Por Marcos Aurélio Ruy (Arte: MST)
Neste domingo (19), é celebrado o centenário de Paulo Freire, pedagogo e filósofo. Ele criou o verbo esperançar, para reforçar a necessidade de crença no futuro da humanidade.
Não à toa Pedagogia do Oprimido (1970) está entre os 100 livros mais lidos do mundo. Porque Paulo Freire está entre os pensadores mais respeitados, justamente porque parte da premissa de uma educação voltada para a liberdade e o respeito à dignidade humana.
O Patrono da Educação Brasileira (Lei nº 12.612, sancionada em 2012) nasceu em 19 de setembro de 1921 e faleceu em 2 de maio de 1997, antes, portanto, do país ter o privilégio de vê-lo como ministro da Educação no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003.
Somente os paulistanos tiveram o privilégio de ter Paulo Freire como secretário de Educação na administração municipal de Luiza Erundina, de 1989 a 1993, cargo exercido por ele até 1991. O bastante para fazer a diferença com uma gestão amplamente democrática e voltada para o povo.
Mas o seu trabalho foi o suficiente para despertar o ódio na burguesia, que ate ´hoje defende o que Freire chamou de “educação bancária” para as filhas e filhos da classe trabalhadora, ou seja uma educação tecnicista com objetivo de reduzir os horizontes e perspectivas de quem vive do trabalho.
“Paulo Freire é o maior contraponto à escola defendida pelo Ministério da Educação do atual governo federal”, argumenta Arielma Galvão dos Santos, secretária adjunta de Políticas Educacionais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e diretora de Educação da APLB – Sindicato, na Bahia.
Porque “a pedagogia dele tem como base a liberdade, a leitura do mundo”, em suma, “é educação para transformar as pessoas, que transformam a sociedade para a construção de um mundo com equidade e respeito aos saberes diversos”.
Assista Paulo Freire, um Homem do Mundo, de Cristiano Burlan
Francisca Pereira da Rocha Seixas – a Professora Francisca –, secretária adjunta de Finanças da CTB e diretora de Assuntos Educacionais e Culturais da Apeoesp e secretária de Saúde da CNTE, explica que “a prática didática de Paulo Freire tem como base a valorização do educando, observando a realidade da comunidade a qual os estudantes se inserem e a partir disso construir novas formas de conhecimento na base do diálogo e de troca de saberes”.
Os docentes, portanto, não devem ser vistos como exclusivos detentores do conhecimento para depositá-lo na cabeça dos educandos. Justamente porque Freire “propõe uma reflexão diferente não somente do conceito de educação, mas principalmente do papel do educador no processo que ele chama de um processo de emancipação”, define Sara de Castro Cândido, secretária de Formação da CTB-GO.
Assim, “enquanto a missão da ’educação bancária’ é eliminar a capacidade crítica dos alunos e acomodá-los à realidade. A ‘educação problematizadora’ quer despertar a consciência dos oprimidos, inquietá-los e levá-los à ação (libertação)”, salienta Sara.
Para Helmilton Beserra, presidente da CTB-PE e do Sindicato dos Professores de Pernambuco, “a diferença entre o Método Paulo Freire e a escola as políticas propostas que o atual governo preconiza é crucial” porque a do governo federal é “uma escola antidemocrática, militarista e excludente”.
Já a proposta de Freire “é uma escola para todas e todos, exaltando a democracia em todos os espaços da escola, principalmente em sala de aula, local que congrega sujeitos de conhecimento, para aprender, para conhecer e transformar sua realidade e nela intervir como cidadãos de direitos”, diz Helmilton.
Ouça Esperançar por Esse Chão, de Anabela e Edu de Maria
Por isso, despertou ódio nos setores conservadores da sociedade, sendo preso e exilado durante a ditadura (1964-1985). Voltou ao Brasil somente com a conquista da anistia, em 1979.
No exílio, não parou de pensar e produzir suas obras essenciais para uma educação voltada à liberdade e emancipação da classe trabalhadora através do conhecimento. Atualmente sofre ataques persistentes dos setores mais enfurecidos da extrema-direita.
Justamente, explica Sara, porque quando “a classe trabalhadora passa a ter acesso à educação libertadora, passa a questionar o sistema, o mundo. Aí as pessoas passam a ser promotoras da sua própria transformação”. Porque Paulo Freire “partia da perspectiva de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra e ambos são complementares”.
