A escritora Claudia de Medeiros Lima, professora do Instituto Federal da Bahia e Mestra em Educação, publica seu no artigo “Palavras (s)em Contexto”. Em seu novo ensaio, Cláudia navega nas reflexões sobre o universo das palavras.
PALAVRAS (S)EM CONTEXTO.
“O mundo das palavras é mesmo muito curioso, existem palavras homógrafas, homófonas e homônimas perfeitas. O que elas têm em comum? A necessidade de reconhecermos o contexto no qual foi empregada. Aliás, empregada se aplica na última categoria citada. Eu poderia estar me referindo à figura feminina que ocupa uma vaga em determinado emprego, como poderia querer dizer sobre as mulheres que desempenham serviços domésticos. Neste caso seria empregada duplamente, pela função desempenhada e pela ocupação determinada? Brincadeiras à parte, estou apenas querendo dizer que o contexto é quem, na maioria das vezes, vai determinar o sentido das palavras.
Essa reflexão sobre as palavras surgiu enquanto lia a legenda de uma imagem veiculada em um jornal de notícias, “presidente sem partido”. Presidente sem partido, presidente sem partido… “sem” e “cem” são palavras homófonas, tem mesmo som, mas escrita e sentidos distintos. A última pode simbolizar quantidade, a cédula de 100 reais, por exemplo, lançada durante o plano real. Até pouco tempo atrás esta cédula era a maior denominação da moeda nacional, mas foi substituída pela nota de 200 reais, que ironicamente estampa o lobo guará, ameaçado de extinção pelo avanço do desmatamento do mesmo “presidente sem partido”. Nesta frase, todavia, o “sem” é sobre ausência mesmo, ele não pertence a nenhum partido político.
Vamos pensar sobre o contexto do “sem”, não apenas textual, mas objetivo, da falta de pertencimento, que no caso da notícia se refere a um partido político. Podemos ampliar e analisar nos diversos significados da palavra “ausência”. Segundo o dicionário, ausência pode ser o ato de se afastar de casa ou de locais que costuma frequentar; o não comparecimento a certo local; o estado de não estar presente em dado momento; um período de privação; uma insuficiência de algo; um lapso de memória, ou mesmo, a perda momentânea de consciência.
Sobre a frase em questão, não custa lembrar que a palavra presidente é um título que designa um Chefe de Estado ou uma pessoa que preside ou dirige deliberações. Sendo assim, o “sem” pode dispensar também o sujeito e o próprio adjunto adnominal. E não é preciso nenhuma análise morfossintática para compreender que o partido seria a última coisa de que o país sentiria falta, apesar de sabermos que a própria ausência de tal significa muito mais que a não adesão a uma sigla política.
“Presidente sem partido”, na atual conjuntura, encontra na ausência o seu sentido unívoco. Simplesmente estamos em falta. Ele não tem partido, nós não temos governo. Estamos de cara com o abismo. Cara, inclusive, é uma palavra homônima perfeita, não estaria equivocada se estivesse adjetivando o custo alto dessa situação. Na oração, contudo, cara é a nossa face ao encontro da gravidade. Gravidade, que tanto nos leva à compreensão da seriedade, da austeridade, do prejuízo ou que, simplesmente, remete-nos a atração exercida sobre qualquer corpo no planeta, cujo resultado conhecemos desde tenra idade.
Resta-nos saber se o tombo, não do inventário, mas do ato de cair mesmo, vai nos impulsionar, novamente, para a busca de um salvador ou de um messias qualquer. Ou mesmo se o acerto, como boa palavra homógrafa, vai traduzir no presente do indicativo, a escolha correta do eu nas próximas eleições ou nos levar a buscar ajustar as contas agora, nas ruas!”