O substitutivo da PEC 32 mantém o objetivo de destruir os serviços públicos. É preciso derrotá-la

Por Vladmir Nepomuceno

Às vésperas de completar um ano da apresentação à Câmara dos Deputados foi apresentado o parecer do relator da PEC 32/20 na Comissão Especial, deputado Arthur Maia (DEM/BA). Vale lembrar que a PEC foi protocolada em 3 de setembro de 2020.

Lembro ainda que, no dia da entrega do projeto na Câmara dos Deputados, os representantes do Ministério da Economia lembravam ser essa PEC a primeira etapa da reforma administrativa, havendo mais duas etapas a serem encaminhadas ao Legislativo, tão logo seja promulgada a nova emenda constitucional, compostas de projetos de leis complementares e ordinárias, já em elaboração nos órgãos do Executivo.

Há um ano o secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Caio Mario Paes de Andrade, disse que a PEC era a continuação da Emenda Constitucional 19/98, a reforma administrativa de Fernando Henrique Cardoso. Isto se confirmou pelo conteúdo apresentado e por declaração do relator em seu voto, como veremos.

O parecer do relator, disponibilizado em 31 de agosto, em forma de substitutivo global ao texto original, foi anunciado em pronunciamento, disfarçado de entrevista coletiva, pelo presidente da Câmara, Deputado Arthur Lira (PP/AL), o presidente da Comissão Especial, deputado Fernando Monteiro (PP/PE), além do próprio relator. Essa “pompa” tinha motivos claros.

Em primeiro lugar, os três parlamentares tinham, e ainda têm, o compromisso de aprovação da PEC ainda em setembro na Câmara dos Deputados, acertado com representantes do mercado financeiro e das oligarquias tradicionais brasileiras.

Esse posicionamento ficou claro em eventos, como o “Fórum Estadão Think sobre a Reforma Administrativa”, organizado pelo jornal O Estado de São Paulo, realizado em 3 de agosto deste ano, com a participação, além de Arthur Lira e de Arthur Maia, também de Ana Carla Abrão Costa, sócia nas práticas de Finanças & Risco e Políticas Públicas e head da Oliver Wyman no Brasil (uma das articuladoras da PEC e ex-assessora de Paulo Guedes), de Caio Mario Paes de Andrade, secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, e Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), tendo o presidente da Câmara reiterado, na oportunidade, seu compromisso com o calendário. Daí a importância do pronunciamento público. Era prestação de contas.

O segundo objetivo era dar à grande imprensa material de propaganda para fazer frente à mobilização e às denúncias feitas pelo movimento sindical de servidores quanto aos malefícios, não apenas aos servidores, mas a todo o povo brasileiro com a destruição de muitos serviços essenciais caso seja aprovada a proposta de alteração constitucional.

O terceiro motivo, fundamental em momento de disputa de votos para garantir a aprovação em plenário da PEC 32, era tentar vender o substitutivo como uma acordo possível entre todos os setores envolvidos no debate, incluindo servidores, especialistas e cientistas sociais, além dos porta-vozes do mercado financeiro e das oligarquias, travestidos, durante as audiências públicas, de representantes de instituições de estudos e pesquisas, como Instituto República, Fundação Dom Cabral, Fundação Lemann, entre outras, todos coautores da proposta.

Óbvio que este último motivo também serviu para, alegando haver atendido ao máximo as principais reivindicações, tentar desmobilizar o movimento dos servidores, dividindo as entidades entre interesses específicos de cada setor. Basta lembrar que Fernando Monteiro e Arthur Maia afirmaram e repetiram que “nenhum direito adquirido seria violado’, garantindo, inclusive a “expectativa de direito”, dizendo também que estava garantida a estabilidade para todos, atuais e futuros servidores, “com adaptações” (?), mas que seria respeitado o teto de gastos. Isso, entre outras afirmações.

No entanto, o texto anunciado e disponibilizado na véspera da reunião da Comissão Especial não seria exatamente o mesmo lido na manhã do dia seguinte na reunião. Entre o anúncio, no final do dia 31 de agosto, e a apresentação formal frente aos pares, na manhã do dia 1º de setembro, o texto sofreu duas alterações que merecem reflexão.

