Haroldo Lima, engenheiro e destacado dirigente nacional do PCdoB, ex-deputado federal por cinco mandatos – inclusive como constituinte de 1988 – e ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), fala ao HP sobre a atual situação mundial e faz um balanço dos avanços sociais e econômicos obtidos pela China, o maior país socialista do mundo e, hoje também, a maior economia do planeta.
“Há cerca de umas três décadas, o eixo econômico principal do mundo desloca-se gradativamente para o Oriente, para os países da Ásia, banhados pelo Pacífico. À frente deles está a China socialista, hoje a maior nação do mundo sob o aspecto econômico”, descreve Lima. “As conquistas sociais da China são entrelaçadas entre si e são extraordinárias”, acrescentou o dirigente comunista.
Segundo Haroldo, “a China socialista tem conseguido manter uma posição pioneira nas tecnologias de ponta, na robótica, nas energias alternativas, na internet das coisas, na impressão 3D, na automação, na inteligência artificial, nos computadores quânticos e, destacadamente, na 5ª geração de internet móvel, a famosa 5G”.
Ele lembrou ainda que o primeiro país socialista do mundo, a URSS, teve de enfrentar a Alemanha nazista e, que, agora, a China presencia a decadência do império americano. “Depois que a União Soviética liderou o enfrentamento do nazismo e comandou o processo da vitória contra Hitler, a Guerra Fria começou entre os EUA e a URSS”, lembrou. “Hoje essa situação perdura e a China, que é a nação que emerge, não tem apetites de intervenção nem posturas belicosas, ao contrário”, destaca Lima.
A seguir, a íntegra da entrevista
Hora do Povo: Como você avalia o papel da China no mundo na atualidade?
Haroldo Lima: A América do Norte e a Europa são as regiões do mundo que mais produzem e mais comercializam e, portanto, mais decidem os rumos da geopolítica internacional, há muito tempo. É o Ocidente, que abarca os dois lados do Atlântico. Lidera esse eixo Atlântico os Estados Unidos.
Há cerca de três décadas, o eixo econômico principal do mundo desloca-se gradativamente para o Oriente, para os países da Ásia, banhados pelo Pacífico. À frente deles está a China socialista, hoje a maior nação do mundo sob o aspecto econômico. O FMI informa que o PIB chinês, medido em Paridade de Poder de Compra, em outubro de 2020, foi de US$ 24,1 trilhões, tendo ultrapassado o dos Estados Unidos que, pelos mesmos critérios, ficou em US$20,8 trilhões. Lidera esse eixo Pacífico, a China socialista que, assim, tem hoje, no mundo, uma importância capital.
Face a pandemia, dados do FMI mostram que, enquanto o mundo terá uma contração de 4,4% em seu PIB de 2020, a China terá um crescimento de 1,9%, único país grande do mundo a crescer. Em 2021 seu crescimento será de 8,2%.
“Nesses cinco anos o governo socialista erradicou a miséria que atingia 93 milhões de pessoas, um feito enorme, mas absolutamente menor que a erradicação da pobreza feita nas últimas décadas de cerca de 600 milhões de pessoas que, sobretudo no campo, viviam em situação de penúria. A pobreza é erradicada quando a população passa a ter acesso a saúde, educação, trabalho”
HP: Como vê as conquistas sociais da China, entre as quais a erradicação da pobreza e os direitos à saúde, educação e moradia?
Haroldo: As conquistas sociais da China são entrelaçadas entre si e são extraordinárias. Agora, no final de 2020, o presidente Xi Jinping anunciou o fim da pobreza absoluta no país, programado há cinco anos para acontecer. Nesses cinco anos, o governo socialista erradicou a miséria que atingia 93 milhões de pessoas, um feito enorme, mas absolutamente menor que a erradicação da pobreza feita nas últimas décadas de cerca de 600 milhões de pessoas que, sobretudo no campo, viviam em situação de penúria. A pobreza é erradicada quando a população passa a ter acesso a saúde, educação, trabalho. A China parece ser o primeiro país do mundo a erradicar a pobreza absoluta (US$1,5/dia) e, com certeza, dos grandes países, é o primeiro e único.
