Aloísio Morais
Mais um grupo de trabalhadores em situação análoga à escravidão foi resgatado no interior de Minas. Uma mulher de 83 anos e outras três pessoas foram localizadas pelo Ministério Público de MG em uma fazenda de Rio Vermelho, no Vale do Rio Doce, Leste de Minas, durante ação em parceria com a Auditoria Fiscal do Trabalho do Ministério da Economia e Polícia Rodoviária Federal
A força-tarefa começou a busca após uma denúncia sobre submissão de uma trabalhadora doméstica, o que foi constatado na sede do imóvel rural. Além disso, nenhum dos trabalhadores tinha registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social e não utilizavam equipamentos de proteção individual, exceto botas de borracha.
Trabalho por 60 anos sem remuneração, descanso semanal, férias ou qualquer outro tipo de direito trabalhista
Segundo o procurador Fabrício Borela Pena, que atuou no caso, “foram constatadas inúmeras irregularidades, como falta de registro em CTPS; falta de pagamento de salários e 13º salário; ausência de depósito de FGTS e contribuição previdenciária; não concessão de férias; ausência de limitação da jornada de trabalho; não fornecimento de EPIs; ausência de realização de exames médicos e de medidas de gestão de segurança no trabalho rural; constatação de moradia rural em condições inadequadas de segurança, conforto e higiene e alojamentos em condições precárias, sem fornecimento de água potável, sem dormitórios limpos e com colchões com densidade adequada, sem armários individuais e sem local adequado para guarda e preparo de refeições”.
Conforme apurações dos órgãos, a idosa chegou à fazenda ainda criança com a mãe e, segundo o procurador, “desde que se mudou para a fazenda, ali trabalhou continuadamente, realizando serviços domésticos. Ela jamais foi reconhecida como trabalhadora: nunca recebeu salário, nunca tirou férias, não tinha limitação de jornada, folga semanal ou intervalos. Trabalhou por, no mínimo, 60 anos em favor da família do proprietário, preparando as refeições, limpando e organizando a casa, lavando e passando roupas, cuidando das crianças, entre inúmeras outras tarefas.
Nos últimos anos, com o avançar da idade, ela já não tinha condições físicas de trabalhar com a mesma intensidade, de modo que o proprietário passou a contratar pessoas para realizar o trabalho doméstico, em alguns dias da semana. No entanto, ela nunca parou totalmente de trabalhar na casa. Os valores que recebia em dinheiro eram contados e destinados a pagar despesas específicas e inevitáveis da trabalhadora, em geral relacionadas a gastos com saúde. As próprias roupas da trabalhadora, em sua maioria, eram doadas pela família do proprietário. A trabalhadora possuía pouquíssimos pertences, a maioria deles de pouco valor e relacionados à higiene pessoal. Não possuía FGTS, poupança ou qualquer quantia guardada. Jamais contribuiu para a Previdência Social e não se aposentou. No momento em que foi encontrada pela equipe, ela se mostrava em condições físicas bastante debilitadas, com uma ferida na perna e muita dificuldade para se locomover”.
Entre os resgatados também há um trabalhador com deficiência auditiva. “Ele dormia em uma cama de madeira, com colchão encardido e empoeirado, roupas de cama gastas e sujas. Não havia armário para guarda de pertences, com objetos espalhados por todo o quarto e roupas amontoadas em um varal improvisado. Embora houvesse janela, ela era mantida sempre fechada, de modo que o cômodo era impregnado por forte cheiro de mofo, com muita poeira e sujidade. O teto, o piso, as portas e o pouco mobiliário existente estavam deteriorados e sujos. Dentro do quarto ainda eram deixadas diversas ferramentas de trabalho, como facões, enxadas, garrafas, etc”, conforme o MPT.
As vítimas foram encaminhados à rede de proteção especial do município, onde receberam acompanhamentos e foram inscritos em programas sociais. Além disso foram emitidas guias para recebimento de seguro desemprego.
O Ministério Público do Trabalho negocia com o empregador o pagamento das verbas salariais, rescisórias e indenizatórias dos trabalhadores, além da compensação pelos danos sociais decorrentes da “gravíssima” conduta praticada.