Claudete Alves, presidenta do Sindicato dos Educadores da Infância de São Paulo (Sedin) e dirigente da CTB, acrescenta que “essa pedagogia proposta estimula o exercício da cidadania, a cobrança de direitos e obriga a reflexão sobre a realidade e como transformá-la”.
Para ela, “em sociedades como a nossa, o Método Paulo Freire é o ideal, pois, possibilita através dos saberes individuais e das experiências coletivizar práticas entendedoras e produtoras de novos conhecimentos”.
BNCC é castradora
O problema é que a Base Comum Nacional Curricular (BNCC) proposta desde a gestão de Michel Temer cria um distanciamento dos estudantes em relação à escola porque padroniza o currículo, desconhecendo a diversidade cultural e social do país.
“Um absurdo, com tantas diferenças, com tamanha diversidade, querer unificar o currículo significa querer desconstruir a perspectiva de conhecimento do mundo, como preconiza Paulo Freire”, diz Sara.
O pedagogo do oprimido sempre defendeu que “nenhuma pedagogia que seja verdadeiramente libertadora pode permanecer distante do oprimido, tratando-os como infelizes e apresentando-os aos seus modelos de emulação entre os opressores. Os oprimidos devem ser o seu próprio exemplo na luta pela sua redenção”.
Essa forma de encarar a educação, “é a causa dos ataques recentes a Paulo Freire, inclusive tentando tirar dele o título de Patrono da Educação Brasileira”, ressalta Professora Francisca. Principalmente, porque “o presidente Jair Bolsonaro defende o método de alfabetização por meio da decoração de meros símbolos gráficos, não despertando um interesse maior pelo estudo e não se aprendendo a ler com senso crítico”.
O pensador e pedagogo se destacou a partir de suas primeiras experiências no Rio Grande do Norte, em 1963. Ele ensinou 300 adultos a ler e a escrever em 45 dias. Esse seu método foi adotado em Pernambuco e posteriormente pelo então presidente João Goulart. Nascia um Plano Nacional de Alfabetização para a formação de educadoras e educadores em massa e a implantação de milhares de círculos de cultura no país, revelam historiadores. Esse plano foi abortado pelo golpe de 1964.
Justamente porque o “no seu método aprendemos o quanto é significativo vivenciar não só o processo de ensinar a ler e a escrever, partindo da realidade em que vive o estudante, qualquer que seja o processo educativo”, reforça a professora Rilva Uchôa, especialista em Paulo Freire.
Para ela, o pensador “nos presenteou com a pedagogia da autonomia que aponta como desenvolveremos uma prática educativa, confrontando os diferentes saberes e opiniões acerca da realidade e explorá-la para se transformar em conhecimento, com intervenção desses estudantes em qualquer momento”.
Já Claudete assinala que, inclusive na educação infantil, a pedagogia de Freire é importante. “Temos a fase das descobertas, das interações iniciais fora do ambiente privado”, na educação infantil e “o lúdico e a lógica neste momento do desenvolvimento humano, as práticas ensinadas por Paulo Freire querendo alguns ou não habitam esses territórios” porque “os saberes, o despertar e o desenvolvimento são construídos partindo do concreto onde mesmo a fantasia e os encantamentos observados são reais”.
Assista As 40 Horas de Angicos, produção do Serviço Cooperativo de Educação do Rio Grande do Norte, Roteiro de Luiz Lobo
Porque, como explica Arielma, Freire elaborou uma pedagogia a favor de “uma educação que promove espaços para as vozes ecoarem livremente, para que as pessoas se sintam representadas e também se apresentem e representem e assim fortaleça as suas identidades”.
Rilva acentua que “Freire defendia uma proposta pedagógica que na relação educador e educando não há quem saiba mais”, porém, “existem sabedorias diferentes que precisam ser dialogadas e confrontadas por uma atitude de compromisso do educador em respeitar essas diferenças” e nessa “escola não se aprende só para se fazer provas, mas para se transformar em sujeitos capazes de aprender e ao mesmo tempo ensinar”.
O próprio Paulo Freire define a sua pedagogia ao afirmar que “a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.
Portanto, celebrar o centenário de um dos mais importantes pensadores do século 20, “significa sobretudo refletir sobre não só os atuais modelos propostos para a educação, mas sobre a necessidade de se resgatar essa perspectiva de uma educação que de fato seja emancipatória e libertadora”, define Sara.