Por Vanessa Nicolav
No ano em que o país foi assolado pela maior pandemia dos últimos tempos, o mundo do trabalho foi um dos mais impactados. Muitos setores tiveram que parar, trabalhadores foram afastados ou tiveram que trabalhar de casa devido aos riscos do novo vírus.
Porém, foram poucos os que tiveram esse benefício. Dos mais de 90 milhões de trabalhadores ativos no país, apenas 7,9 milhões trabalharam em suas casas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Covid). Destes, 879 mil deixaram de receber qualquer remuneração.
Para Ricardo Antunes, professor de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas, a pandemia, na prática, deixou explícita as más condições de trabalho da maioria dos brasileiros e revelou os impactos da flexibilização dos direitos que vêm se acelerando desde a aprovação da reforma trabalhista em 2017.
“Embora não tenha sido a pandemia que causou essa tragédia no mundo do trabalho, ela pôs a nu a forma pela qual o capitalismo já vinha empurrando a classe trabalhadora para a flexibilização, a terceirização, a informalidade e intermitência”, afirma o sociólogo.
Mesmo ovacionados e considerados heróis da pandemia, os trabalhadores da saúde foram exemplo explícito da falta de amparo que a maioria dos postos de trabalho oferecem hoje no país.
Já em junho, relatos de diferentes partes do Brasil denunciaram a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) para o atendimento adequado nos hospitais e formas contratuais frágeis realizadas pelos hospitais de campanha.
“Vários hospitais de campanha fazem contrato sem nenhum direito trabalhista, você não tem nenhuma garantia se você adoecer, nenhuma garantia para sua família, tem muitas famílias que estão saindo das suas casas para não colocar suas famílias em risco”, denuncia Érika Fontana, médica que participou de manifestação por melhores condições de trabalho.
“A gente tá na linha de frente mas a gente não pode ser tratado como herói e simplesmente ter uma capa e resolve tudo. É preciso medidas governamentais”, completa Fontana.
Com o fechamento do comércio e lockdown decretado em alguns estados, os trabalhadores informais foram diretamente afetados. Eles, que representam cerca de 40 milhões de brasileiros, tiveram como alternativas serviços com alta demanda durante a pandemia, como é o caso dos entregadores de aplicativo.
Sem direitos trabalhistas, essa nova categoria se configurou como a marca do novo trabalho precarizado, informal, inseguro e subordinado ao sistema de produtividade digital. Em julho, após diminuição sucessiva dos valores repassados aos entregadores, a categoria saiu às ruas para denunciar a exploração contínua de aplicativos como Rappi, iFood e Uber Eats.
“Eles abusam dos entregadores. É taxa em cima de taxa. E a taxa vem baixando gradualmente. Toda semana que você vai ver no extrato da semana passada, está abaixo, sendo que eles cobram mais do cliente hoje do que antes da pandemia”, afirma Fábio Guarten, entregador de aplicativo que participou do breque dos entregadores, realizado em julho na capital paulista.
Em agosto foi a vez dos funcionários dos Correios realizarem greve para denunciar a perda de benefícios garantidos, falta de segurança durante a pandemia e o risco de privatização da estatal. Foram 35 dias de paralisação, que configurou a greve mais longa da categoria.
Com função central nesse cenário, a postura do governo Bolsonaro foi de incentivo à aprovação de leis que precarizaram ainda mais os direitos trabalhistas, como a medida provisória (MP) da liberdade econômica, que entrou em vigor neste ano, e a MP da carteira verde amarela, aprovada em abril.
O repasse de mais de 1 trilhão aos banqueiros e a exclusão de apoio aos pequenos comerciantes brasileiros explicitou o apoio presidencial aos grandes investidores, em detrimento dos trabalhadores.
Como resultado, o Brasil encerra o ano de 2020 com um saldo de mais de 14 milhões de desempregados no país. Durante a pandemia, mais de 9 milhões de postos de trabalho foram fechados.
Edição: Leandro Melito
Fonte: Brasil de Fato