Em ação civil pública, a instituição aponta que mudanças impõem prejuízos ao princípio da redução dos riscos de acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho e conferem, indevidamente, tratamento jurídico diferenciado para determinados tipos de empresas vulnerando a saúde de trabalhadores e a segurança do meio ambiente de trabalho
O Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou no dia 21 de julho ação civil pública com pedido liminar para que a Justiça do Trabalho suspenda a eficácia da Portaria 915/2019 e o início do vigor da Portaria 6.730/2020 do governo federal que alteram a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1). A NR-1 contempla as disposições gerais, o campo de aplicação, os termos e as definições comuns a todas as NRs, além de dispor sobre o programa de gerenciamento de riscos ocupacionais. Segundo a instituição, as portarias impõem restrições ao rastreamento de riscos de adoecimentos e ocorrência de acidentes de trabalho em flagrante conflito com o princípio da redução dos riscos relacionados ao trabalho (CRFB/88, artigo 7º, inciso XXII). A instituição também pede a condenação da União em R$ 84 milhões por danos morais coletivos em razão da supressão da obrigação de elaboração e implementação dos programas de prevenção e de promoção da saúde dos trabalhadores e trabalhadoras das microempresas e empresas de pequeno porte.
A instituição pede em caráter liminar a suspensão do tratamento jurídico diferenciado em matéria de saúde e segurança do trabalho para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte previstos nas Portarias 915/2019 e 6.730/2020, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, até o trânsito em julgado da ação civil pública, com a confirmação da liminar. Além disso, o MPT pede a anulação da Portaria nº 6.730/2020, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, e devolução da matéria à Comissão Tripartite Paritária Permanente para sejam observados os devidos requisitos previstos no rito de revisão e alteração das normas regulamentadoras, em especial a necessidade de prévia elaboração da análise de impacto regulatório.
O MPT explica que, ao estabelecer tratamento diferenciado ao Microempreendedor Individual (MEI), à Microempresa (ME) e à Empresa de Pequeno Porte (EPP) em matéria de saúde e segurança do trabalho, as portarias promovem a discriminação ilegal entre trabalhadores de empresas de portes distintos e aumentam os riscos de adoecimentos, acidentes e mortes, pois desobrigam essas empresas de elaborar e implementar programas de saúde e segurança do trabalho. O tratamento diferenciado criado pelas portarias promove patente e injustificada discriminação entre os trabalhadores que exercem as mesmas atividades, mas em empresas com porte econômico diverso. Por exemplo, operador de caixa de um supermercado com faturamento anual de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) prestará seus serviços sob a proteção de um programa prevencionista estruturado para antecipar, reconhecer, avaliar e controlar os riscos de acidente relacionado ao trabalho; por sua vez, a um operador de caixa de um supermercado com faturamento anual da ordem de R$ 4.800.000,00 (quatro milhões, e oitocentos mil reais), mediante autodeclaração empresarial de inexistência de riscos ocupacionais, é suprimida a elaboração e implementação dos programas de prevenção de acidentes e promoção da saúde, a partir do “tratamento jurídico acidentário diferenciado” constante da Portaria n. 915/2021.
Dados extraídos da página do painel de empresas do SEBRAE indicam que existem 9.810.483 (nove milhões, oitocentas e dez mil, quatrocentas e oitenta e três) organizações empresariais estruturadas na forma microempresa individual – MEI, 6.586.497 (seis milhões, quinhentas e oitenta e seis mil, quatrocentas e noventa e sete) organizações empresariais estruturadas na forma microempresa (ME) e 896.336 (oitocentas e noventa e seis mil, trezentos e trinta e seis) organizações empresariais estruturadas na forma empresas de pequeno porte (EPP), que podem ser dispensadas da obrigação de elaborarem PPRA, PCMSO, se enquadradas nos graus de risco 1 e 2.
O Ministério Público do Trabalho anexou aos autos os custos previdenciários dos afastamentos por doença (B31) e doença acidentário (B91) dos trabalhadores destes grupo de empresas, a partir de dados do próprio INSS, no qual se observa que foram concedidos aos trabalhadores das MEIs, MEs e EPPs de grau de risco 1 e 2, entre 2016 e 2020, 1.282.980 auxílios-doença (B31) e 119.485 auxílios-doença acidentário (B91), num total de 1.402.465 benefícios concedidos pela previdência social nesse período, numa média anual de 280.493 benefícios.
De acordo com dados extraídos do Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS de 2019, entre 2017 e 2019, o custo médio do auxílio-doença (B31), por benefício, foi de R$ 1.481,23 e do auxílio-doença por acidente (B91) foi de R$ 1.628,08. Diante desse quadro, é possível observar que as MEIs, MEs e EPPs de grau de risco 1 e 2 têm só em auxílio-doença comum e em auxílio-doença acidentário um custo anual total médio de R$ 418.983.920,84 (quatrocentos e dezoito milhões, novecentos e oitenta e três mil, novecentos e vinte reais e oitenta e quatro centavos), que poderá ter um aumento elevado diante da dispensa de elaboração dos programas de gestão ambiental.
Sobre o impacto regulatório da dispensa da obrigação de elaborar programas de saúde e segurança do trabalho para as microempresas e empresas de pequeno porte afirma o MPT: “Esse tipo de análise permite avaliar as alterações legislativas que estimulem o setor produtivo e retomada do crescimento econômico sem perder de vista a responsabilidade social das empresas com a saúde dos trabalhadores e a segurança do trabalho. Além disso, no que se refere à macroeconomia, não há como se pensar em retomada do crescimento econômico com potencial impacto negativo no orçamento público decorrente de gastos do governo com os sistemas públicos de saúde e previdência social decorrentes agravos e acidentes de trabalho”.
Na ação, o MPT aponta que o processo de revisão da NR-1 não contou com a prévia e necessária análise de impacto regulatório contendo indicadores indispensáveis para tomada de decisão no âmbito da Comissão Tripartite Paritária Permanente, especialmente taxas de acidentes ou adoecimentos notificados por microempresas e empresas de pequeno porte e custos da sinistralidade laboral produzido por essas organizações no orçamento do Sistema Único de Saúde -SUS, e do Instituto Nacional do Seguro Social -INSS.
A instituição ressalta que as alterações nas normas de segurança do trabalho até podem levar em consideração a redução dos custos do setor produtivo, mas a revisão dessas normas tem como finalidade principal a redução dos riscos de acidente e adoecimentos associados ao trabalho e os impactos desses eventos nocivos à sociedade brasileira no que se refere ao financiamento público do sistema de saúde e da previdência social. Não se deve esquecer que a redução dos acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho também incrementam a própria atividade econômica das empresas na medida em que aumentam a produtividade da atividade econômica.
Segundo o procurador Luciano Leivas, um dos coautores da ação civil pública 0000532-90.2021.5.10.0015, “a atividade estatal de regulação das normas de segurança e saúde do trabalho a cargo da CTPP não contempla a competência para desregulamentação das obrigações de segurança e medicina do trabalho em razão do porte da empresa por força do que dispõe o artigo 50 da Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte). De forma diametralmente oposta, o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte somente prevê o estímulo estatal para que esse seguimento empresarial acesse os serviços especializados de segurança e medicina do trabalho”.
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