A primeira foi a supressão do parágrafo 1º-A, que seria inserido no artigo 144 da Constituição Federal. Esse parágrafo, considerado pelas lideranças sindicais da Polícia Federal um “jabuti”, concedia ao diretor-geral da Polícia Federal o poder de exclusividade na definição de qual delegado conduziria os inquéritos, pondo fim à independência investigativa da corporação, como alegaram as lideranças. Graças à pressão da Fenapef, junto com parlamentares ligados à categoria, o relator recuou retirando o referido parágrafo.

A segunda alteração ocorreu no parágrafo 2º do artigo 3º da PEC, passando o período máximo de duração de um contrato por tempo determinado de seis anos, na primeira versão do substitutivo, para dez anos na versão lida na comissão. Aqui, também não é difícil identificar o interesse das instituições que subsidiaram a elaboração da PEC, o que ficou muito claro nas exposições em audiências públicas, notadamente na Comissão Especial, onde algumas pessoas, indicadas pela base governista, chegaram a fazer a defesa e até a apologia do trabalhador temporário, como fundamental para o bom funcionamento do serviço público.

Com alterações em relação ao texto original da PEC e os movimentos políticos de última hora fica clara a preocupação do relator, bem como da direção da Câmara, em atender alguns segmentos que poderiam garantir, ou não, a parcela necessária para a obtenção dos 308 votos necessários para a aprovação no plenário da Câmara. Isso demonstra não haver, pelo menos por enquanto, a garantia desses votos.

O voto do relator

Em seu voto, o relator apresenta algumas críticas ao texto original da PEC, ao mesmo tempo que elogia a redação elaborada pelo Executivo no que chama de “parâmetros de gestão pública que permitam a racionalização do uso de seus recursos”. Também reconheceu e buscou justificar a ausência de cálculos ou projeções de impactos orçamentários e financeiros. O que também já seria esperado. Chama atenção o fato de o voto ser praticamente todo voltado a servidores, o que pode ser lido como mais tentativa de justificativa, ou cooptação, no sentido, falso, de que haveria melhoras para os que trabalham no serviço público. O que também seria esperado dada a conjuntura.

Algumas observações no voto do relator:

– O relator defende a constitucionalização do uso de recursos eletrônicos no funcionamento do aparato estatal, apresentado como “racionalização do uso de seus recursos” e tratado como “caminho sem volta”. Além de objetivar a redução drástica do número de servidores, há que ser destacada a possível manipulação no processo de avaliação institucional, disfarçado de participação do usuário, uma vez que está muito distante do que seria um necessário controle social das políticas públicas nacionais, regionais e locais, executado em bases objetivas e democráticas, através da real representação social.

– Ao justificar as alterações em relação ao texto original, o relator alega que o formato original “prejudicaria desnecessariamente o regime jurídico dos servidores”. A alegação teria justificativa principalmente para tentar evitar embates judiciais, além de buscar apoio parlamentar e desmobilizar a base de servidores.

Estabilidade

– O relator diz reconhecer que a estabilidade, “tal como vigora no texto constitucional, constitui mesmo, como defenderam inúmeros palestrantes no debate sobre o tema, um instrumento de defesa em favor dos cidadãos e não em prol dos servidores”. Ainda diz o relator, tratar-se “de mecanismo que inibe e atrapalha o mau uso dos recursos públicos, na medida em que evita manipulações e serve de obstáculo ao mau comportamento de gestores ainda impregnados da tradição patrimonialista que caracteriza a realidade brasileira.”

Cortina de fumaça

No entanto, enquanto no discurso defende a estabilidade, o mesmo voto logo depois a ataca. A proposta de flexibilização da estabilidade está mantida como no texto original. A justificativa está em alegar que a estabilidade “presta-se a um paradoxo”, podendo “agredir a sociedade que protege”, ao servir para justificar “disfuncionalidades da máquina pública nem ser colocada como empecilho à sua evolução.”

A partir disso, estariam justificadas medidas como:

– Demissão por desempenho insatisfatório, determinando a imediata aplicação dos processos de avaliação de desempenho.

– Demissão de futuros servidores por cargo considerado desnecessário ou obsoleto.

Atividades exclusivas de Estado

O relator, em seu voto, trata as atividades “exclusivas de Estado” como questão “pendente desde a edição da Emenda nº 19/98”. Isso, uma vez que, na época, não houve avanço desejado pelos neoliberais nessa discussão, que é objetivo da PEC atual.

