Li uma entrevista do ex-presidente da Cedae, Wagner Victer, no jornal “O Dia”. Ele criticou a privatização da Cedae, lembrando que mesmo os governos ultraliberais de São Paulo e Minas Gerais não privatizaram suas companhias de água e saneamento.
Victer criticou o modelo adotado, que dividiu a própria cidade do Rio de Janeiro em quatro áreas diferentes, que ficariam sob a administração de quatro empresas diversas. Considerou um factoide o anúncio de investimentos de 30 bilhões de reais na rede, afirmando, ainda, que a conta de água e esgoto vai dobrar na Baixada Fluminense.
A privatização da operação da Cedae é um verdadeiro crime contra o povo do Estado do Rio de Janeiro.
Em primeiro lugar, há a perspectiva imediata da demissão de grande parte dos seus quatro mil funcionários, o que terá um impacto negativo sobre o elevado desemprego e a recessão econômica que o Rio já vive.
Depois, haverá um inexorável aumento nas contas de água e esgoto. Como bem observou Victer, empresas que pagaram bilhões pela concessão vão querer recuperar rapidamente seu investimento, sendo que os mais pobres vão sentir de forma mais intensa o impacto do aumento de tarifas. Em breve, os cortes de fornecimento de água se tornarão tão comuns como os de fornecimento de luz.
O Rio de Janeiro perderá a condição de executar políticas de saneamento e fornecimento de água, pois sua operação estará em mãos da iniciativa privada e, pior, divididas em 4 áreas diferentes. Não é difícil prever que a Zona Sul será beneficiada em detrimento das áreas mais pobres da cidade, como sempre. Na verdade, o fosso da disparidade vai se acentuar, ao invés de ser reduzido.
Os investimentos de 30 bilhões são um factoide e esta quantia não está em documento algum. São, como sempre, “estimativas do mercado” em cima de obrigações previstas no contrato de concessão.
E quem garante que os investimentos serão realizados e os compromissos cumpridos? A “poderosa” agência de fiscalização estadual, totalmente desmontada, que daqui a um mês já estará com a diretoria cooptada pelas companhias vencedoras do leilão. Será o mesmo tipo de “fiscalização” hoje existente sobre a Light, a CEG ou sobre as operadoras de telefonia. Ou seja, a fiscalização é feita por Deus e a cobrança só no Juízo Final.
A privatização da Cedae é um resumo da “política econômica” de Paulo Guedes. Ela consiste em entregar o patrimônio público em condições generosas à iniciativa privada, sem qualquer plano de desenvolvimento estratégico.
Veja-se que o governador bolsonarista Cláudio de Castro fala em investir o dinheiro arrecadado no leilão em estradas. Ora, é evidente que o dinheiro, por obrigação, teria de ser investido na melhoria da qualidade da água captada pela Cedae e que continuará a ser vendida pela companhia às concessionárias, além da expansão da rede de esgoto não abrangida pela concessão.
No entanto, este é o modelo dos ultraliberais: privatizações de setores estratégicos e monopolistas, sem fiscalização da sociedade ou plano estratégico de desenvolvimento do setor.
É entregar ao mercado e acreditar que isto melhorará tudo, como uma espécie de crença religiosa. Só que nesta religião o mercado ganha as bençãos e o povo recebe as obras do diabo.
Humberto Lemos – Presidente do Sintsama-RJ