Por Vilênia Aguiar, assessora da Secretaria de Mulheres da Contag
Neste domingo, 30 de maio, comemoramos o Dia de Luta pela Maior Participação Política das Trabalhadoras Rurais, e o momento é oportuno para trazermos à balia algumas reflexões sobre a construção de sua trajetória política, sobretudo em um cenário político de forte ameaça à democracia, aos direitos conquistados, e em que as desigualdades se intensificam.
A organização e a participação das mulheres trabalhadoras rurais em movimentos sociais, autônomos ou mistos, ganham contornos específicos na década de 80, em um contexto de grande efervescência política, de lutas pela democratização do país, e de emergência dos novos movimentos sociais. Entretanto, isso não significa que elas estiveram ausentes das lutas anteriores travadas por camponeses (as), lavradores(as) e trabalhadores(as) rurais. Nomes como Elizabeth Teixeira e Margarida Alves são representativos do compromisso com a luta, da coragem e da capacidade de liderança. A sua participação nesses espaços integrava o conjunto de enfrentamentos contra a exploração ou contra a expropriação, ou seja, contra a desigualdade social.
Naquele momento, mais que as distinções de gênero o que mobilizava era o reconhecimento de pertencer à determinada categoria social e política, o pertencimento de classe. Em contraposição, milhares de outras mulheres trabalhadoras rurais viviam o silenciamento, a invisibilidade da situação de subordinação e enfrentavam uma forte resistência à sindicalização. A elas couberam mostrar que a classe trabalhadora não tinha apenas um sexo, e, motivadas por reivindicações específicas de sua condição de mulher, adentraram o mundo sindical com estratégias organizativas próprias.
A atuação nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e pastorais, o diálogo com o feminismo e a emergência do novo sindicalismo e das chamadas “oposições sindicais” favoreceram esse processo. A formação política das lideranças foi priorizada, oportunizando reflexões em torno da condição das trabalhadoras rurais agricultoras familiar e a relação entre classe e gênero numa perspectiva feminista, o que ajudou a promover a ampliação do olhar sobre as relações sociais, com a adoção de novas práticas no sindicalismo.
E assim, há quase quatro décadas as trabalhadoras rurais agricultoras familiares vêm construindo uma trajetória de luta por espaço político, pelo direito à voz, poder de decisão e incorporação de suas pautas específicas no interior do MSTTR; e, fora dele, para ampliar direitos de cidadania e buscar a tão almejada igualdade de gênero. Numa sociedade extremamente desigual, a construção da cidadania por essas mulheres começa quando elas decidem visibilizar o seu trabalho e demandarem reconhecimento como trabalhadoras rurais e não apenas como “esposa” ou “ajudante” do marido.
Elas emergem da invisibilidade para assumirem o protagonismo político, apoiadas em estratégias organizativas que ampliaram progressivamente a sua participação política no espaço sindical, resultando na aprovação de cota mínima de 30% de mulheres nos cargos de direção da Contag, em 1998, posteriormente estendida às federações e sindicatos.
Associada à criação de espaços organizativos como as comissões de mulheres e à formação política, a aprovação da política de cotas foi essencial para o fortalecimento do exercício da representação sindical e do crescimento da representatividade das mulheres trabalhadoras rurais no MSTTR, fazendo com que o debate sobre igualdade entre homens e mulheres incorporasse a paridade de gênero como uma estratégia na construção da democracia sindical. A paridade de gênero é então aprovada, em 2013, no 11º Congresso da Contag.
Desde a sua aprovação, a paridade tem suscitado discussões e mostrado a urgência do debate sobre as relações de gênero no cotidiano sindical, ao questionar o poder tradicionalmente exercido pelos homens e a forma como ele é exercido; ao pontuar a necessidade de um debate aprofundado que se traduza em vontade política de realizar plenamente as condições essenciais à autonomia e à igualdade para as mulheres; e ao oportunizar um olhar mais atento sobre as práticas que reproduzem cotidianamente a opressão e a desigualdade, ancoradas no discurso da democracia e da igualdade que máscara essas prática.[1]
É importante entender que a necessidade de pautar a implementação de ações afirmativas, como as cotas, a paridade e outras, que promovam maior participação política das mulheres, se deu em razão da necessidade de impulsionar alterações nas bases das desigualdades sociais construídas ao longo da história, a partir da produção de uma hierarquia que colocou as mulheres numa posição de menor valor em relação aos homens. As ações afirmativas são, portanto, mecanismos criados para promover alterações nas bases dessa desigualdade.