O deputado diz ainda, no voto, que o texto atual estaria tratando com a “devida parcimônia (?) as atividades que merecem proteção especial, por serem consideradas exclusivas de Estado”. No entanto, essa alegada “proteção especial” não faz nenhuma menção a questões institucionais (órgãos e entidades responsáveis pelas atividades).

Não há nada no substitutivo que impeça a participação da iniciativa privada, ainda que parcialmente, usando, por exemplo, a terceirização. Também é omisso quanto à possibilidade de exigência de que ocupantes de determinadas funções exclusivas de Estado consideradas finalísticas tenham que cumprir período de quarentena antes de assumirem determinadas atividades no setor privado.

O que se vê no substitutivo são apenas menções a servidores, ao tratar de questões como a impossibilidade de contratação temporária ou redução de jornada de trabalho, havendo ainda a garantia adicional em caso de desempenho insuficiente e que essas medidas protegeriam “as atividades e não os titulares dos cargos que as exercem”.

O TEXTO DO SUBSTITUTIVO

PONTOS QUE MERECEM DESTAQUE

– Aumenta a concentração de competência na União, limitando o poder de normatização e regulamentação em pontos específicos de estados e municípios. Vejamos:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre (através de lei ordinária): …………………………………………………………………………………………………

XXX – normas gerais sobre concurso público, políticas remuneratória, de benefícios e de desenvolvimento de pessoas, progressão e promoção funcionais, gestão de desempenho e jornada de trabalho, observado o disposto nos arts. 37, 39 e 39-A;

XXXI – normas gerais destinadas a disciplinar a ocupação de cargos em comissão;

XXXII – normas gerais sobre contratação por tempo determinado em regime de direito administrativo, que definirão, entre outros aspectos, formas de seleção pública, direitos, deveres, vedações e duração máxima do contrato, observado o disposto no inciso IX do caput do art. 37;

XXXIIIcondições para perda de cargo por desempenho insatisfatório de servidor estável, de que trata o inciso III do § 1º do art. 41, ou em decorrência do reconhecimento de que o cargo se tornou desnecessário, na hipótese prevista no § 3º-B do art. 41;

Retira o “vínculo de experiência”, mantendo o estágio probatório;

Lei disporá sobre reserva de cargos em comissão para servidores efetivos (ver MP 1042), que não mais terão atribuições “técnicas” ou “’estratégicas”;

– Fixa na CF a definição das atividades exclusivas de Estado em áreas, deixando para lei ordinária regulamentar.

A regulamentação por lei ordinária, além da aprovação por quórum bem mais baixo nas Casas legislativas, permite a edição de medidas provisórias em algumas situações. O que é preocupante em se tratando de administração pública, em todos os sentidos.

PRIVATIZAÇÂO

– Mantém, sem alteração, o artigo 37-A, do texto original da PEC, permitindo a privatização do serviço público, através de contratos de gestão, com a entrega de serviços públicos, inclusive unidades inteiras, a organizações sociais ou empresas privadas, podendo compartilhar estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira.

– Apesar da PEC não se referir, vale lembrar o Decreto 9.507/18, que trata da terceirização na administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Segundo o decreto, estão livres da terceirização apenas atividades que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle, as que sejam consideradas estratégicas, entre outras ligadas à direção e ao gerenciamento. Com isso, mesmo em áreas consideradas de atividades exclusivas de Estado, ainda que não seja possível o contrato de gestão, há possibilidade de terceirização de parte dos serviços.

Em resumo, exceto pouquíssimas atividades estratégicas, dentro da visão de Estado mínimo neoliberal, todo o restante, principalmente as atividades de atendimento às necessidades básicas da população, pode ser privatizado, direta ou indiretamente.

SERVIDORES

ESTABILIDADE /DEMISÃO

– A estabilidade não tem nenhuma melhora em relação ao texto original, mantendo as mesmas possibilidades de demissão:

. Processo judicial com decisão por órgão judicial colegiado (2ª instância). Na redação atual da Constituição apenas com o trânsito em julgado do processo a demissão pode se confirmar;

. Processo Administrativo Disciplinar – PAD. Mantida a regra atual. Lembrando a possível finalização do processo no Judiciário;

– Demissão por desempenho insatisfatório, determinando a imediata aplicação dos processos de avaliação de desempenho, ainda que sejam necessárias regulamentações e atualizações de cargos e carreiras que certamente sofrerão influência desse processo em relação às suas atribuições, atividades e funções. Especialmente em relação as áreas consideradas exclusivas de Estado, sem previsão de definição dos cargos exclusivos áreas listadas, pode haver grandes problemas.

