Por Marcos Aurélio Ruy
Nesta terça-feira (5), nove países, presentes em todos os continentes, comemoram o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Data estabelecida pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). E em sua 40ª sessão da Conferência Geral, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) bateu definitivamente o martelo para essa comemoração, em 2019.
Como diz Caetano Veloso em sua música Língua: “O que quer/O que pode esta língua?”, que conta somente com o escritor José Saramago (1922-2010) laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998. Nenhum outro em língua portuguesa jamais foi contemplado pela academia sueca.
Assim como Hollywood nunca escolheu uma produção brasileira para receber o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Aliás, o último a ser escolhido pelos estadunidenses para concorrer foi Central do Brasil (1998), de Walter Salles, no Oscar 1999.
Mesmo o português sendo a língua oficial em nove países abrangendo quase 270 milhões de falantes e, de acordo com especialistas, sendo a língua mais falada do hemisfério sul.
“Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa”, afirmou Fernando Pessoa (1888-1935), sob o heterônimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego. E complementa: “A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha”. O que seria da humanidade sem a palavra?
O Brasil é o país com mais pessoas falando a língua portuguesa. Construiu uma literatura própria, com muita influência da Europa em seu início. Muitos escritores se destacaram nesse tempo todo. Vale lembrar o mineiro Guimarães Rosa (1908-1967) nesse quesito por ser um “inventor de palavras”. Sobre sua própria obra afirmou: “Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente”.
Grandes nomes da literatura brasileira atingiram em cheio corações e mentes dos brasileiros em todos os tempos. Quem há de negar o valor de Machado de Assis, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Erico Verissimo, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Carolina Maria de Jesus, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector e Cecília de Meirelles, só para citar alguns poucos.
Mas nem só de literatura vive a língua portuguesa. A música popular brasileira tem uma pujança difícil de explicar com grandes músicos e poetas. A palavra cantada atinge até aos ouvidos mais moucos.
Na canção Fado Tropical, de Chico Buarque e Ruy Guerra, os artistas dizem: “Quando me encontro no calor da luta/Ostento a agulha empunhadora à proa/Mas o meu peito se desabotoa/E se a sentença se anuncia bruta/Mais que depressa a mão cega executa/Pois que senão o coração perdoa”. Para mostrar a força da língua e do sentimento herdado pelos brasileiros dos portugueses. Sentimento que se reflete na língua ao unir com o léxico de matrizes africanas e indígenas.
Mas provavelmente o poeta parnasiano Olavo Bilac (1865-1918) foi quem chegou mais próximo de uma definição do valor da língua portuguesa em seu soneto Língua Portuguesa ao dizer que:
“Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!”
E como acentua Caetano em sua canção Língua:
“Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E xeque-mate explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem”
Valorizar a língua de uma nação é essencial para começar a compreender e dar valor à cultura popular do país e ler é um bom começo para isso. Mãos à obra.