Por Ronald Ferreira dos Santos, Jorge Bermudez e Debora Melecchi
No Brasil, que se aproxima de 200 mil vítimas da COVID-19 a Defesa da Vida e das instituições que garantem o Estado Democrático de Direito seguem como prioridades máximas, mas com elas ganham força e centralidade as urgências de grande parte da população e a defesa da soberania nacional, questões só possíveis de serem enfrentadas com forte protagonismo do Estado e amplo diálogo social. Conter a pandemia é a urgência número 1, tornou-se não apenas uma questão sanitária, mas uma questão econômica e social, por isso o fortalecimento do SUS público, integral e universal tornou-se imprescindível, bem como o engajamento da sociedade na necessária tarefa de combate a pandemia.
Compreender o que nós brasileiros instituímos como SUS é fundamental, por que os “antissistemas” que tomaram de assalto o poder, também tem o SUS como alvo, e o autoritarismo com ferramenta de garantia de seus interesses, expresso hoje na predominância da lógica de curar a Covid-19 em detrimento das ações preventivas ao SARS-COV2.
As denúncias ocupam diariamente os noticiários e as páginas da mídia, não apenas relacionadas com a pandemia atual, mas agravadas pela omissão e descaso de autoridades. Kits diagnósticos prestes a expirar em depósitos centralizados sem distribuição a estados e municípios ocupam as páginas da imprensa, a vacina sendo especulada pelo mercado financeiro e pelo mercado da política, enquanto a pandemia se agrava, leitos hospitalares com uma ocupação maior do que no início da pandemia e a população ocupa os espaços coletivos irresponsavelmente, espelhando o comportamento e exemplo que emanam de autoridades que insistem em negar a Ciência e a Medicina, insistindo em minimizar a característica coletiva da pandemia bem como a doença e suas consequências.
Na contramão dos interesses da sociedade, a submissão do governo federal aos interesses do Trumpismo, o isolamento de parceiros habituais e o alinhamento com blocos fora do eixo habitual, como foi o caso recente na OMC e as críticas reiteradas a parceiros comerciais importantes, como a China, compõem um cenário que acirra ainda mais nossa dependência externa e comprometem interesses sociais. A imagem que o mundo tinha da diplomacia brasileira e dos avanços em conquistas sociais e em direitos humanos no Brasil são substituídos por surpresa diante das posições formais que o Brasil adota em foros internacionais.
Em que pese as restrições orçamentárias, o desfinanciamento, o desmonte de políticas públicas efetivas e o aumento de demanda, cresce o respeito pelo SUS em todas as camadas da população. O SUS é muito mais do que filas nos hospitais ou centros de saúde. O SUS é a resposta às necessidades de saúde durante a pandemia do novo coronavírus; o SUS é o resgate de vítimas dos recentes desastres de Mariana e Brumadinho; o SUS também inclui os procedimentos de alta complexidade, transplantes, atenção oncológica de excelência; o SUS é a produção de medicamentos e vacinas pelas instituições públicas que orgulham o Brasil e os profissionais de saúde.
O SUS é o acesso a tecnologias de saúde e o respeito aos direitos humanos, na busca por eliminar as desigualdades presentes em um país continental como o Brasil. A defesa da vida está na essência do SUS. Nosso SUS é uma proposta política ousada e única no mundo, que envolve a saúde como direito de todos e dever do Estado, que leva em consideração princípios éticos como a integralidade, a universalidade e a gratuidade. Entretanto, é engano pensar que gerir o SUS é apenas a gestão financeira de recursos para a atenção. Além da luta incessante por recursos adequados e de chegar na atenção, temos que pensar no que foi e ainda é a construção desse modelo e que obrigatoriamente engloba a Ciência, Tecnologia e Inovação; a assistência farmacêutica e a vigilância em saúde, não como ações coadjuvantes, mas como elementos na essência desse sistema, tal o grau de complexidade e complementaridade que o mesmo envolve.
A importância do SUS e de seu caráter público ficou mais evidente ainda no enfrentamento da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus. A defesa da vida e a atuação nesta situação de emergência em saúde de caráter nacional e internacional, conta com profissionais de saúde preparados e comprometidos em todas as frentes, na atenção básica, na assistência farmacêutica, na vigilância em saúde, na alta complexidade e em tantas atividades de prevenção, proteção e recuperação da saúde de nossas populações. Mecanismos de solidariedade, tão necessários nestes momentos em que as desigualdades ficam mais evidentes, são assegurados pela participação social e pelo comprometimento com populações negligenciadas e vulneráveis.
Somente através do SUS é possível desenvolver um processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise de dados e disseminação de informações sobre eventos relacionados à saúde, visando o planejamento e a implementação de medidas de saúde pública, incluindo a regulação, intervenção e atuação em condicionantes e determinantes da saúde, para a proteção e promoção da saúde da população, prevenção e controle de riscos, agravos e doenças. É inacreditável e inaceitável a completa falta de coordenação das ações de vigilância em saúde, a ponto da principal fonte sistematizadora de informações hoje sobre saúde seja um Consorcio Privado de meios de comunicação.
A lógica do medicamento como insumo essencial para as ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto individual como coletivo, e a garantia do direito ao acesso e seu uso racional jamais ficaram tão evidentes e necessários como nesse momento, mas apesar disso, vacinas, kit diagnósticos, testes e outros medicamentos são apropriados por mercadores de interesses alheios as necessidades de saúde da população brasileira. Mas é fundamental lembrar, pois está na lei 13021/14, que é responsabilidade do poder público assegurar a assistência farmacêutica, segundo os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, de universalidade, equidade e integralidade.
Ao mesmo tempo, a Ciência, Tecnologia e Inovação, a incorporação de tecnologias e nossa soberania nacional não são mecanismos complementares, mas elementos essenciais na luta por assegurar melhores condições de saúde e de vida a nossa população. O Brasil foi pioneiro em mostrar ao mundo que um país de renda média pode falar em acesso universal e igualitário, na produção pública de insumos essenciais e no desenvolvimento de nosso complexo econômico e industrial de saúde, em utilizar os mecanismos que o arcabouço jurídico internacional nos permite para colocar os interesses sociais antes dos interesses comerciais, os interesses coletivos antes dos interesses individuais e para voltar a sonhar que é possível construir um país mais justo para nossas futuras gerações. Defender o SUS é defender a vida, o Brasil precisa do SUS!
Ronald Ferreira dos Santos – Presidente da FENAFAR, Farmacêutico do CIATox-SC, Ex-presidente do CNS
Jorge Bermudez – Pesquisador da ENSP/Fiocruz; foi membro do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos do Secretário-Geral das Nações Unidas
01 de dezembro de 2020
Debora Melecchi – Diretora da FENAFAR e Coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde – CNS