. Extinção do cargo, com demissão e indenização, em razão do reconhecimento de que o cargo se tornou desnecessário ou obsoleto (principalmente em caso de privatização do serviço, com a aplicação do constante do artigo 37-A, por exemplo) para servidores ingressos após a data da publicação da emenda constitucional decorrente da PEC 32. Esse é exatamente o mesmo “cargo por prazo indeterminado” sem estabilidade, proposto no texto original da PEC, agora disfarçado. Ficam duas pergunta: onde está estabilidade garantida a todos? Seria a explicação da estabilidade “com adaptações”, como disse o presidente da Comissão Especial, deputado Fernando Monteiro, no pronunciamento de apresentação do substitutivo?

Já os servidores admitidos até a data de publicação da emenda constitucional, em razão do reconhecimento de que o cargo se tornou desnecessário ou obsoleto, passariam a ficar em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço, sem a definição do que possa ser considerado “tempo de serviço” na atual legislação. Lembro que em relação aos atuais, a disponibilidade se encaixa perfeitamente na proposta de desorganização total da maioria das carreiras, criando o chamado “carreirão”. Seria a possibilidade da aplicação do “adequado aproveitamento em outro cargo” (artigo 11 do substitutivo). Resta ainda saber se nesta questão a extinção se refere a “cargo”, como “o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor”, como define o artigo 3º da lei 8.112/90, ou o tratamento se refere individualmente ao servidor ocupante de um determinado cargo público.

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO

No pronunciamento, o relator Arthur Maia declarou que o usuário participará da avaliação de desempenho através de plataforma digital e de forma individual, logo após o atendimento. Apesar da tentativa de vincular essa avaliação aos servidores, fica claro ser essa ação parte da avaliação institucional.

. O atendimento, em especial o virtual, não dá ao usuário a dimensão das condições de funcionamento dos órgãos e entidades públicos (instalações e condições de trabalho, número e composição da força de trabalho, entre outras);

. O percentual de usuários em condições de usar serviços públicos por meio digital com um mínimo de normalidade não é grande o suficiente para ser considerada representativa da população;

– O substitutivo mantém o caráter punitivista e restritivo da avaliação de desempenho. Isso pode ser observado, além da possibilidade de demissão por desempenho insatisfatório, também no condicionamento de que servidores tenham desempenho superior ao considerado satisfatório para fins de promoção ou progressão na carreira, de nomeação em cargos em comissão e de designação para funções de confiança;

. Se para demissão for necessária avaliação com desempenho considerado insatisfatório e para progressão ou promoção a avaliação terá que resultar em desempenho superior ao considerado satisfatório, o servidor que tiver avaliação apenas satisfatória pode não correr o risco de demissão, mas também não terá garantida sua progressão ou promoção, podendo ficar estacionado na carreira, sem evoluir, ou ter uma evolução mais lenta.

. Cabe destacar que, com o fim da possibilidade de utilização de tempo de serviço, a avaliação de desempenho passa a ser o único critério para o desenvolvimento do servidor na carreira, o que pode resultar em mais tempo para atingimento dos padrões mais altos do cargo ou carreira.

– Além da avaliação de desempenho feita pelo usuário do serviço através de plataforma eletrônica (exclusivamente para uso em avaliação institucional) haverá a obrigatoriedade imediata de avaliação de desempenho individual para todos os servidores em ciclos de 1 ano, com três avaliações negativas em sequência ou cinco intercaladas;

Cabe a observação sobre a obrigatoriedade de aplicação imediata da gestão e avaliação de desempenho, até que futura regulamentação possa alterar as condições e critérios. Várias questões referentes a servidores vão depender de regulamentação sem prazo determinado para isso. A título de exemplo podemos citar as condições diferenciadas entre servidores ocupantes de cargos exclusivos de Estado e os demais servidores em relação a avaliações de desempenho, possibilidades de perda de cargo, entre outras situações, sendo que a definição de quais serão os cargos a serem considerados exclusivos de Estado não tem previsão, entre outras questões.

