Por Marcos Aurélio Ruy (Foto: Tuca Vieira/Folhapress)
Este sábado (12) marca o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil e o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e esta entrevista com Antonio Carlos de Mello Rosa, presidente do Instituto Trabalho Decente (ITD), dá sequência à série de reportagens sobre a importância de se acabar com a exploração do trabalho infantil no Brasil e no mundo.
Deu início à série a matéria “Trabalho Infantil: mais de 160 milhões de crianças são exploradas no mundo” com a visão de duas importantes dirigentes da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) sobre esse tema fundamental para a melhoria de vida das futuras gerações.
Antonio Carlos de Mello Rosa trabalhou por 15 anos na Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde coordenou por alguns anos um projeto de combate ao trabalho infantil.
Criado em 2019, o ITD pretende integrar “ao seu quadro de associados(as) especialistas de diversos temas relacionados ao mundo do trabalho, comprometidos(as) em respeitar integralmente os direitos humanos; promover o trabalho decente e o desenvolvimento sustentável; estimular práticas que integram os nível social, ambiental e econômico; confiar no diálogo como o único meio legítimo de superação de divergências e resolução de conflitos; promover canais para esse diálogo entre trabalhadores, empregadores e governos; estimular a cooperação entre entidades públicas e privadas, órgãos do sistema de Justiça e sociedade civil; e promover práticas que fomentem a igualdade de oportunidades e de tratamento”.
Para Antonio Carlos, “é preciso combater a aceitação cultural de que o trabalho infantil é a única saída para se tentar remediar a pobreza. Uma pergunta precisa ser feita. Por que não trabalham os filhos daqueles que não são pobres e teimam em dizer que é melhor estar trabalhando do que não fazer nada?”
Vamos à entrevista na íntegra:
A OIT declarou 2021 como o Ano Internacional pela Eliminação do Trabalho Infantil, mas o governo brasileiro parece nem ter tomado nota desse fato. Essa atitude prejudica o combate ao trabalho infantil no país?
Antonio Carlos de Mello Rosa: O estabelecimento pela OIT, órgão da ONU (Organização das Nações Unidas) de 2021 como Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil faz parte de um esforço internacional de estimular a aceleração da diminuição do trabalho infantil para o cumprimento da meta 8.7 dos objetivos de desenvolvimento sustentável para erradicar o trabalho infantil, principalmente suas piores formas, até 2025.
Já sabemos que essa meta não será cumprida assim como outras metas anteriores não foram, mas o fim do trabalho infantil deve ser perseguido se quisermos ter realmente a paz e justiça social para todos em nosso planeta.
Por que o Brasil retrocede?
O problema com o governo brasileiro é que hoje temos autoridades federais fazendo apologia ao trabalho infantil e criticando os auditores fiscais do trabalho, ao invés de estimular a criação e o aprimoramento de mais políticas públicas de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. As tentativas de enfraquecimento do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e a restrição à participação da sociedade civil em instâncias de defesa de direitos como a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Infantil deixa claro que a intenção dessas autoridades não é de evoluir para um engajamento no esforço internacional.
Deve-se unir o combate à pobreza com mais investimentos em educação pública e o combate ao trabalho infantil?
Certamente a pobreza e a fragilidade da política pública de educação são fatores que contribuem com a persistência do trabalho infantil no Brasil. O agravamento da pobreza potencializada pela crise política e econômica pela qual passa o país agrava e agravará ainda mais o problema do trabalho infantil.
Por outro lado, a escola precisa ser melhor estruturada, ter profissionais mais valorizados, e ser um lugar que retenha as crianças e adolescentes. A escola também precisa ser um lugar onde não só se transmitam informações, mas que gere o pensamento crítico e autoral. Somente com gerações de crianças e adolescentes que cresçam com visão crítica acerca da realidade brasileira, de sua condição de sujeito de direito e que teremos mudanças culturais importantes que ajudarão no fim do trabalho infantil e de outras violações no mundo do trabalho como o trabalho análogo à escravidão.
