Após seis meses de trabalho, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado deve terminar no próximo dia 20, com a votação do relatório final, a cargo do senador Renan Calheiros. “Não vamos falar grosso na investigação e miar no relatório”, prometeu Renan, na terça-feira (5), ao declarar que a CPI vai, “com certeza”, pedir o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro.
Se depender da vontade do relator, Bolsonaro deve ser responsabilizado por todo e qualquer crime que os senadores puderem apontar com base na longa apuração. “Utilizaremos os tipos penais do crime comum, do crime de responsabilidade, do crime contra a vida, do crime contra a humanidade – e estamos avaliando com relação aos indígenas a utilização do genocídio”, listou Renan, na terça.
Já na sessão desta quinta-feira (7), foi a vez de o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) enumerar os crimes de Bolsonaro na pandemia. Com o País se aproximando dos 600 mil mortos por Covid, Contarato declarou: “O presidente é responsável por ação e por omissão – por dolo direto ou indireto, quando se assume o risco”. O senador explicou:
“Temos fatos. O presidente apostou no tratamento precoce – crime de charlatanismo. Fato, o presidente apostou na imunidade de rebanho – crime de pandemia qualificada, crime hediondo. Fatos: os ministros da Saúde não tinham autonomia, tinha gabinete paralelo – crime de usurpação da função pública. A CPI da Covid provou que o governo federal recusou 130 ofertas da Pfizer – crime de prevaricação. A CPI está provando irregularidades no contrato da Covaxin – corrupção passiva. A CPI provou de forma contundente que o presidente não faz uso de máscaras e é contra distanciamento social – crime previsto no Código Penal de infração administrativa”.
Não há consenso, porém, entre o conjunto de membros da comissão. Uma voz ligeiramente divergente de Renan e Contarato, mas respeitada na CPI, é a do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), delegado de origem. Para o parlamentar, apesar das recentes revelações do caso Prevent Senior, faltam elementos para acusar o presidente dos crimes de charlatanismo, curandeirismo e propaganda enganosa, todos previstos no Código Penal. Ainda que o Bolsonaro tenha defendido o uso de medicamentos como a cloroquina e a ivermectina para o combate à Covid,
“A minha preocupação é garantir que se tenha objetividade e uma tipificação técnica. Quando se alega o crime de charlatanismo, não tem base”, declarou o senador à CartaCapital. “São detalhes, mas nada tão grave que configure omissão por parte daquilo que o relatório está falando.”
Por isso, Vieira quer expor seus pontos de vista à CPI antes da apresentação do relatório, prevista para 19 de outubro. A seu ver, o documento deve ficar o mais próximo do objetivo central da comissão – ou seja, apontar as omissões do governo na crise sanitária, frisando os crimes contra a saúde pública. É o caso da chamada “infração de medida sanitária preventiva” – Bolsonaro, reiteradas vezes, desobedeceu à “determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
Além disso, o senador do Cidadania cita dois crimes. “O presidente cometeu crime comum, contra a saúde pública, pois houve o descumprimento de medidas de restrição sanitárias. Há o crime de responsabilidade na medida que ele negou acesso pleno à saúde e fez isso de forma deliberada. E tem o crime contra a humanidade, que está no artigo 7º do Estatuto de Roma, que trata da prática que gerou uma lesão ampla em relação à comunidade brasileira.”
Outra dúvida é sobre o possível indiciamento de Bolsonaro por “falsificação de documento público”. Em junho, o presidente apresentou um falso estudo para supostamente provar que ao menos metade das vítimas de Covid no Brasil teriam morrido de outra causa. O autor do texto, o auditor Alexandre Costa Marques, do TCU (Tribunal de Contas da União), disse que o estudo era preliminar e que seu conteúdo teria chegado por acaso às mãos do presidente – o pai do auditor é amigo de Bolsonaro. Porém, Alexandre não conseguiu explicar por que o arquivo contava com o logotipo do TCU), sugerindo que o Planalto teria adicionado a marca por conta própria.
Seja qual for seu conteúdo, o relatório final da CPI da Covid pode ser decisivo para o impeachment do presidente. Uma vez aprovado, o texto deve ser encaminhado à PGR (Procuradoria Geral da República). Nesta semana, por sugestão da senadora Zenaide Maia (Pros-RN), membros da CPI concordaram em instituir um “observatório parlamentar” para cobrar ações da Justiça contra Bolsonaro.