Por Silvana Conti
Define-se por LGBTfobia todo e qualquer tipo de conduta decorrente de uma aversão à identidade de gênero ou orientação sexual de alguém que possa gerar dano moral ou patrimonial, lesão ou qualquer tipo de sofrimento físico, psicológico, sexual ou morte.
A criminalização de atos LGBTfóbicos consolidou-se em 2019, com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26/DF pelo Supremo Tribunal Federal (STF), determinando seu enquadramento como crime de racismo, nos moldes da Lei nº 7.716/89, até que seja promulgada lei específica para criminalização dessa conduta pelo Congresso Nacional. Ademais, o STF determinou que, em casos de homicídio doloso, a identificação de LGBTfobia deve ser considerada circunstância qualificadora do crime, por configurar motivo torpe.
Em 2020, 237 LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da LGBTfobia. 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). É o que mostra o Relatório: Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil.
A violência materializada contra corpos de LGBTQI+ é, principalmente, uma violência de gênero, atingindo diferenciadamente e a partir de múltiplas intensidades alguns segmentos, sobretudo, travestis e mulheres trans vitimadas em diferentes contextos e realidades territoriais.
Os Feminicídios estão acontecendo com requintes de crueldade e violência, e as mulheres LBTs não aparecem nas estatísticas por estarem invisíveis, pois na maioria das vezes todas as mulheres são consideradas heterossexuais.
A banalização da violência contra a população LGBT, é um fator crucial que dificulta o seu enfrentamento. Enraizada na cultura e nas práticas sociais, essas violências acabam sendo assimiladas como comuns nas nossas relações. Tal assimilação produz subjetividades marcadas pela subalternidade e hierarquização entre sujeitos/as LGBTs e não-LGBTs.
Esse processo cultural nos impõe o desafio de desnaturalizar as opressões e denunciar a forma como elas constrangem a humanidade por meio de novas práticas culturais e educativas – numa perspectiva freireana, libertadora.
Quando uma mulher desafia o papel que lhe é imposto, como é o nosso caso das Lésbicas, Bis, e Trans ao transgredirmos a norma heteronormativa, acabamos sofrendo uma violência “diluída” que vem de diversas frentes.
As violações contra as mulheres trans, de forma geral, repetem o padrão dos crimes de ódio, motivados por preconceito contra alguma característica da pessoa agredida que a identifique como parte de um grupo discriminado, socialmente desprotegido, e caracterizados pela forma hedionda como são executados, com várias facadas, alvejamento sem aviso, apedrejamento, reiterando, desse modo, a violência genérica e a abjeção com que são tratadas as pessoas trans no Brasil.
Historicamente, a população trans é estigmatizada, marginalizada e perseguida, devido à crença na sua anormalidade, decorrente do estereótipo de que o “natural” é que o gênero atribuído ao nascimento seja aquele com o qual a pessoa se identifica e, portanto, espera-se queela se comporte deacordo com o que se julga ser o “adequado” para esse ou aquele gênero.
A associação de preconceitos resulta em graves violações de direitos humanos cometidas em larga escala. Por meio de seus diversos mecanismos de monitoramentos, historicamente, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) tem recebido informações sobre a vulnerabilidade da população LGBT a atos de violência sexual ou familiar e constatou que, em todo o continente americano, as mulheres LBT correm o risco particular de violência devido à misoginia e à desigualdade de gênero na sociedade.
Segundo a OEA, mulheres lésbicas ou identificadas desta forma foram vítimas de “estupro corretivo”, ou estupro para puni-las, com a intenção de “mudar” sua orientação sexual; de espancamentos coletivos por causa de manifestação pública de afeto; de ataques com ácidos; e de entrega forçada a centros que se oferecem para “converter” sua orientação sexual.
Sempre foi proibido desejar outra mulher, e ainda hoje, a sociedade e os “moralistas de plantão” consideram o amor entre duas mulheres um “pecado”, um “desvio”, uma “anormalidade”, um desejo proibido.
Nos dias atuais, o presidente da república e sua turma afirmam que o divórcio é uma praga, que o aborto é um crime e entendem que o grande papel da mulher é procriar e cuidar da família, e que as Lésbicas, as Bis, as Travestis, as Transexuais e os Gueis são pessoas que necessitam de “ajuda” da medicina, dos exorcistas ou da polícia.
A questão não é ser lésbica, mas, sim, a lesbofobia que enfrentamos a cada dia, nessa sociedade regida pelo heteropatriarcado, pelo sexismo, pelos fundamentalismos que excluem e tão brutalmente destroem vidas e sentimentos, impedindo que nos expressemos livremente.
É preciso considerar o processo de exclusão existindo a partir de determinadas opções ideológicas, de classe social, gênero, raça/etnia, livre orientação e expressão sexual, identidade de gênero. Portanto, é um processo múltiplo que se compõe de situações de apartação de condições de classe, qualidade de vida, dignidade e igualdade de direitos.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos enuncia a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecendo que o valor como pessoa é igual para qualquer ser humano, não importando sua raça, sexo, religião, orientação sexual, identidade de gênero, idioma, ou qualquer outra condição.
Precisamos acreditar na nossa capacidade de construir, transformar, revolucionar esta sociedade, que oprime, quem se atreve a “sair da caixinha”, “fugir da regra”, sair do armário.
Nossa cidadania existe, porque, lado a lado com a luta de classes, nos organizamos e nos constituímos enquanto sujeitos políticos coletivos, como lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, em torno do direito à participação política, ao trabalho, à educação, à saúde, à cultura e às artes, aos esportes, a decidir pelo uso do próprio corpo, à subjetividade de desejar, amar e amar de novo, enfim, termos o direito de ter direitos. Já tivemos inúmeras conquistas, mas ainda temos muito que conquistar.
A agenda conservadora que vem sendo imposta pelo conjunto de valores que ganham muita força com este governo negacionista que representa e fortalece o patriarcado, a misoginia, o feminicídio, a cultura do estupro e a violência contra as mulheres: negras, lésbicas, bissexuais, transexuais, prostitutas, ciganas, deficientes, enfim, todas as mulheres com suas diversidades e especificidades, precisa ser combatida.
Neste momento tão difícil da pandemia onde quase 500 mil brasileiros e brasileiras morreram de Covid-19, o principal desafio dos movimentos sociais, partidos políticos, movimento sindical, é luta em defesa da vida, é acumularmos forças para derrotarmos o negacionismo e a conduta genocida do governo Bolsonaro frente à crise sanitária; vacinação urgente e em massa de todo povo brasileiro; programa emergencial de combate ao desemprego e recuperação da economia com base na ampliação dos gastos públicos; resgate do auxílio emergencial no valor de R$ 600 per capita e R$ 1,2 mil para mães chefas de família.
O fascismo não combina com direitos humanos, e democracia não combina com este projeto ultraliberal e conservador, portanto: Fora Bolsonaro e sua turma.
Silvana Conti é lésbica feminista, vice-presidenta da CTB-RS e mestranda em políticas sociais da UFRGS.