A OIT tem um programa especial para essa eliminação, o Brasil está no caminho errado?
O programa da OIT se iniciou no Brasil em 1992 e trouxe importantes avanços na luta contra o trabalho infantil no país. Na minha opinião é importante que os órgãos da ONU de maneira geral adotem uma postura ativa em cobrar o Brasil por ações efetivas no combate ao trabalho infantil e a outras violações no mundo do trabalho.
Talvez esse seja o maior desafio da ONU no Brasil no momento, mas também a maior expectativa que tenho ouvido ecoar na sociedade civil organizada diante de um governo que vem impondo tantos retrocessos, que foram alcançados também graças ao trabalho de cooperação técnica de agências da ONU como a OIT. A pergunta é, qual o papel da ONU diante de todo esse cenário de desmonte de políticas pública de defesa de direitos humanos?
Lhe remetendo de volta a pergunta e acrescentando como a sociedade deve se organizar para mudar a mentalidade de que o trabalho infantil não prejudica o desenvolvimento das crianças e adolescentes?
É preciso combater a aceitação cultural de que o trabalho infantil é a única saída para se tentar remediar a pobreza. Uma pergunta precisa ser feita. Porque não trabalham os filhos daqueles que não são pobres e teimam em dizer que é melhor estar trabalhando do que não fazer nada?
A verdade é que o trabalho infantil é considerado como uma das mais graves violações dos direitos de crianças e adolescentes. O trabalho infantil expõe crianças e adolescentes a uma série de condições de fragilidade que podem levar não só à manutenção do ciclo de pobreza, mas também à submissão à exploração sexual, ao envolvimento com o tráfico de drogas e ao tráfico de pessoas com diversos fins.
As crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e é primordial que todos os brasileiros saibam que é dever do Estado (além da sociedade e da família) impedir que a criança trabalhe e lhe dar condições de garantia desse direito. É preciso que despertemos para a necessidade de cobrar e exigir do Estado essa garantia.
A exploração do trabalho infantil doméstico aflige um número muito grande de meninas, principalmente. Como agir nessa situação?
O trabalho doméstico foi estudado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2019. Do número de 1,8 milhão de crianças entre 5 e 17 anos que estão em trabalho infantil em atividades econômicas, 30% estão em trabalho doméstico. É um número grande. É preciso que se entenda que o trabalho doméstico é uma das piores formas de trabalho infantil, deve ser combatido e denunciado.
É preciso parar de se naturalizar aquela coisa de “pegar para criar” (na verdade pegar para explorar). Crianças não devem exercer trabalho doméstico, elas não devem ser responsáveis por cuidar de outras crianças e cuidar da casa. Precisamos diferenciar o processo de ajudar em casa como um processo de aprendizado para a vida, do processo de ser submetida a cuidar da casa, principalmente em casa de terceiros. Precisamos parar de naturalizar esse processo.
A exploração sexual é outra forma perversa de trabalho infantil forçado. O país tem agido decentemente quanto a isso?
A exploração sexual é uma das mais lucrativas atividades criminosas do mundo depois do tráfico de drogas e de armas. Aliás são crimes que estão sempre interconectados. É vital que se entenda a diferença entre exploração sexual e prostituição. Criança e adolescente não exercem prostituição infantil, elas são exploradas. Isso é o que diz a legislação brasileira e a normatização internacional. É importante que se quebre essa visão cultural de que a criança está se prostituindo como se fosse uma escolha.
Criança e adolescente em situação de exploração sexual é sempre vítima e deve ser reconhecida como tal. É importante que se pare de aceitar essa situação. É importante que se entendam as imensas consequências negativas que a exploração sexual tem para o futuro dessas crianças. É uma violação que dificilmente será superada por esta criança. O Brasil vem sim avançando no combate à exploração sexual. A Polícia Rodoviária Federal, por exemplo, é uma das entidades mais engajadas nessa luta. Mas é preciso que não retroajamos nessa luta. O momento é difícil, mas a luta deve continuar.