HP: Como analisa os avanços tecnológicos da China e seus impactos no país e no mundo?
Haroldo: A primeira experiência socialista do mundo, inaugurada na União Soviética após a Revolução de Outubro de 1917, conseguiu feitos memoráveis nos terrenos econômicos, infra-estrutural, energético, aeroespacial, educacional, cultural, militar. Mas, a partir de determinado momento, não acompanhou o desenvolvimento mundial em tecnologias de ponta e foi ficando para trás em indústrias mais sofisticadas. Isto teve consequências desastrosas para o atraso que acometeu aquela sociedade.
A atual experiência socialista do mundo desenvolve-se, da forma mais expressiva, na grande nação chinesa. E, seguindo caminhos inovadores, diferentes dos seguidos pela União Soviética, a China socialista tem conseguido manter uma posição pioneira nas tecnologias de ponta, na robótica, nas energias alternativas, na internet das coisas, na impressão 3D, na automação, na inteligência artificial, nos computadores quânticos e, destacadamente, na 5ª geração de internet móvel, a famosa 5G. Há pouco, a China lançou o BeiDou, espécie de GPS chinês, mas mais preciso que o GPS.
HP: É correta a impressão de que o uso de fontes renováveis de energia tem se intensificado na China?
Haroldo: A China está na linha de frente da transição energética em curso no mundo. Tem avançado muito no uso das duas fontes principais das energias renováveis, a eólica e a solar. O Conselho Mundial de Energia informa que a China, antes da pandemia, até fevereiro de 2019, havia instalado mais geradores de energia eólica que qualquer outro país. Seu território apresenta muitas vantagens para a produção de energia eólica, em terra e ao longo de todo seu litoral. Suas fábricas exportam grande quantidade de aero-geradores para o mundo.
No que diz respeito à energia solar, também seus avanços são enormes. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), de 2012 até 2016, a instalação de painéis fotovoltaicos cresceu 125% na China, sendo que no ano de 2016, o país investiu mais nessa área do que a Europa, os EUA e o Japão juntos. Em duas vertentes registra-se desenvolvimento vertiginoso, na instalação de capacidade produtiva interna e na exportação desses painéis solares.
A China está engajada na superação do uso de fontes poluentes e participa do Acordo de Paris que estabelece metas de diminuição das emissões de CO2. O presidente da China, Xi Jinping, em sua obra A Governança da China (Vol II), quando escreve sobre “o sonho chinês”, fala em “dar asas aos sonhos dos jovens”, “criar um meio ambiente melhor para uma China bela”, “inaugurar uma nova era de ecocivilização socialista” e “deixar para as gerações futuras um ambiente de céu azul, terra verde e água limpa”.
Tudo isto diz respeito ao rumo que o Partido Comunista da China está dando à construção da economia socialista de mercado que empreende na China, que é a economia socialista contemporânea. Os obstáculos, entretanto, ainda são grandes nesse terreno. A China é rica em carvão e, embora o consumo deste energético poluente do país esteja diminuindo, ele ainda é a principal fonte de energia em vigor. Em 2003, sua participação era em torno de 70% na matriz energética chinesa, participação que foi reduzida para algo em torno de 55%, em 2019.
Outra fonte energética, não poluente, e que cresce na China, é a nuclear. O país conta hoje com 39 reatores, que participam apenas com 3,9 % da matriz do país. Só para comparar, os Estados Unidos tem 99 reatores que contribuem com 20% da matriz energética. A França tem 58 reatores que produzem 72% de toda a energia do país. A Argentina tem 3, que participam com 4,5%, e o Brasil tem 2 que participam com 2,7% da matriz.
HP: Pode nos falar da iniciativa chinesa “Nova Rota da Seda”?
