Por Marcos Aurélio Ruy
Quem nunca recebeu um telefonema de uma empresa com a qual nunca teve contato? Quem não recebe mensagens de propagandas de produtos sem entender o porquê? Com o advento da internet e das redes sociais essas coisas se intensificaram.
Por isso, a sociedade civil organizada promove há tempos importantes debates sobre a necessidade de regulamentação do funcionamento da internet, das redes sociais e dos direitos dos internautas.
Esta matéria tenta explicar os procedimentos necessários para se defender das violações dos direitos fundamentais dos cidadãos na internet ou fora dela.
Importante conhecer os termos das leis obre o funcionamento da internet, das redes sociais, sobre a utilização e armazenamento de dados pessoais, a venda ou a transmissão desses dados para outras empresas, entre outras questões fundamentais para a preservação da privacidade e dos direitos da pessoa humana.
Na sequência, nesta terça-feira (16), uma entrevista exclusiva com Renata Mielli, secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e integrante da Coalizão Direitos da Rede. Não perca!
Com a clareza da existência de um mercado que atua de maneira ilícita sobre o armazenamento e tratamento dos dados pessoais e a necessidade de proteção dos usuários, foi aprovada na Câmara dos Deputados, em 2018, a Lei 13.709, conhecida como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), com relatoria de Orlando Silva (PCdoB-SP).
Essa lei sofreu vetos importantes e descabidos do então presidente Michel Temer. Ele criou a Medida Provisória (MP) 869/2018 substituindo os artigos vetados. Com isso, a LGPD passou a vigorar em 2019 e a MP teve sanção do ainda presidente Jair Bolsonaro prorrogando a vigência das sanções administrativas aos eventuais abusos para agosto deste ano.
A LGPD criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Mas a MP de Temer aproximou demais a ANPD da esfera governamental. Mesmo assim, ela tem a incumbência de fiscalizar a utilização dos dados pessoais por empresas ou organismos.
Para o advogado Alexandre Augusto Patara, especialista em LGPD, mesmo com os vetos presidenciais, essa “lei, que entra em vigor em agosto, é extremamente positiva” porque preenche “uma lacuna que nos prejudicava deveras” e “nunca havíamos nos preocupado com a proteção de nossas informações e como estas estavam sendo tratadas”. Para ele, é fundamental a difusão dessa lei e de outras que exigem transparência nas ações na internet.
“Esta lei, já estava sendo utilizada desde o ano passado, o que temos em agosto vem a ser a aplicação das sanções administrativas, pois as judiciais já podiam ser requeridas desde o início de sua vigência, antes do período de vacatio legis (expressão latina que significa vacância da lei sobre o período entre a data da publicação e o início de sua vigência) aplicado à mesma”, complementa.
Como define, Daniel Souza, também advogado especialista em LGPD, “é necessário que todo cidadão entenda que os dados pessoais são direitos individuais, direitos fundamentais. Portanto, “o cidadão deve se importar quando vai fornecer seus dados para quem quer que seja”. Tomar cuidado.
“Precisa conhecer os direitos que a lei lhe garante. Porque qualquer tipo de organização pede qualquer dado pessoal e é necessário que você saiba que você pode questionar. Para que essa dado está sendo coletado? Esse dado é necessário? Com quem essa organização pode ou vai compartilhar esses dados? Por quanto tempo essa organização vai ficar com esses dados? Como ela apaga esses dados?”, são perguntas que devem ser feitas sempre antes da realização de qualquer tipo de transação na internet ou fora dela.
Se antes parecia normal as transações à revelia dos cidadãos, com essa nova lei, as notícias sobre o vazamento de dados pessoais de brasileiros, noticiados pela mídia, comprovam a necessidade da lei e de maior atuação da sociedade civil na fiscalização sobre a aplicação da legislação existente.
Venda de números de CPFs de banco de dados pessoais não podem mais acontecer. De acordo com Patara e Souza, ações judiciais caso essas coisas ocorram. A LGPD determina que os titulares são os donos dos dados e não as empresas que os armazenam. Como esses vazamentos acontecem? Como navegar pela internet em segurança? Como saber se estamos sendo manipulados?
“É preciso que o conhecimento seja difundido para que todos saibam a importância da privacidade dos dados pessoais e dos direitos que a LGPD acaba trazendo com relação à privacidade dos dados, aos direitos que o cidadão tem que as empresas precisam observar de uma forma específica, mas tem também a questão da segurança da informação, que é uma outra coisa que tem relação com a parte tecnológica”, define Souza.
A segurança e o direito à privacidade na internet são preocupações constantes dos usuários desde 1969, quando ela surgiu nos Estados Unidos. A humanidade se viu numa possibilidade de comunicação numa velocidade jamais vista. Com o advento das redes sociais, anos depois, as possibilidades se ampliaram.
Junto a esse importante avanço tecnológico surgiram os problemas vivenciados hoje com manipulação de informação, disseminação de fake news, além de acusações de utilização das redes sociais para determinados projetos políticos econômicos e sociais.
