Por Francisca Rocha (Arte: Latuff)
Avança no Congresso e no governo as propostas de ensino domiciliar e de militarização das escolas no país. Em primeiro lugar, cabe perguntar: Por que os setores mais conservadores defendem essas modalidades com tanta devoção?
É simples. Em relação ao ensino domiciliar, grandes conglomerados econômicos querem a possibilidade de fornecer material escolar para os estudos dessas crianças e de outro lado grupos de fundamentalistas religiosos querem tirar suas filhas e filhos do convívio com outras crianças.
Por que? Para doutrinar segundo os seus preceitos e impedir que as crianças e os jovens possam construir uma identidade própria, livre, independente dos pais e assim sejam seres pensantes e felizes.
Pela Constituição Federal, em seu Artigo 205, a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família” e “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Atualmente, no Brasil, a matrícula de crianças de 4 a 17 anos nas escolas é obrigatória.
A proposta de ensino domiciliar também ignora a importância do professor como mediador entre as necessidades e os anseios dos estudantes pelo conhecimento do novo. Os professores estudam e se formam com objetivo de adquirirem o completo domínio de conhecimentos teóricos e de habilidades didático-pedagógicas teóricas e práticas. E assim, terem condições de promover a possibilidade de um processo de ensino e aprendizagem considerando as dimensões cognitivas, socioculturais e afetivas dos seus alunos, ajudando-os a evoluírem e seguirem o caminho que escolherem para as suas vidas.
Além de todos esses fatores, a educação domiciliar necessita de um adulto para acompanhar o aprendizado das crianças e jovens. Isso serve para quem? As famílias ricas contratarão profissionais e adquirirão materiais para que isso aconteça. Mesmo assim essas crianças e jovens serão privadas de vida social. Ficarão presas ao restrito círculo de amizades e atividades dos seus pais. Isso empobrece o processo de ensino e aprendizagem.
A maioria das famílias, no entanto, não reúne nenhuma condição de acompanhar suas filhas e filhos nos estudos. Basta vermos o desastre do ensino remoto estabelecido na maioria dos estados durante a pandemia. Um número enorme de crianças e adolescentes ficaram sem aula. Muitos foram forçados a trabalhar para ajudar no orçamento doméstico, já que muitos pais e mães perderam o emprego ou parte da renda.
Escola militarizada
Outro projeto absurdo deste desgoverno se refere à militarização das escolas. Apresentada como solução para o abandono e para a violência presente em muitas escolas. O projeto é uma falácia, Primeiro porque – a par de investimentos muito superiores dos recebidos pelas escolas públicas – ninguém garante qualidade no ensino. Porque se as escolas militares fossem boas, não teríamos um presidente tão ignorante, contra a educação, o conhecimento, a cultura e a ciência.
Além disso, o que os cerca de 6 mil militares atuantes no desgoverno estão fazendo? Um exemplo claro da falta de compromisso com a população consiste nos inúmeros indícios de corrupção no Ministério da Saúde, sob o comando do general Eduardo Pazuello, na gestão da pandemia
Além disso, o projeto criminaliza os mais pobres com o discurso de opressão. As escolas públicas necessitam de maiores investimentos para estruturá-las e adequá-las aos anseios dos estudantes, com valorização dos profissionais da educação e criação de projetos que favoreçam o processo de ensino e aprendizagem num ambiente saudável e democrático.
O relacionamento de militares com a juventude pode ser percebido com a violência com que os policiais tratam os estudantes que reivindicam melhorias em suas escolas. Violência gera violência e nós vivemos uma época fundamental para defendermos a paz.
As escolas necessitam de segurança, mas para isso precisam ser respeitadas pela população, que deve enxergar na escola uma possibilidade de melhorai de vida de seus filhos. Somente a escola inclusiva, democrática, laica e com qualidade social pode ajudar a mudar o mundo e acabar com o preconceito, com a discriminação e principalmente com a ignorância.
Como diz Paulo Freire, a “educação ou funciona como um instrumento que é usado para facilitar a integração das gerações na lógica do atual sistema e trazer conformidade com ele, ou ela se torna a ‘prática da liberdade’, o meio pelo qual homens e mulheres lidam de forma crítica com a realidade e descobrem como participar na transformação do seu mundo”.
Tanto o ensino domiciliar e as escolas chamadas cívico-militares deturpam a necessidade de uma escola voltada para a preparação das crianças e adolescentes para a vida, o mundo profissional, para se transformarem em pessoas capazes de decidir o seu próprio destino.
Francisca Rocha é secretária de Assuntos Educacionais e Culturais do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), secretária de Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE) e dirigente da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil, seção São Paulo (CTB-SP).