– O “vinculo de experiência” da redação original da PEC é substituído pela redação atual do estágio probatório, incluindo avaliações de desempenho semestrais até o final do período (3 anos) como condição para aquisição de estabilidade;

Essa medida teve por objetivo evitar a judicialização em relação a decisões e encaminhamentos executados por pessoas em “vínculo de experiência”, sem ter sido empossado em cargo público.

– O processo administrativo voltado à perda do cargo, somente será instaurado após 3 (três) ciclos consecutivos ou 5 (cinco) ciclos intercalados de avaliação de desempenho em que se obtenha resultado insatisfatório.

O critério é válido até que entre em vigor a lei ordinária que disciplinará a perda de cargo por desempenho insatisfatório ou por reconhecimento de cargo desnecessário ou obsoleto. O que significa que a lei poderá determinar diferentes período de duração do ciclo, quantidade e critérios de aplicação de ciclos que possibilitem a demissão.

– Mantém a vedação de concessão de estabilidade a empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e das subsidiárias dessas empresas e sociedades por meio de negociação, coletiva ou individual, ou de ato normativo que não seja aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada.

– Inclui no texto a proposta de redução de jornada em até 25%, com redução proporcional de remuneração. Proposta inexistente no texto original da PEC 32, transplantado da PEC 188/19, parada no Senado. Essa mesma proposta foi retirada da redação da PEC 186/19 (a PEC emergencial) quando da votação na Câmara. Além de um “jabuti”, a proposta ficou solta no texto, sem nenhuma remissão a nada, nem justificativa.

TRABALHADORES TEMPORÁRIOS (CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO)

– Inclui na Constituição novas condições para a contratação de trabalho temporário, permitindo a ampliação do uso dessa força de trabalho de forma indiscriminada, uma vez que retira do texto constitucional a limitação para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público. A restrição passa a ser localizada no impedimento do exercício de atribuições próprias de servidores ocupantes de cargos exclusivos de Estado. Está, portanto, liberada a contratação de temporários para todas as atividades exercidas pelos demais cargos da administração pública nas três esferas e três Poderes;

Se comparada a redação do substitutivo com o texto original, não há grandes diferenças entre as propostas, vide a redação da PEC para os trabalhadores contratados através do “vínculo por prazo determinado”. Uma diferença pequena no texto, mas significativa no conteúdo, é a repetição do constante do inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 39-A, da redação original da PEC, acrescido da explícita dispensa de processo seletivo. Dessa forma, estaria autorizada a contratação imediata e sem a exigência de nenhum processo de seleção em casos de necessidades decorrentes de calamidade, de emergência ou de paralisação de atividades essenciais (leia-se greves ou paralizações de servidores, por exemplo). Outra consideração em relação à proposta original é a autorização, por ausência de restrição no substitutivo, mantendo o uso de contrato temporário para atendimento de acúmulo transitório de serviço (lembremos da crise do excesso de processos acumulados no INSS, causada pela deliberada não realização de concurso público na autarquia);

– Amplia para dez anos a possibilidade de vigência do contrato por tempo determinado, incluindo prorrogações;

CORTE DE DIREITOS

– Mantém o corte de direitos e benefícios dos servidores e empregados públicos das três esferas de governo (art 37, XXIII), proposto na redação original da PEC;

– Assegura apenas os direitos concedidos, por lei vigente no dia 1º de setembro de 2021, aos servidores e empregados ingressos antes da data de publicação da emenda resultante da PEC 32.

Isso não impede a posterior alteração ou revogação dessas leis.

Os servidores e empregados que ingressarem após a publicação da emenda já não farão jus.

Apesar de anunciada a inclusão da cúpula do serviço público, a alteração se limita à inclusão dos detentores de mandato eletivo e membros de tribunais e conselhos de contas, mantendo fora militares, magistrados e a cúpula do MP, os verdadeiros privilegiados.

DIREITOS E BENEFÍCIOS A SEREM CANCELADOS LISTADOS NO SUBSTITUTIVO:

1. férias em período superior a trinta dias pelo período aquisitivo de um ano

2. adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada

3. aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos

4. licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada, ressalvada, dentro dos limites da lei, licença para fins de capacitação

5. aposentadoria compulsória como modalidade de punição

6. adicional ou indenização por substituição, independentemente da denominação adotada, ressalvada a efetiva substituição de cargo em comissão e função de confiança

7. parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e critérios de cálculo definidos em lei, exceto para os empregados de empresas estatais e para os servidores a serviço do Governo brasileiro no exterior

8. progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço.

