
Outra pergunta que você pode fazer: “Está todo o mundo falando sobre isso, de repente?” Como vimos, o grande volume também é um traço das fake news.
Em terceiro lugar: além de falsa e difundida por todo o canto, a história apela para o lado emocional? É chocante, bizarra, assustadora, nojenta ou gera medo? Diz que algo é perigoso para você, sua casa ou para as pessoas pelas quais você tem afeto ou se identifica? Lembra filmes de terrorismo, da Guerra Fria ou policiais? Mais um ponto para você desconfiar.
A pergunta final, no entanto, para diferenciar sem margem de dúvida uma fake news de um simples boato ou de mero erro de apuração jornalística é: como isso se encaixa numa estratégia para prejudicar alguém? Quem sai ganhando com isso? Qual o objetivo em me enganar? Se você conseguiu responder positivamente a essa última questão, então está comprovado: é fake news.
Agora que você sabe o que são fake news, consegue se lembrar de alguma na qual você caiu? Não se preocupe, relaxe! Todo o mundo já caiu em alguma. O importante é que, agora que você sabe como funcionam, tem maior chance de não cair na próxima.
* José Abílio Perez Junior é secretário-adjunto de Comunicação da CTB-PR