Haroldo: Trata-se do maior projeto integracionista e desenvolvimentista que já se fez no mundo em todos os tempos. Foi lançado pela China em 2013, inspira-se na antiga Rota da Seda que integrou o Oriente ao Ocidente desde 200 anos a.C até o século 16. Enquanto a antiga Rota da Seda era basicamente trilhada por caravanas montadas em camelos, que percorriam longos trajetos por terra, a nova Rota da Seda, hoje chamada de “Um cinturão, uma rota”, é um projeto vertiginoso que prevê a construção de infraestrutura de transporte por rodovia, ferrovia, mar e ar, de um lado a outro do mundo.
Na consecução desse gigantesco projeto, a China vem fazendo massivos investimentos, não só em infraestrutura de transporte, mas em gasodutos, oleodutos, portos, aeroportos, assinando acordos com os países por onde a “rota” passará, ou já está passando. Noticia-se que 125 países estão sendo articulados nesse empreendimento e que, em conjunto, já se movimentaram algo como US$ 6 trilhões, uma imensidão de recurso.
A China tem prestigiado enormemente essa iniciativa, sendo ela uma das mais importantes do país. Dados mostram que o investimento chinês no exterior, entre janeiro e outubro deste ano, caiu 3,2%, enquanto para os países por onde passa o “cinturão e rota”, subiu 23,1%. “Um cinturão, uma rota”, pretende chegar até a América do Sul, estando em curso negociações com o Chile, Argentina e alguns outros países da região. O Brasil não participa.
HP: Quais suas impressões sobre o 14º Plano Quinquenal?
Haroldo: Em primeiro lugar, é uma grande vitória do socialismo, sistema baseado em economia planejada. Mostra que o país que mais se desenvolve no mundo de hoje é uma país que planeja sua economia pela 14ª vez consecutiva, desde 1953, quando foi elaborado o 1º Plano Quinquenal da República Popular da China.
O 14º Plano Quinquenal da China, aprovado em outubro passado, indica que a China continuará, no futuro próximo, no caminho de desenvolver sua economia socialista de mercado e manterá o ímpeto desenvolvimentista das últimas quatro décadas. O Plano, previsto para cobrir o período de 2021 a 2025, define metas audaciosas para o desenvolvimento social do país. Do informe da Agência Xinhua sobre o 14º Plano Quinquenal destaco:
- Manter “um desenvolvimento econômico sustentável e saudável com base em uma melhoria acentuada na qualidade e eficiência”;
- “Desenvolver “o mercado interno”, “melhorar a estrutura econômica e fortalecer a capacidade de inovação”;
- “Modernizar a cadeia industrial”; “desenvolver fundamentos mais sólidos para a agricultura”;
- “Melhorar ainda mais sua economia de mercado socialista e concluir basicamente a construção de um sistema de mercado de alto padrão”;
- “A etiqueta social e a civilidade da China serão ainda mais aprimoradas, enquanto os valores socialistas serão mais adotados pelo povo”.
HP: Como você avalia a elevação das tensões políticas entre os EUA e a China, observada nos últimos anos?
Haroldo: Analistas informam que, no passado, muitas vezes sobrevinha guerra quando uma potência hegemônica era ultrapassada por outra. A Segunda Guerra não aconteceu por essa razão, mas a Alemanha cogitava “espaço vital”. Depois que a União Soviética liderou o enfrentamento do nazismo e comandou o processo da vitória contra Hitler, a Guerra Fria começou entre os Estados Unidos e a União Soviética.
Em todo o período da Guerra Fria existiu a ameaça de um novo conflito global entre as superpotências, sendo que, uma opinião aceita é a de que, um dos fatores que fizeram com que a guerra não ocorresse foi o cataclisma geral que ela desencadearia, ou seja, quem a começasse poderia destruir o adversário, mas seria destruído também. Hoje essa situação perdura e a China, que é a nação que emerge, não tem apetites de intervenção nem posturas belicosas, ao contrário. O mundo também vive uma situação de multipolaridade, se bem que o poderio militar americano é o maior de todos.
Como a característica imperialista dos Estados Unidos não vai mudar, segue-se que a ameaça de guerra continuará. A saída de um governante arrogante belicoso, como Trump, melhora as condições de se esperar, apesar das contradições, por um tempo de paz para o mundo. É o que esperamos.
Fonte: Hora do Povo