A vulnerabilidade dos empregos é também produto de uma série de medidas adotadas por meio da reforma trabalhista de 2017, que facilitou dispensas coletivas, revogando a exigência de prévia negociação com os sindicatos
do REMIR – Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista
“Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”. A declaração do presidente da República no último dia 4/3/2021, quando a pandemia da Covid-19 adquire no Brasil níveis inimagináveis, mais que uma demonstração de desumanidade e falta de decoro, confirma uma posição enunciada desde o início da pandemia: era preciso arriscar vidas (não importa quantas) para a economia não parar e para que as pessoas pudessem garantir o seu sustento.
Diante da falsa polarização entre direito ao trabalho e direito à saúde, o governo Jair Bolsonaro estaria priorizando a defesa da economia, ainda que ao custo do sacrifício de vidas humanas.
Entretanto, ao contrário do que tem sido propalado, o governo brasileiro falhou miseravelmente nos dois aspectos.
Sem controle da pandemia, sem o cumprimento de medidas sanitárias mínimas e sem a paralisação da circulação de pessoas, aliados à falta de testes, à falta de vacinas e a uma campanha pública de desinformação, o Brasil lidera hoje o número de mortes e contaminações e transformou-se, na opinião dos infectologistas, em um laboratório a céu aberto para propagação de novas cepas do vírus.
De outro lado, como observa o estudo de Marcos Hecksher (IPEA), o Brasil está entre os piores países em termos de preservação de empregos no cenário pandêmico. Considerando os dados da OCDE para 22 países, o estudo revela que os países que salvaram mais vidas foram também os que salvaram mais empregos, caso do Japão, Austrália, Coreia do Sul e Nova Zelândia[1].
Nos preocupa, enquanto pesquisadores e pesquisadoras do mundo do trabalho, perceber a adesão de muitos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros à narrativa governamental, o que os coloca, por vezes, em oposição às medidas de prevenção ao contágio, sobretudo ao lockdown, diante da necessidade de agarrar essa que é apresentada como única via para sua sobrevivência: o trabalho em circunstâncias de risco. Inúmeros são os relatos de óbitos de trabalhadores e trabalhadoras cujos amigos e familiares se contaminaram nos locais de trabalho, contaminando também suas famílias. Também são muitos os registros de trabalhadores e trabalhadoras inconformados com o fechamento do comércio, diante da ameaça que isso representa para seus empregos.
Essa preocupação legítima distorce o fato de que a vulnerabilidade econômica dos trabalhadores e trabalhadoras no cenário pandêmico decorre não das necessárias e urgentes medidas de prevenção ao contágio e circulação de pessoas, mas da falta de coordenação por parte do governo Federal para o controle da pandemia; e das diversas políticas adotadas nos últimos anos, especialmente a política econômica, francamente anti-emprego.
A vulnerabilidade dos empregos é também produto de uma série de medidas adotadas por meio da reforma trabalhista de 2017, que facilitou dispensas coletivas, revogando a exigência de prévia negociação com os sindicatos, e inseriu na ordem jurídica contratos precários, de curta duração e fácil descartabilidade, incapazes de garantir proteção e estabilidade às pessoas em contextos de crise como o que vivemos no momento presente.
Esse cenário de insegurança e incerteza é potencializado pela negligência do governo Bolsonaro em adotar políticas sociais capazes de garantir a saúde, o emprego e a renda da população. É uma estratégia do governo que deixa os brasileiros na mão, pois desorganiza as possiblidades de sobrevivência de muitas atividades econômicas, especialmente das micro e pequenas empresas e dos trabalhadores por conta própria. O auxílio e o benefício emergencial tiveram curta duração, não alcançaram todos os que deles necessitam e foram insuficientes para garantir a sobrevivência dos beneficiados. Na segunda vez em que foi reeditado, o auxílio emergencial teve seu valor foi reduzido pela metade, sendo que desde janeiro não se encontra mais em vigência. Apesar dos seus limites, os estudos econômicos mostram que essas medidas foram fundamentais para o PIB de 2020 não ter caído ainda mais. São benefícios fundamentais para tirar milhões de brasileiros e brasileiras da fome e, assim, garantir alguma renda para os trabalhadores informais, os desempregados e para manter o emprego dos que precisam, no momento, fazer distanciamento social para preservar a vida.
Em um cenário de crescente carestia dos alimentos básicos, de aumento das taxas de desemprego e de agravamento da pandemia, é importante defender a retomada do auxílio emergencial, em valor razoável, para assegurar aos trabalhadores e às trabalhadoras, em situação de desemprego ou emprego, informais ou formais, a possibilidade de defesa de suas vidas e de suas famílias, diante de um cenário de risco de adoecimento e morte.
A generalização do auxílio emergencial é condição fundamental para o resgate da cidadania, refutando a “alternativa” perversa que se apresenta aos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros: ter que trabalhar, expondo sua saúde e sua vida, ou sofrer as consequências da falta de renda, atormentados pelo fantasma da miséria e da fome. E, ainda, tem o efeito positivo de injetar recursos na economia por meio do consumo das famílias beneficiadas, contribuindo para a manutenção da atividade econômica e dos empregos dos setores mobilizados para atender a esse consumo, como mostra estudo da USP[2].
Nós, pesquisadores da REMIR, avaliamos que o agravamento da pandemia da Covid-19 no caso brasileiro encontra-se diretamente atrelado ao desmonte da estrutura pública de regulação do trabalho, à fragilização das políticas sociais de emprego, renda e assistência social, e à negligência do governo brasileiro diante da pandemia.
O convite ao sacrifício individual dos trabalhadores e trabalhadoras é apenas a prova da falência do modelo econômico neoliberal para o trabalho adotado pelos governantes brasileiros. Diante da política de morte e abandono praticada, a resposta passa pela construção de alternativas que atribuam centralidade ao trabalho e à preservação da dignidade da vida humana.
Vacinação para todos, lockdown para interromper a circulação do vírus e auxílio emergencial, em valores condizentes com o custo de vida nacional, são medidas essenciais para a retomada do crescimento econômico. Assim como é fundamental garantir condições dignas de trabalho, com proteção e direitos sociais aos trabalhadores e trabalhadoras que estão em atividades essenciais.