Por Marcos Aurélio Ruy. Foto: Álvaro Caldas
O cineasta documentarista, Silvio Tendler, que acaba de completar 70 anos, dá uma entrevista ao Portal CTB via Whatsapp, onde fala sobre a sua escolha por esse gênero de filmes, arte e política, a situação da cultura em tempos de Jair Bolsonaro e seus novos projetos.
“Escolhi fazer documentário, trabalhando, construindo a minha versão da história a partir de imagens do real”, argumenta. “E acho muito mais prazeroso trabalhar no improviso do documentário do que na montagem certinha e predeterminada da montagem do cinema de ficção”, complementa.
Com cerca de 80 filmes em seu currículo, o cineasta é considerado um dos maiores documentaristas do cinema brasileiro. Suas obras traçam um panorama da história contemporânea do país. Começou a trabalhar com cinema na década de 1960 por cineclubes, um tipo de associação sem fins lucrativos, que reúne pessoas dispostas a debater e trabalhar pela sétima arte em todas as suas vertentes.
Em 1981, Tendler fundou a Caliban Produções Cinematográficas e nunca mais parou de transpor para a telona, a sua versão da história do Brasil em fatos essenciais para o entendimento da formação da nação. Além de discutir as transformações na vida das pessoas pela ganância do sistema financeiro como é o caso de “Dedo na Ferida”, de 2017.
O cineasta carioca segue a norma de sua sua produtora que é “faça do cinema uma arma de luta, uma arma de reflexão, uma arma de pensamento”. Importante para quem se aventurar pelo mundo da cultura e das artes.
Dedo na Ferida (2017) completo
Além de “Dedo na Ferida”, o autor fez “O Mundo Mágico dos Trapalhões”, em 1981, sua maior bilheteria e “Os Anos JK – Uma trajetória política” (1980), “Jango” (1984), “Castro Alves – Retrato Falado do Poeta” (1999), “Milton Santos, pensador do Brasil” (2001), “Glauber o Filme – Labirinto do Brasil” (2003) e “Utopia e Barbárie” (2009), entre muitos outros longas, médios e curtas-metragens.
Seus filmes são indispensáveis para quem deseja compreender o país e seu povo. Com vigor juvenil, o cineasta destaca seus novos projetos para contar a história do país através das lentes de seus documentários.
Para Tendler, “estamos num momento trágico para o cinema e para a cultura brasileira. O Ministério da Cultura foi destruído por um bando de incompetentes.”
Leia a entrevista na íntegra:
O que te levou a escolher fazer documentários?
Escolhi documentário porque gosto dessa proximidade com a realidade. Gosto de montar quebra-cabeças. Gosto de assistir caleidoscópios, passear por labirintos. E o documentário é uma busca por labirintos incessantes, caleidoscópios que mudam de forma a cada giro, quebra-cabeças de 20 mil peças.
Eu gosto dessas montagens. Então, escolhi fazer documentário, trabalhando, construindo a minha versão da história a partir de imagens do real e acho muito mais prazeroso trabalhar no improviso do documentário do que na montagem certinha e predeterminada da montagem do cinema de ficção.
Como o preconceito contra os filmes nacionais prejudica o nosso cinema?
Não acho que haja preconceito contra o cinema brasileiro. Tenho as três maiores bilheterias do documentário nacional. “Os Anos JK” atingiram um público de 800 mil pessoas, “Jango” levou mais de 1 milhão aos cinemas e mais de 1,7 milhão assistiram “O Mundo Mágico dos Trapalhões”.
Para mim, o público brasileiro gosta de conhecer o cinema brasileiro. Acho que no momento, por causa da política mundial neoliberal, o cinema foi sequestrado e escondido dentro dos shoppings, que são os grandes templos do consumo.
Ninguém vai ao templo do consumo para assistir filmes papo-cabeça. Mas na hora que o cinema voltar para as ruas, escolas, universidades, aos cineclubes, esse cinema voltará a ser visto, amado e consumido.
Vamos parar de preconceito, portanto, e confessar que gostamos do cinema brasileiro, que é muito bom em todas as suas vertentes. Seja papo-cabeça, documentário ou de entretenimento, nós temos e produzimos artes para todos os gostos e todos são bem vindos.
Jango (1984) completo
Como vê o momento atual do cinema brasileiro com a extinção do Ministério da Cultura e esvaziamento da Agência Nacional do Cinema?
Estamos num momento trágico para o cinema e para a cultura brasileira. O Ministério da Cultura foi destruído por um bando de incompetentes. E ele não foi destruído para melhor. Ele foi destruído por um Brasil muito pior.
Pessoas como o Guedes (Paulo Guedes, ministro da Economia), como o Lorenzoni (Onyx Lorenzoni, ministro da Cidadania) que participaram dessa festa macabra não têm competência para gerir um país. Por isso, começaram pela destruição daquilo que não conhecem, não entendem. A arte, a cultura, a ciência e a educação.
Vivemos uma situação dramática. Está tudo paralisado desde antes da pandemia, é bom que fique claro isso. Porque a pandemia foi muito prejudicial às atividades artísticas e culturais, mas essa perseguição vinha desde antes. Desde a posse desse governo da necropolítica.
Arte e política são intrínsecas?
A arte e apolítica não andam juntas necessariamente. O cara não é um bom cineasta porque ele pensa politicamente como eu. Ele é bom cineasta porque faz bons filmes. Eu gosto de filmes de todas as vertentes, não tenho preconceito nenhum.
O Fellini (Frederico Fellini, cineasta italiano, reconhecido com um dos mais influentes do cinema no mundo) era considerado um conservador, não sei se era, mas era um baita cineasta. Para mim, existem bons filmes e maus filmes. Devemos privilegiar os bons filmes, independente do discurso político do autor.
Trailer de O Mundo Mágico dos Trapalhões (1981)
Que dicas você daria para cineastas em início de carreira?
Eu diria para assistirem muitos filmes. Para assistirem e participarem de debates, observarem a realidade. Ousadia e criatividade são essenciais para qualquer bom documentarista.
Está trabalhando em algum novo projeto?
Estou trabalhando em vários projetos. Acabei de finalizar um filme sobre o Chico Mário, irmão do Betinho (Herbert de Souza) e do Henfil, que morreu de Aids, aos 39 anos, em 1988. Foi um belo músico, uma bela figura.
Estou terminando um filme em defesa do SUS (Sistema Único de Saúde), “Saúde Tem Cura”. Bem antes dessa loucura do Bolsonaro de querer privatizar o SUS.
Também estou fazendo outro documentário sobre “A Bolsa ou a Vida”, para questionar se a centralidade estará no ser humano e na natureza ou no cassino financeiro. E um outro filme sobre o sindicalismo no Brasil. “O Futuro É Nosso”.