Por Marcos Aurélio Ruy (Foto: Tuca Vieira/Folhapress)
A campanha mundial dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres termina na sexta-feira (10) – Dia Internacional dos Direitos Humanos. Mas, “na verdade a luta das mulheres por uma vida digna e com liberdade não cessa nunca”, garante Beatriz Calheiro, secretária da Juventude Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). “Ainda mais nós que somos jovens”.
Beatriz destaca a importância dessa campanha, que no Brasil se transformou em 21 dias, para incorporar o Dia da Consciência Negra – 20 de novembro – e a luta das mulheres negras por direitos iguais.
“As meninas são obrigadas a se impor desde muito cedo para que suas vidas não se transformem em um verdadeiro inferno”, argumenta.
Ela se refere aos dados escabrosos da violência de gênero no país, onde milhares de meninas com menos de 13 anos são estupradas dentro de suas casas e do crescimento vertiginoso da violência doméstica, “mesmo que as denúncias não estejam sendo notificadas, sabemos que a opressão às mulheres cresceu muito desde a derrubada da presidenta Dilma Rousseff, em 2016”.
Aline Maier, secretária-adjunta da Juventude Trabalhadora da CTB, defende “o trabalho com as famílias, envolvendo toda a sociedade, para que a realidade da violência seja vencida” e, para ela, “as crianças também precisam ouvir, desde muito pequenas, sobre este assunto, para saberem que não é algo ‘normal’ terem a sua individualidade e seus corpos violados”.
E como as pesquisas comprovam que “a maioria os abusos sexuais ocorre dentro de casa com pessoas conhecidas parentes ou amigos da família”, reforça Laura Rodrigues, secretária da Juventude da CTB-SP. Para ela, a principal “ferramenta que podemos utilizar contra o abuso sexual é a conscientização” e “a escola é um espaço muito importante para que a criança entenda as partes do seu corpo e como elas não devem ser tocadas por nenhum adulto de forma sexual”.
Além dessa conscientização, Laura acredita que “a escola também se torna um espaço de denúncia onde a criança, que sofre abuso, percebe que aquilo que acontece com ela é um abuso”, ela “precisa sentir dentro da escola um espaço de acolhimento e de encaminhamento para tirar essa criança do convívio com o abusador”.
O mundo do trabalho também é cruel com as mulheres e com as meninas. Basta ver a diferença crucial entre as taxas de ocupação em 2020. As mulheres tinham 39,7% de presença no mercado de trabalho e os homens 58,1%, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Isso é muito grave, principalmente num país com cerca de 15 milhões de desempregados, aproximadamente 6 milhões de desalentados e mais de de 40 milhões no trabalho informal, sem registro em carteira e sem direitos.
Por isso, “o papel do movimento sindical para mudar essa realidade é essencial”, assinala Aline. Ela defende que, “a escola também tem um papel fundamental” para “conscientizar desde cedo a família toda sobre esta questão” porque “muitos não têm consciência de como é importante buscar mais conhecimento sobre este tema”. Principalmente porque “faz parte da cultura incentivar e colocar as meninas desde muito cedo no trabalho doméstico”.
Laura, que também é ativista feminista e dirigente da CTB Jovem, reforça os argumentos de Aline ao afirmar que “vivemos em uma sociedade patriarcal, onde o trabalho doméstico é geralmente colocado para a mulher como algo natural”, portanto, “desconstruir essa imagem é um dos primeiros movimentos em que devemos investir”.
Porém, diz Laura, “esse é um movimento com resultado a longo prazo e ele por si só não garante que as meninas saiam do espaço doméstico e continuem os seus estudos, apenas iguala as condições para os meninos estarem no mesmo espaço desalentador”.
Ela lembra também que “em uma realidade na qual as mães normalmente precisam sair de casa para trabalhar e sustentar a sua família”, as meninas ficam com “o papel de cuidar dos irmãos mais novos e da casa”, com isso “essas meninas acabam por abandonar ou não conseguir se dedicar integralmente aos estudos, comprometendo o futuro com a dificuldade de se encaixar no mercado de trabalho ou de entrar em uma universidade para continuar os seus estudos”.
Como a crise econômica afeta a maioria das famílias brasileiras, muitas das quais com a mulher tendo a responsabilidade de chefiar o lar, “as mulheres trabalhadoras e as meninas reivindicam o direito constitucional de creches e escolas públicas em tempo integral para que suas filhas e filhos permaneçam em segurança e tenham a possibilidade de um futuro melhor”, argumenta Beatriz.
As meninas, portanto, “querem para o futuro um mundo sem abusos e qualquer forma de desigualdade”, além de terem condições de serem “donas da sua própria vida”, emenda Aline.
“O que nós queremos é muito simples”, diz Laura, “queremos direitos iguais para exercer a nossa individualidade, queremos oportunidades de estudar e exercer a nossa profissão na área que quisermos, queremos o fim da violência contra a mulher. Seja física, psicológica, patrimonial, política de gênero ou sexual”.
“Queremos que nossos agressores e abusadores sejam julgados e presos por seus crimes, queremos que mulheres não sejam mais humilhadas em tribunais como foi Mari Ferrer, queremos que mulheres não sejam mais assassinadas por lutar pelos direitos do povo como Marielle, queremos não morrer em clínicas por tentar interromper uma gravidez que não desejamos”, acentua.
Enfim, define Laura, “queremos que as mulheres possam fazer a luta dos problemas comuns e fundamentais da nossa sociedade. Queremos falar sobre desenvolvimento, sobre emprego, sobre tecnologia, queremos lutar para combater a fome, a falta de moradia, a desigualdade social e todas as injustiças”.
Enfim, complementa, “queremos viver e amar” sempre “em paz, em segurança, com nossa individualidade e dignidade respeitadas”. Porque “nós queremos e merecemos ser felizes”.