Forma-se uma onda especulativa de alta dos preços, na qual o gatilho para a venda rápida – e fuga para o dólar – será uma frustração com o Congresso, um problema para fechar o orçamento, a dívida chegando a 100% do PIB e outros eventos negativos, mas que não seriam dramáticos, não tivessem sido colocado como gatilho para o mercado pelo próprio Ministro da Economia.
Por Luis Nassif
Nos anos 90, Paulo Guedes foi apelidado de Beato Salú por usar, com exagero, um dos principais instrumentos retóricos dos economistas: a ameaça do fim do mundo. Essa retórica terrorista é historicamente utilizada pelos economistas desde tempos imemoriais. Mas quando brandidas por um Ministro da Economia irresponsável trazem uma boa dose de risco para a economia.
O mercado se movimenta em torno de ondas especulativas recorrentes. Cria-se uma expectativa qualquer em torno de um episódio em geral irrelevante. Por exemplo, aprovação de determinada lei; discussão em torno de um pacto político. Esse movimento é armado por profissionais do mercado, valendo-se de repórteres financeiros de baixo discernimento.
Arma-se a contagem regressiva. Na véspera do evento, independentemente de seu resultado, os profissionais passam a desovar os papéis que compraram, furando a bolha.
O que Guedes está armando é um terrorismo, com ameaças de hiperinflação, se seus desejos não forem atendidos – privatização selvagem, manutenção da Lei do Teto e outras tarefas impossíveis. E, quando se analisa o mercado, há uma boa dose de gasolina sendo despejada no chão.
Entenda o jogo.
Peça 1 – O nível de atividade
Houve uma certa fantasia no mercado devido ao que se imaginou perda de ritmo do comércio, de acordo com a Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE.
De fato, na saída do primeiro isolamento, houve ganhos expressivos do comércio por uma razão óbvia: a economia parou nos três primeiros meses de pandemia. Portanto, qualquer acréscimo de vendas teria um bom impacto percentual.
No gráfico abaixo, entenda essa perda aparente de dinamismo do crescimento.
Repare que de junho em diante, o desempenho de Hipermercados e Supermercados foi medíocre. Mas apenas porque, no período anterior, registraram crescimento expressivo.
O gráfico abaixo analisou o desempenho acumulado dos indicadores em cada data até setembro em cima da média acumulada de 12 meses.
Repare que o acumulado de março a setembro mostra avanços expressivos em Tecidos, Vestuários e Calçados, Móveis e Eletrodomésticos, Outros, Veículos e Material de Construção.
No entanto, quando se analisa o acumulado de novembro de 2019 a setembro de 2020, há quedas em 4 setores: Combustíveis e Lubrificantes, Tecidos, Vestuário, Equipamentos de Escritório e Veículos.
Peça 2 – Os problemas à frente
No entanto, há um conjunto de problemas pela frente.
O primeiro, uma pressão persistente de custos, tanto no setor de alimentos quanto de equipamentos.
De fevereiro a outubro, o item Óleos e Gorduras registrou 33,5% de alta; leite e derivados, outros 17,1% e carnes 11,5%.
Em comum, o fato de serem produtos comercializáveis, pressionados em duas frentes: a alta das cotações internacionais e a desvalorização do real frente o dólar, o que aumenta em reais a receita proveniente das exportações. Grosso modo, se as cotações internacionais aumentarem 10% e o câmbio 30%, o impacto final sobre os preços, em reais, será superior a 40%.
Algumas fontes do governo sustentam que haveria estoques reguladores para segurar a alta. Mas não há estoques de soja, como não havia de arroz e carne – dois outros produtos afetados pelas exportações.
Desde o governo Temer, o fiscalismo irresponsável levou a um desmonte da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e da política de estoques reguladores.
No caso da soja, por exemplo, os estoques acumulados de soja em grão, até setembro, eram 0,7% a menos do que no ano passado. Mas houve uma queda de 20% nos estoques de farelo de soja e de 35% em óleos de soja. Sem nenhuma restrição às exportações, nenhum imposto de exportação para refrear o impacto nos preços internos, não haverá como conter os preços dos comercializáveis.
Os desarranjos nas cadeias produtivas, além disso, têm produzido pressões de custos em muitos setores industriais. No gráfico abaixo, o levantamento do Índice de Preços ao Produtor, mostrando pressão de custos relevantes em todos os setores.
Peça 3 – O xadrez do Banco Central
Aí se entram nas sinucas do Banco Central.
Há uma pressão de custos, puxada especialmente pela desvalorização do real. O único instrumento do qual se vale a política econômica é a política monetária. Se puxar os juros, o Banco Central impactará a dívida pública e abortará qualquer respiro de recuperação.
Com a inflação subindo, o BC enfrentando a pressão pela alta da Selic, o Tesouro tendo que rolar a dívida no dia a dia, com o Ministro jogando contra – isto é, a favor das expectativas negativas – o desfecho é previsível.
Forma-se uma onda especulativa de alta dos preços, na qual o gatilho para a venda rápida – e fuga para o dólar – será uma frustração com o Congresso, um problema para fechar o orçamento, a dívida chegando a 100% do PIB e outros eventos negativos, mas que não seriam dramáticos, não tivessem sido colocado como gatilho para o mercado pelo próprio Ministro da Economia.
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