Para além do movimento sindical, esses mecanismos provocaram mudanças nos partidos políticos e até mesmo no sistema político eleitoral, como o estabelecimento de cota de, no mínimo, 30% de candidatas mulheres aos cargos de deputadas(os) estaduais ou distritais, federais e vereadoras(es), e a destinação de 30% dos recursos do fundo eleitoral para candidaturas de mulheres, como aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em 2018.
Mesmo assim, a atuação das mulheres é pouco expressiva no cenário político institucional. No movimento sindical isso se expressa no baixo poder de representação das mulheres diante da sua visível representatividade.
No Congresso Nacional as mulheres não são nem 15% das parlamentares; só existe uma mulher governadora entre as pessoas que assumiram os governos estaduais, em 2018. Se considerarmos as eleições municipais de 2020, 66,4% de todas as candidaturas foram de homens e 33,6% de mulheres. Para as prefeituras foram eleitas 651 prefeitas, 12% do total e para as câmaras municipais foram 9.196 vereadoras eleitas, 16% do total. Certamente, esses percentuais serão bem menores se considerarmos apenas as mulheres da agricultura familiar, eleitas. Aliás, essas mulheres não se encontram representadas nem na Câmara dos Deputados, e nem no Senado Federal, apesar de serem protagonistas da maior ação coletiva de mulheres rurais do mundo: a Marcha das Margaridas. Ou seja, as mulheres trabalhadoras rurais agricultoras familiares, de um modo geral, ainda são sub-representadas na política.
Hoje, o espaço da representação política é, grosso modo, ocupado pelos homens e tem servido para reproduzir e manter os privilégios de gênero e raça. Também por isso precisa ser transformado. As trabalhadoras rurais agricultoras familiares aposta numa reforma estrutural da política que mude a forma como o poder é exercido no Brasil e acredita na transformação pela luta e pela disputa política.
Por fim, é importante ressaltar que a participação política das mulheres trabalhadoras rurais no movimento sindical, para além das estruturas de poder internas, trouxe novos temas à agenda sindical e, se colocou o desafio de mobilizar o conjunto de mulheres trabalhadoras rurais do campo, da floresta e das águas. Atuando em rede e mostrando uma grande capacidade articulatória, as trabalhadoras rurais, organizadas no movimento sindical, há 20 anos vêm conquistando espaço e visibilidade política, através da Marcha das Margaridas. Durante todos esses anos elas têm qualificado a plataforma e agenda política, criado impactos na esfera pública e obtido conquistas para a cidadania, mostrando- se capaz de dialogar com a sociedade, o Estado e incidir sobre as políticas públicas.
Em 2019, a plataforma política da Marcha apresentou como um dos seus eixos “Democracia com igualdade e fortalecimento da participação política das mulheres” reafirmando o seu compromisso com a luta pela consolidação de uma democracia radical, com a participação das mulheres e de todos os povos historicamente excluído das decisões que afetam os rumos do país e das suas próprias vidas. Para construir a igualdade de gênero como mulheres autônomas, capazes de conduzir suas vidas e ajudar a dirigir as coisas no mundo, as trabalhadoras rurais precisam estar em todos os espaços, mobilizadas, organizadas e conscientes do protagonismo que exercem.
Textos de referência:
Aguiar, Vilênia. Mulheres Rurais, Movimento Social e Participação: reflexões a partir da Marcha das Margaridas. In: Acessar link, 2016.
Carneiro, Maria José. Mulheres no campo:notas sobre sua participação política e a condição social do gênero. In: Acessar link, 1994.
Pimenta, Sara Deolinda C. Participação, poder e democracia – mulheres trabalhadoras no sindicalismo rural. In: Acessar link, 2012.
[1]Pimenta, Sara Deolinda C. Pimenta, Sara Deolinda C. Participação, poder e democracia – mulheres trabalhadoras no sindicalismo rural.
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