Por Leonardo Sakamoto
Uma fiscalização flagrou 84 pessoas em condições análogas às de escravo e vítimas de tráfico de seres humanos na produção de sementes de milho para um condomínio de empregadores em Paracatu (MG). Esse foi o maior resgate em número de trabalhadores escravizados em 2021. Parte deles estava trabalhando mesmo contaminada por covid-19.
Auditores fiscais do trabalho, Ministério Público do Trabalho e Polícia Rodoviária Federal foram os responsáveis pela ação. Os resgatados eram migrantes do Maranhão e do Norte de Minas Gerais e haviam sido aliciados por “gatos” (contratadores de mão de obra a serviço dos empregadores), segundo a operação, que começou na semana passada.
A reportagem tentou contato telefônico e por mensagem com o responsável pelo condomínio, mas não obteve resposta.
O condomínio de empregadores que se juntam para contratar mão de obra para suas fazendas contava com 207 trabalhadores, dos quais 84 foram considerados em situação de escravidão contemporânea.
Eles estavam em condições degradantes, com alojamento precário e lotado, sem instalações sanitárias e sem reposição de água potável.
De acordo com a equipe de fiscalização, parte dos trabalhadores fez o teste para covid-19, que deu positivo. Após isso, os empregadores colocaram 22 trabalhadores sintomáticos em uma ala separada do alojamento. Contudo, continuaram trabalhando e convivendo em outros espaços com os demais. O local teria se transformado em um “covidário”.
Diante desse quadro, a Vigilância Sanitária também interditou os alojamentos e a cantina da fazenda.
Os trabalhadores que desistissem do serviço teriam que arcar com o pagamento de suas próprias passagens de retorno aos locais de origem, o que vai de encontro à lei, uma vez que os gatos os aliciaram em suas cidades. Isso dificultava a volta para casa.
De acordo com a fiscalização, houve tentativa de impedir acesso da equipe aos alojamentos e aos trabalhadores, que foram colocados em ônibus que ficaram circulando pela cidade.
Empregador reincidente no trabalho escravo
O Condomínio de Empregadores Rurais Santa Maria aparece no cadastro de empregadores responsabilizados por mão de obra análoga à de escravo, a chamada “lista suja”, organizada e mantida pelo governo brasileiro desde 2003, através de um dos seus responsáveis, Marcio Areda Vasconcelos. Eles foram incluídos na atualização semestral de abril de 2020 por conta de outra operação, que envolveu 67 trabalhadores.
No total, foram pagos mais de R$ 635 mil em salários, verbas rescisórias e direitos trabalhistas e os resgatados tiveram garantido a passagem para seus locais de origem.
Nesse montante, estão incluídos R$ 1500 em dano moral individual para cada vítima negociado pelo Ministério Público do Trabalho.
Também foi aberto processo para que eles tenham acesso às três parcelas do seguro-desemprego oferecido a libertados do trabalho escravo.
Trabalho escravo hoje no Brasil
De 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência do trabalho escravo em seu território e o governo federal criou o sistema nacional de verificação de denúncias, até o final do ano passado, mais de 56 mil trabalhadores foram resgatados segundo dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, cana, café, frutas, erva-mate, batatas, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis. A pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada com trabalho escravo desde 1995.
Colaborou Daniel Camargos
Foto: Divulgação/internet