CARGO EXCLUSIVO DE ESTADO

Se for mantida a redação do substitutivo, serão considerados como cargos exclusivos de Estado (não confundir com carreiras típicas) apenas os voltados a funções finalísticas e diretamente afetos à:

. segurança pública . elaboração orçamentária
. representação diplomática . processo judicial e legislativo
. inteligência de Estado . atuação institucional do Ministério Público
. gestão governamental . manutenção da ordem tributária e financeira
. advocacia pública . exercício de atividades de regulação, de fiscalização e de controle.
. defensoria pública  

– A redação apresentada impossibilita igual tratamento a quaisquer outros servidores das mesmas áreas listadas, mas que não estejam em atividades a serem consideras fim em regulamentação. É sabido ser essa discriminação um dos motivos de tal formatação (cargos exclusivos em funções finalísticas).

– Há que ser considerada também a fragilidade na definição das atividades listadas. Quais os critérios para definir o seriam funções finalísticas? Em órgãos e entidades públicos de todas as áreas listadas servidores de um mesmo cargo executam funções que poderiam ser consideradas finalísticas, de suporte e até administrativas. Haveria tratamento diferenciado a depender da lotação dos servidores? Seriam reestruturados esses cargos e suas carreiras ou, ainda, haveria um alternativa a ser desenvolvida?

– Não são listadas, de forma proposital, nenhuma das áreas estratégicas e essenciais à população, como a garantia dos direitos sociais, constantes do artigo 6º da Constituição, a saber: “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Deve também ser considerada a ausência das 25 competências da União, constantes do artigo 21 da Constituição Federal.

Fica claro, dentro do ideal neoliberal, que as atividades acima mencionadas são passíveis de privatização.

Tratamento diferenciado dos ocupantes de cargos exclusivos de Estado em relação aos demais servidores:

– Não estão sujeitos à redução de jornada de trabalho em até 25%, com remuneração proporcional, diferente dos demais servidores.

– É garantida a presença de servidores do mesmo cargo nos processos de perda do cargo por avaliações de desempenho individual com resultado insatisfatório no colegiado que conduzirá o processo. Para os demais servidores a garantia é a presença de servidor efetivo, sem definição de cargo.

– Nos casos de perda do cargo, seja por avaliação insatisfatória ou por necessidade de cumprimento dos limites de despesa com pessoal impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, os ocupantes de cargos exclusivos de Estado serão tratados em lei específica que estabelecerá critérios e garantias especiais. Os demais servidores, não.

– Em caso de contrato de gestão através de instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, os servidores de modo geral podem fazer parte do compartilhamento de força de trabalho, os ocupantes de cargos exclusivos de Estado, não;

– As atribuições próprias de servidores investidos em cargos exclusivos de Estado não poderão ser objeto de contratação por tempo determinado;

CONCLUSÃO

Ao conhecermos o conteúdo do substitutivo e os argumentos do relator em seu voto, fica muito claro o objetivo de dar continuidade ao desmonte do Estado, em especial nas áreas voltadas para os direitos sociais da população, remetendo o exercício nessas atividades para a exploração econômica pela inciativa privada, deixando o que ainda permanecer sob a responsabilidade da administração pública sob o controle da elite política patrimonialista.

Outra consequência sem dificuldade de visualização é o destino a ser dado aos bilhões de reais da arrecadação pública que deixariam de ser investidos nessas mesmas áreas afetadas pelo desmonte, que o ministro Paulo Guedes, independente de valores informados e não comprovados, chama de economia. Sejam quantos bilhões de reais forem, o destino, caso aprovada a PEC, será o sistema financeiro, exatamente como determinam normas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2.000), as emendas constitucionais 95/16, 109/21 (a chamada PEC emergencial), entre outros instrumentos aprovados por governos neoliberais.

A única forma para impedir esse gigantesco ataque ao povo brasileiro, em especial a parcela mais necessitada, é a derrota da PEC 32. Não há o que possa ser melhorado, ou prejuízo a ser minorado. Essa proposta precisa ser rejeitada.