Reconhecendo que a PEC 32/2020, a chamada “reforma administrativa”, não tem os 308 votos necessários para aprovação em plenário e que o tempo acordado com empresários e mercado financeiro vai vencer mais uma vez, a equipe do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL) já teria comunicado a área econômica do governo da necessidade de negociar a liberação de emendas parlamentares não impositivas, que não têm sua execução obrigatória no Orçamento da União, para tentar atingir os votos necessários a aprovação da proposta.
Os valores estariam em R$ 20 milhões por deputado, o que, já estimado, daria a “bagatela” de R$ 6,16 bilhões do dinheiro público para tentar garantir os votos necessários a aprovação da reforma. A verba seria liberada através de recursos de emendas do relator do PLOA/2022 – Projeto de Lei Orçamentária para 2022, o deputado Hugo Leal (PSD/RJ). Os possíveis agraciados seriam deputados do Centrão e da base do presidente da república.
No entanto, em conversa com lideranças na Câmara, Arthur Lira tem ouvido que, mesmo com a liberação de verbas, é muito difícil a aprovação da PEC. Isso, porque há o risco real de não reeleição de parlamentares que votarem favoráveis ao texto, considerando a grande presença de servidores públicos em suas bases eleitorais, principalmente municipais e estaduais. Muitos lembram a campanha contra a reeleição de alguns parlamentares que votaram a favor da reforma trabalhista de Temer, como foi o caso do relator da proposta na Câmara, o agora ex-deputado Rogério Marinho, do Rio Grande do Norte, que não conseguiu se reeleger, ganhando o cargo de ministro de Bolsonaro como prêmio de consolação.
Além disso, há algumas incertezas dos dois lados, pagador e recebedor. Do lado pagador a ideia é, considerando a possibilidade de traição na hora do voto, liberar o dinheiro apenas após a confirmação da votação de cada deputado nos dois turnos necessários para concluir o processo na Câmara e enviar o projeto ao Senado. O que, obviamente, não garante a aprovação naquela Casa. Do lado dos deputados fica a pergunta: e se o deputado aceitar se expor, votar favorável ao texto e, mesmo assim, a reforma não for aprovada? Haveria a garantia do pagamento? Afinal, ninguém cochila em ninho de cobras.
Há também deputados que alegam que os R$ 20 milhões, recebidos uma única vez, não pagam o prejuízo de um mandato perdido. Outros parlamentares da base de Bolsonaro entendem que a aprovação da PEC seria prejudicial à reeleição do presidente da República.
Outra preocupação dos parlamentares é referente ao fato de o governo Bolsonaro não ter honrado compromissos assumidos anteriormente, o que poderia ocorrer mais uma vez.
O que se sabe é que, mesmo com a promessa de liberação de verbas em troca de votos, a aprovação da PEC 32/2020 na Câmara ainda não teria garantia de sucesso.
Uma coisa é certa, a pressão das entidades de servidores públicos federais, estaduais e municipais tem sido decisiva para que o número de deputados favoráveis não chegue ao necessário para sua aprovação. Estamos vendo a maior campanha do funcionalismo público há anos. Há quem afirme que nunca se viu uma unidade de ação tão grande entre servidores dos três poderes e das três esferas de governo. Soma-se a isso a crescente presença de entidades representativas de outros setores, como estudantes, trabalhadores do setor privado e do movimento comunitário, que também serão duramente atingidos pela reforma, se aprovada. Essa situação, aliada à proximidade cada vez maior das eleições de 2022, faz com que muitos parlamentares pensem duas vezes antes de se posicionarem em relação à votação da PEC 32 em plenário.
O desgaste da dupla Lira/Guedes
Tanto Arthur Lira, quanto Paulo Guedes estão muito preocupados com o caminhar da reforma administrativa. Ambos estão na iminência de não cumprirem o prometidos a quem muito contribuiu para que ambos estivesses onde estão, o mercado financeiro e o grande empresariado. Por mais de uma vez, em eventos promovidos por veículos da grande imprensa ligados a esses dois setores, tanto Arthur Lira, como Paulo Guedes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), garantiram a aprovação das reformas e prometeram sua aprovação, incluindo a definição de períodos para a entrega, o que repetidas vezes teve que ser refeito.
No caso de Arthur Lira, a aprovação da PEC 32/2020 virou questão de honra, o que ficou demonstrado na manobra de baixo nível operada na comissão especial que aprovou a PEC à custa, inclusive, do descumprimento do regimento da Câmara dos Deputados, o que só serviu para deixar mais exposta a fragilidade da proposta e a não garantia da aprovação em plenário e a inabilidade do presidente da Câmara em dar trato político a questões mais delicadas. Se a PEC 32 não for aprovada, o risco de perda de credibilidade de Lira para tentar a sua recondução no início da próxima legislatura é grande. Ele sabe o peso da carga que assumiu sem ter avaliado todos os fatores envolvidos.
No caso de Guedes, a prática de discurso que não se cumpre é conhecida e crescente perante a cúpula do mercado financeiro. A agenda neoliberal prometida não chegou nem perto do anunciado pelo então “posto Ipiranga”. Mesmo o texto original da PEC entregue pelo governo à Câmara foi considerado ruim pelos representantes do senhor mercado, sentimento que se agravou como o substitutivo aprovado pela comissão especial, a ponto de porta-vozes do neoliberalismo chegarem a propor a retirada dessa PEC e a construção de outra proposta a ser encaminhada na próxima legislatura. Para o ministro é fundamental a aprovação da reforma administrativa para tentar dar alguma credibilidade e fôlego a ele e sua equipe no último ano de mandato do atual presidente.
Por fim, alguns deputados contrários à PEC 32/2020 dizem que o ideal seria que a PEC fosse levada ao plenário e derrotada no voto. Mas, o risco de traições e de venda de votos faz com que outros deputados, também contrários à PEC 32/2020, defendam que seja mantida a pressão popular contra a reforma nas bases e em Brasília, levando o presidente da Câmara, Arthur Lira, a arquivar o projeto, reconhecendo a sua derrota e do governo Bolsonaro, com seu ministro da Economia. Essa seria, na minha opinião, a saída mais garantida e que daria a força e a unidade que o movimento sindical dos servidores precisa para se recuperar, junto com defesa do serviço público, dos ataques que vem sofrendo desde a volta dos neoliberais ao governo em 2016.
Mantendo a pressão e a mobilização, é grande a possibilidade de impormos essa derrota aos defensores da reforma administrativa. O momento é crucial.
É extremamente importante que seja denunciada a tentativa de, mais uma vez, comprar votos de parlamentares com dinheiro público, no caso R$ 6,16 bilhões, enquanto, no mesmo orçamento para 2022, são gigantes os cortes de verbas para a saúde, educação, assistência às famílias mais necessitadas em tempos de recordes de desempregados e de miseráveis, além da pesquisa científica, do aperfeiçoamento do ensino, das bolsa de pós-graduação, entre outras política públicas. Não podemos deixar de denunciar mais essa farra com o dinheiro público, enquanto o presidente veta a distribuição pelo SUS de absorventes para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua, entre outra aberrações do atual governo.
Vladimir Nepomuceno