O professor Silvio Costa, autor do livro “Comuna de Paris. O proletariado toma o céu de assalto”, aborda, no texto a seguir, qual foi o envolvimento dos fundadores do socialismo científico, Karl Marx e Friedrich Engels, nela e que análise fizeram do episódio. O artigo que dá continuidade à série comemorativa desse marco na história da luta dos assalariados:
Marx e Engels, dedicados e argutos pesquisadores e estudiosos em diversas áreas do conhecimento, acompanharam de perto os acontecimentos europeus, a derrota da França na guerra franco-prussiana, e analisaram suas consequências para a Europa e, em particular, para a França. Sobre estes acontecimentos, há duas obras fenomenais, que são inclusive importante auxiliares para entender o Brasil de hoje. A primeira é o “Dezoito Brumário de Luís Bonaparte” e a segunda é o informe redigido por Marx para a Internacional, publicado sob o título de “Guerra civil na França”.
Marx, ao analisar a derrota francesa na guerra franco-prussiana, a instabilidade política e o vazio de poder que se seguiram, alerta que dificilmente uma insurreição proletária obteria sucesso, pois a classe operária se encontrava frágil e carente de uma organização unitária capaz de conduzir o processo revolucionário à frente. Ao mesmo tempo, teria grande dificuldade para combater o grande poderio militar destrutivo sob o controle do Governo Thiers, em aliança e apoiado pelas tropas prussianas que ocupavam grande parte do território francês e sitiavam Paris. É uma análise premonitória, que antecedeu o deflagrar da insurreição em 18 de março. É quando escreve a famosa frase “O proletariado tentou tomar o céu de assalto”.
Mas, desencadeada a insurreição, dedicou-se de corpo e alma a apoiá-la e, após sua liquidação, debruçou-se a analisá-la e extrair seus ensinamentos. Concluiu que a possibilidade de destruição do Estado burguês e organização de um novo tipo de Estado é uma realidade, não uma retórica.
A Comuna nas escolas
Infelizmente, a exemplo da grande maioria de países, vivemos sob o tacão da exploração e opressão de classes, onde as classes dominantes fazem de tudo para esconder a Comuna de Paris, jogá-la para debaixo do tapete. Do contrário, estariam sendo estudadas e divulgadas as experiências históricas de transformação social, municiando, assim, os explorados e oprimidos de conhecimentos fundamentais para a transformação econômica, social e política e para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária.
Mas, em consequência da consciência e compromisso de alguns professores, em sentido amplo e não só pelo exercício da profissão, continua a pesquisa, estudo, publicação, divulgação e publicização deste heroico acontecimento. Queira-se ou não, concorde-se ou não, estes acontecimentos, ocorrido há 150 anos, estão incorporados às lutas e à história mundial.
Aqui, não posso perder a oportunidade de ressaltar e deixar evidente que os ensinamentos propiciados pela Comuna de Paris de 187 não são um receituário a ser seguido. Mesmo porque não há um modelo de revolução e os acontecimentos históricos não se repetem tal e qual ocorreram, mas podem trazer conhecimentos que nos permitam entender melhor outros. Por exemplo, o “Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”, livro de Karl Marx, apresenta fatos semelhantes a acontecimentos atuais no Brasil, guardando, evidentemente, as particularidades e peculiaridades de ambos. A Comuna de Paris, em síntese, é um exemplo manifesto de que é possível, mesmo em situações adversas, construir uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária.
Mesmo no atual contexto nacional e internacional, de tempos difíceis e estranhos, não podemos nos calar e ficar em atitudes contemplativas frente às ameaças que nos atingem. Neste sentido, o conhecimento científico é um importante antídoto e se destaca a necessidade de ampliar e aprofundar os estudos sobre os ensinamentos históricos. Agindo assim, poderemos conhecer os erros e estabelecer, como referências para nossas condutas, os acertos, as práticas corretas e salutares produzidas em nosso processo civilizatório.
Infelizmente, há aqueles que insistem nos erros e se arriscam a estender a sobrevivência da barbárie tentando divulgar, entre parcelas da população, a compreensão de que rememorar, reviver acontecimentos onde as classes exploradas e oprimidas tiveram protagonismo não faz sentido. Negam a necessidade do estudo da história e da ciência. Defendem o negacionismo. Recusam o conhecimento científico. Acastelam-se em argumentos e práticas identificadas com o genocídio, tornando-se verdadeiros mensageiros da morte. Continuam argumentando que devemos ser individualistas, irracionais, violentos. Mistificadores, procuram apresentar-se como cristãos para esconder suas ações e práticas anticristãs.
Porém, mesmo nesta situação, ainda adversa, de proliferação de mentiras, de fake news, de propagação da barbárie e de práticas genocidas, não podemos ficar calados e apáticos. É nossa obrigação resistir e lutar por uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária. Neste sentido, ler, estudar, aprofundar nosso estudo e conhecimento sobre as experiências históricas e, em particular, sobre a Comuna de Paris, nos permite perceber que as práticas identificadas com a barbárie, com o genocídio deste (des)governo frente à pandemia estão fadadas ao fracasso, à lata de lixo da história.
Ao mesmo tempo, evidencia que a implantação do ideário neoliberal e militarista – em que pese o poderio e as pressões norte-americanas e europeias – não consegue destruir e liquidar as esperanças de conquistar melhores dias e uma nova sociedade que possibilite à grande maioria viver com dignidade e felicidade.
Em síntese, a atualidade dos exemplos da Comuna de Paris é reafirmar que é possível, necessário e urgente construirmos um mundo novo, solidário e igualitário. O caminho foi iniciado pelos Communards em 1871, em Paris. Caminho que está aberto e convidando a ser percorrido!
Acese aqui o primeiro artigo desta série: 150 anos da Comuna de Paris