Por João Martins*
O principal formulador da doutrina econômica neoliberal foi o austríaco Friedrich August von Hayek. Recebeu o Prêmio Nobel de economia em 1974, ano marcado por uma grave crise cíclica, acentuada pelo aumento dos preços do petróleo, fruto da guerra do Yom Kippur no Oriente Médio. As concepções keynesianas foram colocadas em xeque pelas contradições inerentes ao sistema capitalista, de forma que ganhou corpo a necessidade de mudar a política econômica.
Hayek, simpatizante do regime fascista imposto pelo general Pinochet no Chile, pioneiro na implantação do receituário neoliberal, afirmou em uma entrevista dada a um jornal chileno: “Minha preferência pende a favor de uma ditadura liberal, não a um governo democrático em que não haja nenhum liberalismo”.
O neoliberalismo para se estabelecer precisa solapar a soberania popular e as liberdades, principalmente da organização dos trabalhadores. São sinais disto Pinochet assassinando lideranças populares, Reagan reprimindo a greve dos controladores de vôo e Margareth Tachert contra a heroica greve dos mineiros.
Já advertia o filosofo Safatle: “…o neoliberalismo vende o medo, ou a distopia de uma sociedade militarizada…” Não há condição do neoliberalismo conviver com a democracia liberal, uma das explicações da crise desse modelo de governo. Pela liberdade do capital os neoliberais rejeitam a democracia liberal, expressando a contradição estrutural entre acumulação de capital e cidadania.
O ataque sistemático ao sistema eleitoral – base do princípio democrático que trata da representação popular e ajuda a definir o caráter da ordem política no país – deixa claramente demonstrado o curso apontado para a consolidação de uma concepção nociva ao desenvolvimento político, econômico, social e cientifico de nosso país.
Há quatro formas de escolha na participação de representantes para o Parlamento, sendo três modalidades de distritais (uninominal, distrital misto e distritão) e o sistema proporcional. O distrital uninominal já foi testado no Brasil no período do Império, através da lei dos círculos (lei 842/1855), posteriormente modificada para lei do terço (lei 2675/1875).
A lei dos círculos foi alterada devido, sobretudo, à distorção pronunciada da representatividade, caracterizando um sistema restrito e antidemocrático, substituído logo pelo terço. Este garantia as minorias a terça parte da representação, mas a lei foi revogada logo após a primeira experiência fracassada.
O distrital misto foi estabelecido na Alemanha após a segunda guerra. O estado seria dividido em 30 distritos para deputado estadual e 10 para deputado federal. Metade dos parlamentares são eleitos pelo voto distrital uninominal (majoritário – quem tiver mais voto leva) e a outra parte pelo proporcional.
Significa, portanto que o quociente eleitoral dobra, o que prejudica sobremaneira os partidos com origem no povo. O quociente de 180 mil em 2018 iria para 360 mil votos para cargo de deputado federal, dobrando, também, o quociente dos estaduais.
No distritão a circunscrição eleitoral correspondera ao Estado da Federação, a disputa pelo voto dar-se-á em todo o território estadual, com uma mudança significativa: a busca pelo voto majoritário, que requer mais recursos, fortalece o caciquismo e dificulta a renovação. Essa forma de sistema eleitoral só existe no Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Ilhas Pitcairn.
Qualquer que seja sua modalidade, o voto distrital indica um sistema elitista que liquida com as candidaturas populares e os partidos não fisiológicos, regionaliza as eleições eliminando os grandes temas políticos, estimula a construção de um sistema bi ou oligopartidário, favorece as candidaturas de pastores, celebridades e os manipuladores das redes sociais.
A manutenção do voto proporcional é questão chave para a sobrevivência da democracia no Brasil. A soberania pertence ao povo, como reza a Carta Magna. A heterogeneidade da sociedade tem que prevalecer nas cadeiras representativas do Parlamento. Como afirmou o filósofo Stuart Mill ainda no século XIX: “Em uma democracia realmente igual, todas as partes deveriam ser representadas, não desproporcionalmente, mas sim proporcionalmente…”
* João Martins é bancário aposentado e ex-deputado estadual do PCdoB/ES