Por Marcos Aurélio Ruy
Com abertura neste domingo (31), começa a 26ª Conferência das Partes (COP 26) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow, na Escócia. A COP 26 debate até a sexta-feira (12 de novembro) como salvar o planeta da destruição e os efeitos nefastos causados pela mudança climática, motivada pela ganância do mundo capitalista com total desprezo pela natureza.
As discussões começam sobre a aplicação do Acordo de Paris, firmado por centenas de países, em 2015, cujas metas estão longe de serem cumpridas.
“O problema básico é que as discussões giram em torno de ações empresariais, que são limitadas porque têm maior preocupação em concentração de riquezas do que em preservação ambiental”, argumenta Sandra Paula Bonetti, secretária de Meio Ambiente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag).
Como a música Passaredo, de Chico Buarque, que fala sobre o relacionamento dos seres humanos com a natureza e a importância de se defender a vida
Sandra cita a Carta de Belém, um grupo formado em 2009 com presença de entidades sindicais, do movimento social e ambiental para se contrapor à proposta hipócrita do capital de defesa da natureza e defesa do agronegócio, profundamente nocivo à natureza.
Segundo ela, as entidades representativas da classe trabalhadora defendem “a construção de um novo modelo de produção, distribuição e consumo”. Sempre baseados “no relacionamento harmonioso da humanidade com a natureza”.
Para a necessária preservação ambiental, Thaisa Daiane Silva, secretária-geral da Contag, fala sobre a importância de “termos uma produção baseada na agroecologia e na economia solidária e sustentável”.
E acentua a necessidade de mais “investimentos na produção de energia limpa e renovável e uso racional das riquezas naturais, principalmente da água que é vital para a vida”.
Para tanto, é fundamental “defendermos a reforma agrária como política de reordenamento territorial com produção sustentável, sem a utilização de agrotóxicos”, além disso, “é pra já a demarcação das terras indígenas e quilombolas”, sinaliza Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Agrícolas da CTB e da Contag.
Estudos comprovam a existência de mais de 120 milhões de brasileiras e brasileiros em situação de insegurança alimentar. Um número crescente de moradores de rua, desemprego e total precarização das condições de trabalho e de vida.
O Sal da Terra, de Beto Guedes, canta a necessidade de união das pessoas que vivem do trabalho para “banir do mundo a opressão” e a destruição
Por isso, defende Vânia, a implantação de “um modelo de produção que assegure a soberania alimentar, tão defasada no país”, além de”garantir moradia, educação, saúde, acesso à cultura, esporte e lazer para a vida ser mais saudável”.
Para isso, “é necessário barrar a destruição das florestas e entender a água como um bem da humanidade”, defende Sandra. Ela destaca também um consumo sustentável das pessoas para a produção de menos lixo. “Precisamos aprender a consumir com base no que precisamos, sem consumo exagerado e desnecessário”.
“Os efeitos da devastação ambiental com o aumento expressivo de queimadas e desmatamento são sentidos nas tempestades e alagamentos nas grandes cidades”, além “do ar ficar praticamente irrespirável pela existência de um número excessivo de carros e falta de controle das chaminés das indústrias”, reforça. “Os desastres naturais são motivados pela destruição da natureza”.
Soma-se a isso “a falta de cuidados para evitar a contaminação dos rios, a grilagem de terras, a invasão de terras indígenas e o uso excessivo de agrotóxicos” por causa da “produção monocultora, principalmente de soja, com vistas à exportação”, acentua Thaisa.
Para que não seja tarde demais, para Vânia, “a COP 26 deve reforçar o compromisso de todas as nações em salvar o planeta para a humanidade” o que significa “combater a concentração de terra e de propriedades” e com isso “termos um consumo regulado pelo bem-estar comum”.
Ela reforça ainda que “o governo brasileiro promove um desmonte das políticas de defesa ambiental, direitos sociais e individuais com uma política ultraliberal avançando sobre os territórios e expulsando as pessoas de suas casas por causa do empobrecimento e da volta do Brasil ao Mapa da Fome”.
Sandra aponta que o avanço da pobreza é “um instrumento do atual estágio do capitalismo e aprofundamento da crise com ampliação da concentração de propriedades e de milhões de pessoas sem moradia, sem trabalho, sem renda ou forçadas ao trabalho precarizado”.
Por isso, o grupo Carta de Belém propõe que a COP 26 dê “um passo definitivo para cristalizar a complexa arquitetura de governança ambiental”. Mas se “as políticas estabelecidas não saírem do papel e não contemplarem toda a humanidade, nunca sairemos dessa situação degradante e não sobreviveremos”, define Thaisa.
Lembrando que no Brasil, o 1% mais rico tem a mesma riqueza que os 50% mais pobres e 6 bilionários possuem o mesmo que 100 milhões de pessoas, como mostra estudo da Oxfam Brasil.
“Fala-se muito num ‘novo normal’ após a pandemia”, assinala Sandra, mas “esse novo normal deve ser o da distribuição de riquezas, da produção sustentável, da segurança alimentar com alimentos saudáveis e de investimentos em qualidade de vida, com respeito à dignidade humana”.
Como aponta a Carta de Belém “’em nome do clima, uma série de agendas e mecanismos atendem aos interesses de atores nacionais e internacionais e vêm causando impactos avassaladores na expropriação e espoliação de territórios, apropriação de recursos naturais, na violência real e simbólica sobre populações e modos de vida.”
Para salvar o planeta, os signatários da Carta de Belém propõem:
● Os mecanismos de mercado criados para a redução das emissões de gases de efeito estufa, representam um processo histórico de reconfiguração das formas de acumulação e promovem nova reengenharia global da economia em nome do clima.
● Somos contrários à introdução das florestas, ecossistemas e da agricultura em mecanismos de mercado de carbono e rechaçamos a promoção de instrumentos do mercado financeiro como meio prioritário para financiar a ação climática dos países.
● Denunciamos que o conceito muito popularizado de emissões líquidas zero (Net-zero) encobre mecanismos de compensação (offset) que perpetuam injustiças e atentam contra a integridade ambiental;
● Rechaçamos as novas dinâmicas de espoliação promovidas sob a alcunha de Soluções Baseadas na Natureza que criam novas cercas aos espaços de vida, reduzindo a “natureza” à prestadora de serviços para o proveito de empresas e mercados.
● Enfatizamos a defesa de um projeto político para a Amazônia, construído para e com os povos amazônidas, respeitando os seus modos de vida, criar e fazer.
● Afirmamos que soluções efetivas para redução das emissões dos gases de efeito estufa residem na demarcação de terras indígenas e quilombolas; e na defesa das terras coletivas e dos direitos territoriais;
● Defendemos o protagonismo dos povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e camponeses/as para a conservação dos territórios, da biodiversidade e dos bens comuns;
● Trabalhamos para o fortalecimento de iniciativas agroecológicas, que contribuem para a conservação da sociobiodiversidade, encurtamento dos circuitos de comercialização e a soberania alimentar.
● Consideramos que é preciso discutir amplamente o caminho para uma Transição Justa e Popular, conforme a qual uma economia mais integrada e consciente dos limites da natureza não acirre a já dramática situação de desemprego e restrição da renda de famílias da classe trabalhadora.