Patara acentua que “hoje em dia todos nós estamos sujeitos à requisição de nossos CPFs para conseguir algum desconto ou algum benefício, isso em todos os lugares e todos os comércios. A questão da proteção passa pela solicitação da não utilização dos dados fornecidos para outro fim a não ser o cadastro interno. A solicitação de não comercialização destes dados e a requisição de como estes mesmos serão tratados pela empresa solicitante. Em termos mais simples vem a ser desta forma como nos protegemos”.
O filme “O Dilema das Redes” (2020), de Jeff Orlowski, produção da Netflix, joga luz ao debate ao apresentar depoimentos de quem viveu o dilema de trabalhar nas redes e os diversos artifícios de manipulação dos usuários promovido pelas redes sociais e com isso formar bolhas de comunicação, impedindo a amplitude do debate, além da utilização das informações para ganhar dinheiro.
“Agora existem regras”, explica Souza. Com a LGPD, “aquelas empresas que usam nossos dados indiscriminadamente, não poderão fazer isso mais porque agora existem umas regras específicas para que elas possam usar os dados como por exemplo, elas necessitam do consentimento ou uma obrigação legal ou uma execução de contrato. Tudo para justificar o porquê elas estão utilizando os dados pessoais”.
De acordo com ele, “existem direitos que os donos dos dados possuem”, portanto é preciso “entender o que deve ser feito agora pelas empresas para que elas utilizem os dados, mas de forma correta, de forma prudente”, mesmo assim, “como se garante que não haja invasão ou como é que me protejo disso?”, pergunta Souza.
“Impedir a invasão é impossível. Mas você pode minimizar, dificultar que isso aconteça. Isso se faz através da cultura. É necessário entender como é o funcionamento os golpes, como é a ação dos crackers, não dos hackers, o hacker é como se fosse alguém que invade para o bem, o cracker invade para fazer coisas ilícitas. É necessário saber como funciona isso porque você consegue minimizar os riscos”.
Por isso, vários organismos que cuidam do assunto passaram a reivindicar mecanismos de regulação sobre o funcionamento da internet. No Brasil, a primeira lei a tratar do respeito à privacidade levou o nome da atriz Carolina Dieckmann (Lei 12.737, de 30 de novembro de 2012), devido ao vazamento de fotos íntimas da atriz, tiradas de seu aparelho de celular indevidamente. A lei prevê punição aos invasores.
Dois anos depois, após ampla discussão pelos setores envolvidos, foi aprovado do Marco Civil da Internet (Lei 12.965, de 23 de abril de 2014), com objetivo de regular os “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios em relação à matéria”. Os especialistas viram o Marco Civil da Internet com uma importante vitória da sociedade para estabelecer seus direitos e deveres.
“Hoje, em um mercado tão voltado para o conhecimento das coisas, onde a máxima já utilizada anteriormente que versa sobre ‘conhecimento é poder’, esse conhecimento reverte-se no que chamamos de dados”, argumenta Patara. Assim “quem tem a maior quantidade de dados sobre uma pessoa, pode monetizar essas informações e conseguir seu intento”, mas “a invasão à privacidade se dá quando somos compelidos a aceitar termos impostos pela maior rede social existente sem ao menos podermos ter a opção de rejeitá-los ou não”.
No entanto, “quando somos obrigados a entregar algum dado nosso para que isso se reverta em benefício ou para termos acesso a algo, não deve ser feito, pois estamos abrindo mão de nossa liberdade de escolha por algo que não irá nos favorecer. Devemos ter em mente que nossos dados somos nós e essas informações pessoais devem ser muito bem guardadas e somente entregues em casos de extrema necessidade”, reforça.
“Vale ressaltar que mesmo antes da vigência da LGPD, já haviam outros dispositivos que tratavam de modo muito parecido com o tema, como por exemplo, o Marco Civil da Internet, Código de Defesa do Consumidor e a Lei Carolina Dieckmann”. Explica ainda que “todas essas legislações tratam de uma certa forma com relação a dados e privacidade, mas a LGPD trouxe de maneira específica dispositivos que regulam as obrigações e deveres que as empresas têm, ou seja, não somente as empresas, mas todas aquelas organizações que de alguma forma cuidam de dados pessoais devem observar sobre os direitos dos titulares de dados”, explica Souza.
Enquanto Patara define que “desta forma, o Marco Civil é o início do processo de proteção a qual a LGPD veio dar continuidade e espera-se que seja cada vez mais aceita pela população e que um número maior de brasileiros tome consciência da correta utilização de seus dados”.
Para ele, “por incrível que pareça, esses dados que ninguém leva muito a sério, pois são cotidianos em nossa vida, são mais valiosos que petróleo em nossos tempos atuais. Sempre que desejarem não fazer mais parte de grupos de assinatura de produtos, receber e-mails de marketing, ou vendas de qualquer outro produto, ou não desejarem mais ligações de empresas de telemarketing, no caso de e-mails cliquem para cancelar a inscrição, se não houver essa opção, procure um advogado de sua confiança que entenda de LGPD”.