Por Vladmitir Nepomuceno
Apesar de há quase um mês de aprovada na Comissão Especial e sem votos para aprovação em plenário, os defensores da reforma administrativa ainda não desistiram.
O isolamento de Lira
Mais uma vez, agora em entrevista à revista Veja, repercutida pelo jornal Folha de São Paulo na segunda-feira, 18 de outubro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL) reclamou da falta de esforço do governo para aprovação da reforma administrativa, a PEC 32/20. Além do governo, Lira também reclama da falta de apoio de outros atores, tão responsáveis pela reforma administrativa quanto o governo: a imprensa e o que ele chama de “setores”, que bem sabemos se tratar do mercado financeiro.
“Falta tudo, falta mobilização de quem defende, falta o governo agir mais fortemente com relação à (reforma) administrativa e falta a gente ter apoio de setores, e a imprensa é muito importante nisso, para se esclarecer”, disse Arthur Lira à revista Veja, segundo a Folha.
Mais adiante, na mesma matéria, o presidente da Câmara, assumindo que decidiu sozinho seguir a tramitação da reforma, inclusive usando de inabilidade ao forçar a substituição de membros da comissão especial, diz: “Eu posso dizer que o governo federal está fazendo esforço em relação à reforma administrativa? Não está. Foi uma decisão do Congresso em tocar, em andar, em desenvolver”.
A matéria também tem dois pontos que chamam atenção. O primeiro é o reconhecimento da dificuldade de votação ainda este ano, devido à falta de votos favoráveis ao texto em número suficiente para aprovação e à proximidade cada vez maior das eleições de 2022, onde além do presidente da república, estarão sob escrutínio cem por cento das vagas para a Câmara dos Deputados e um terço das vagas do Senado Federal.
Ministério da Economia vai tentar “contornar” a PEC da reforma administrativa
A outra questão, não menos importante, é o monitoramento que estaria sendo feito pelo Ministério da Economia, representante do mercado financeiro nesse condomínio que é o governo Bolsonaro, que, defendendo a aprovação do que chamam de “estrutura principal do texto”, “avalia a possiblidade de retomar por meio de MP (medida provisória) pontos da proposta que ficarem pelo caminho”.
As negociações prosseguem
Já o deputado Fernando Monteiro (PP-PE) em entrevista publicada no site O Brasilianista, na terça-feira, 19 de outubro, disse que estaria sendo feita uma “costura” para votar a PEC 32/20 em plenário. Disse também que acredita que “a partir do dia 20 de outubro para o começo de novembro, a gente já começa a ver o dia de levá-la ao Plenário”.
Questionado sobre a chance de votar a PEC, entre baixa, média ou alta, o deputado Fernando Monteiro, que presidiu da comissão especial que analisou a PEC 32, se declarou animado e acha que a chance de votar a PEC em plenário ainda este ano seria média.
Quanto às dificuldades, o deputado Fernando Monteiro disse que a principal resistência estaria no artigo 37-A (que libera a entrega de praticamente todo o serviço público à iniciativa privada). Disse ainda o deputado que se declara contrário a esse artigo (37-A) e que, segundo ele, poderia ser retirado. Com isso, segundo o parlamentar, haveria a possibilidade de acordo, o que facilitaria, na sua opinião, a votação da reforma administrativa em plenário. Esperamos não precisar conferir.
O jogo ainda não está ganho, nem perdido
O que se pode depreender das duas entrevistas, mais o que diz a Folha de São Paulo, é que negociações com vistas a levar a PEC 32/20 ao plenário da Câmara existem. Seja com as cobranças de Arthur Lira em relação à falta de apoio do Executivo, o autor formal da proposta, seja questionando a ausência de empenho dos representantes do mercado financeiro, ou através das conversas com parlamentares na Câmara dos Deputados, como afirma o deputado Fernando Monteiro. As bases dessas negociações não estão claras para o público, mas que existem, existem.
Outro ator que merece ser acompanhado de perto é o Ministério da Economia, que, segundo a matéria da Folha, pretende usar de meios infraconstitucionais, como MPs, por exemplo, para fazer avançar o desmonte do serviço público.
Também merecem atenção as jogadas oportunistas dentro do próprio Congresso, como a tentativa de aprovar na Câmara, sem chamar atenção, projetos como o PL 6047/16, de autoria da Comissão Especial para o Aprimoramento do Pacto Federativo 2015, do Senado Federal, que havia chegado à Câmara em 2016 e propunha a obrigação de contratação de temporários em contratos de gestão da administração pública. Felizmente o projeto foi rejeitado pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados.
O que fazer
Por via das dúvidas, o melhor a fazer, no momento, é seguir a pressão aos deputados em suas bases eleitorais e nos aeroportos dos estados e de Brasília, a fim de garantir que a PEC 32/20 não vá a plenário este ano, o que garantiria a não votação até as eleições do próximo ano.
Junto a isso, as entidades precisam, independente da tramitação da PEC 32/20, montar um processo de acompanhamento das ações do governo, em especial do Ministério da Economia, além de acompanhar a tramitação de proposições nas duas Casas do Congresso Nacional que possam, de alguma forma, contribuir para o projeto de desmonte dos serviços públicos.
Em se tratando de reforma administrativa, é ficar com um olho no peixe e o outro em vários gatos.